Espetáculo Jornalístico ou Jornalismo Espetaculoso? Ainda Discutindo o Modo de se Noticiar no Brasil

por Fábio Mendes
[Com informações do Blog do Daniel Castro, no portal R7]

O Jornal Nacional do dia 20 de abril trouxe ao ar, entre um de seus destaques, mais um caso de maus tratos a crianças. Na cidade de Praia Grande, no litoral sul de São Paulo, um bebê de menos de uma semana de vida fora abandonado em uma caçamba de entulho. Horas depois, encontrada desacordada por um catador de lixo, a criança foi resgatada pelos funcionários de uma escola e levada a um hospital.

Quem acompanhou as notícias nos dias seguintes ficou sabendo, entre outros detalhes, que a mãe da criança, encontrada e presa, pode ter abandonado outros filhos e que o bebê, após ficar na UTI por uns dias, já recebeu vários pedidos de adoção e o nome-padrão para meninas que nasceram em situações traumáticas, Vitória.

O ato do abandono de bebês, por sua própria natureza, já é de se causar indignação e revolta – ainda mais potencializado depois de um choque como o massacre de crianças em Realengo no último dia 7. Também não é um caso inédito. Porém, nesta pauta havia um diferencial. Todo o processo, do abandono ao resgate, fora gravado por câmeras de segurança próximas ao local onde se localizava a caçamba. E os editores do Jornal Nacional ganharam um material poderoso.

Apenas exibir as imagens do resgate não foram suficientes. Uma matéria, toda narrada por William Bonner, teve um tratamento especial. Com uma narração rebuscada e pausada, criando suspense quanto ao achado do catador, as imagens foram apresentadas. E apenas quando a reportagem chega à metade, o seu motivo de existir é revelado:

[...] Ele corre, em direção a uma escola. Volta, acompanhado de um professor. Que mexe no lixo...e retira um bebê.”

Toda uma narrativa diferenciada, incomum ao método jornalístico tradicional, foi construída em torno do acontecido. Potencializando emoções, tentando recriar para o espectador a surpresa do catador de lixo – não fosse a apresentação de William Bonner e o pacote gráfico do Jornal Nacional, esta matéria poderia se passar como excerto de um filme documentário.

Claro que aqui, não tivemos excessos claros do chamado sensacionalismo televisivo. Perto de matérias de temática semelhante do programa Domingo Espetacular (Rede Record) exibidas nas últimas semanas, por exemplo, onde trilhas sonoras são comuns para realçar climas de tensão e drama; e closes quando o entrevistado se emociona e chora são uma constante, a matéria do Jornal Nacional parece inofensiva. O som de fundo, do início ao fim, é seco. Dá ênfase ao poder da imagem. Mas, ao final, também temos a entrevista da professora que reanimou Vitória. E, quando ela se emociona, como que por impulso, a câmera também se aproxima de seu rosto. E se aproveita de suas lágrimas.


Todo esse processo quase cinematográfico de contar um fato, certamente, chama a atenção. Em casos como esse, toca quem assiste. E é incentivado nas redações jornalísticas. Acontecem workshops de jornalistas na Rede Globo com profissionais do meio cinematográfico, justamente para que os seus profissionais saibam criar histórias com as suas pautas. Um roteiro com apresentação, personagens, conflito, clímax e conclusão. Um material que, prendendo a atenção do telespectador, cria uma relação emocional. Algo que, embora seja funcional, gera questionamentos.

A função primordial do jornalismo é informar. E, em seguida, dar as armas para que o seu público crie sua própria opinião de mundo. Torna-se, no entanto, desconfortável sentir que, de uma forma descarada ou contida, temos nossos sentimentos manipulados pela construção de uma matéria jornalística, não só apenas pelo fato que ela noticia.

De certa forma, a apresentação deste caso na reportagem da Globo é inofensiva. Não será a matéria do Jornal Nacional a responsável por influenciar negativamente o futuro da pequena Vitória, já que sua vida acabou de começar e a sua situação traumatizante já se consumou, sendo a matéria sua consequência. Mas gera, sem dúvida, insegurança – quando pensamos que esse mesmo método de nos “entreter” informando pode ser usado para gerar sentimentos não naturais a um fato, ou mesmo avessos à nossa opinião. Podemos encontrar paralelos em matérias de conteúdo político (ou em outras em que a política está nas entrelinhas)? A educação audiovisual do telespectador, sem sombra de dúvida, deve ficar sempre alerta para esse tipo de possibilidade.

Ou, melhor, realidade.

Comentários

  1. O engraçado é que a crítica de jornalismo sensacionalista sempre recai para jornais como meia hora, ou a telejornais de outras emissoras senão a Globo.
    No caso da Record, pelo menos há intenção declarada, pelo menos por parte do Paulo Henrique Amorim, de produzir jornalismo carregado de emoção.
    Fato é que as barreiras entre jornalismo e audiovisual estão borradas, seria mais ético se todos assumissem isso.

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  2. Oi Caio,

    Fiquei com uma dúvida... Você quis dizer barreiras entre jornalismo e sensacionalismo, ou foi audiovisual mesmo?

    Abs

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