O Melhor cego é aquele que não quer Ver TV

por Nino Ottoni, da turma 1.2011
Aluno do 5º Período de Cinema, sobre o programa VerTV (TV Brasil) exibido em 17/04 - Assunto: A Dor como Espetáculo: Abordagem do Massacre de Realengo pelas emissoras de TV.

Acendam suas tochas: a temporada de caça às bruxas foi aberta. Como num conto de fadas pós-moderno, a sociedade busca, de forma maniqueísta, os bons e os maus após o terrível caso do massacre de Realengo. E um dos elementos mais cotados para ganhar o título de mau é a mídia, aquela que nos colocou goela abaixo, por dias, detalhes do caso, aquela que promoveu a espetacularização da tragédia, aquela que obrigou os sobreviventes a reviver o horror daquele momento. Realmente, a mídia sai na frente por esse disputado título e reacende o debate sobre o papel dos meios de comunicação no Brasil.

Foi nesse contexto que o programa Ver TV, da TV Brasil, que foi ao ar no dia 17 de abril, promoveu uma discussão acerca da cobertura da imprensa sobre a tragédia de Realengo. Como convidados, especialistas das áreas de mídia, educação e comunicação. Em princípio, tinha tudo para ser um debate esclarecedor. A prudência, porém, nos manda esperar.

O que se viu foi um manancial de obviedades. E essa foi a melhor parte! Que a mídia extrapolou na sua busca incansável por um furo da tragédia, por uma imagem mais reveladora – leia-se chocante -, por um depoimento ainda mais comovente todos os com um mínimo de bom senso sabem. Dar um close em uma criança justamente na hora em que uma lágrima rola foi um dos artifícios mais usados, mas ainda tivemos momentos mais absurdos. Tudo isso com um agravante: é contra a lei expor crianças dessa forma. O circo, o freak show que se seguiu nos dias seguintes foi ainda mais assustador: as famílias levavam seus filhos, sobreviventes da tragédia, a todo o tipo de programas, como ex-BBB’s do mundo cão. Até aí, infelizmente, nenhuma novidade.


O Ver TV caiu, então, num grande erro: tentar encontrar os motivos, na mídia, que possam ter causado o massacre. “Como assim?”, o leitor sensato com certeza se pergunta. Pois é, os ditos especialistas tentam justificar uma doença mental como a que Wellington tinha colocando a culpa na mídia. Ora, a mídia não é boazinha e ultrapassou todos os limites do sensacionalismo nesse caso, mas daí a culpá-la pela tragédia é um argumento digno de um pré-adolescente pseudo-punk. De forma ainda mais intragável, os convidados defenderam a tese de que os jogos de computador e de videogame e os filmes que contém violência colaboram para massacres desse tipo, um argumento velho e ultrapassado. Se isso realmente significasse alguma coisa, a Idade Média teria sido uma época de paz e harmonia, em que todos se abraçavam a cantavam a trilha sonora de Hair séculos antes de ser composta. A História mostra que não foi assim.

Como um programa que se propõe a analisar a TV brasileira, o Ver TV não pode cometer o erro capital de deixar um debate potencialmente benéfico a toda a sociedade degringolar para uma discussão de botequim entre pessoas de opiniões que fazem parte de um senso comum arcaico. É exatamente indo por esse caminho que um programa perde a sua credibilidade.

Até porque utiliza um argumento que alimenta os defensores da intervenção estatal no conteúdo veiculado pelas TVs. Afinal, “se a programação violenta das TVs causou tudo isso, com certeza devemos proibir que ela seja exibida”. É um ponto de vista perigoso. Por mais que a mídia realmente cometa excessos, por vezes quase sádicos, deixar que o Estado interfira no conteúdo das TVs é o que comumente chama-se de tiro no pé. Não dá para dizer que isso se configure como censura, mas com certeza deixa uma fresta da porta aberta para ela. A não ser em casos previstos pela lei brasileira – como discriminação, exploração da imagem de menores, racismo, etc -, as TVs devem ter liberdade de exibir o que quiserem. Por mais que seja de mau gosto, por mais que seja detestável. Da mesma forma, temos todo o direito de desligar a TV. A liberdade deve sempre ser preservada. Guardadas, obviamente, as devidas proporções, é como descreve a famosa frase de Thomas Jefferson: “Se pudesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais em governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último.”

Comentários

  1. Acho que a discussão sobre a influência da Midia sobre o espectador/consumidor da mesma, traz à tona a necessidade de se dar instrumentos para que se estabeleça um consumo consciente, ao contrario de proibir ou condenar conteúdos de violência, sexo, etc. Proibir é mais fácil que abrir espaço para uma discussão mais ampla e crítica.

    Mas, Nino, fazendo o Jabour nesse último parágrafo sobre controle de conteúdo, hein. rs
    Acho mesmo que devemos criar um mecanismo para "problematização" (Uii) do conteúdo e sua apreenção pelo espectador.

    Consumo consciente não é fomento a dirigismo e vai elevar o nivel da discussão.

    No mais, achei o texto genial!
    É isso aí, "Let the sunshine in!"

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  2. Consumo consciente: cada um decide o que é melhor para si mesmo.

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  3. Acho que a discussão vai muito além da censura ou não da mídia. Trata-se do respeito ao ser humano, da tolerância. Do "ser respeitado" e "saber respeitar o outro/diferente de mim". A mídia coloca o dedo na ferida e revira do avesso mas o que causa a ferida? Se isso não é discutido a questão censura e/ou violência será eterna.

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  4. O programa Ver TV é ótimo, em minha opinião. Mesmo quando os debatedores não estão em um dia feliz, ele mostra alguns pré-conceitos, ideias estabelecidas que podem povoar tanto o meio acadêmico como setores da opinião pública, mantendo-se um excelente pólo de discussão. Boas discussões, como essa que fazemos, não se realizam apenas com concordâncias, mas muito mais com discordâncias.
    Do texto do Nino gostaria de fazer apenas um ajuste. Na verdade, quando ele fala em intervenção estatal na televisão, isso não quer dizer censura. Pode até ser, mas nas atuais circunstâncias das discussões sobre televisão no Brasil, o que teríamos de intervenção estatal seria na regulação das comunicações, algo absolutamente necessário para a democratização das comunicações, e não censura. Sobre esse tema eu gostaria de citar o esclarecedor artigo do apresentador do Ver TV, o Professor Laurindo Lalo Leal Filho, na Caros Amigos especial "Mídia, a grande batalha da democracia", atualmente nas bancas. O texto, chamado "Lei de meios, o atraso brasileiro", fala sobre a regulação nos diversos países - o que nada tem a ver com censura.
    Voltando ao assunto do programa e da violência na TV, acredito que culpar a televisão ou os videogames como propulsores da violência seja um equívoco. Ao contrário, muitas vezes jogar um videogame ou ver um filme com cenas violentas têm um efeito catártico e a pessoa consegue separar o que é ficção do que é real. O problema de Wellington não foi, na minha opinião, nem a TV, nem o videogame, nem o bullying - este último virou uma moda irritante para justificar qualquer coisa. Foi a falta de uma família estruturada, uma rede de afetos, um acompanhamento àquela criança. Para uma pessoa que tem problemas, até uma música de Beethoven pode incitar à violência. Culpar a televisão e os videogames me parece uma saída escapista para não perceber a falência das estruturas familiares e a incapacidade do Estado em acompanhar esse processo entre nossos jovens através de uma assistência social efetiva, especialmente nos lugares mais carentes.
    Por outro lado, devemos lembrar Susan Sontag no livro "Diante da Dor dos Outros" que mostra como a dor e o sofrimento é mesmo mais midiático. Assim, a falta de bom-senso torna-se mau gosto e sensacionalismo, como vimos nos jornalísticos, no programa da Ana Maria Braga e no Faustão, que expuseram as crianças da escola de maneira absolutamente vergonhosa - mas os pais estavam do lado, autorizando essa exposição. Se a família não autorizasse, não veríamos crianças no Faustão - o que não diminui sua responsabilidade no sensacionalismo. Mais uma vez, esquece-se do principal.
    Outra questão importante é dar visibilidade a uma pessoa doente que obviamente se espelhava em outros eventos semelhantes e buscava notoriedade com o massacre. Dar notoriedade à Wellington é pagar a ele o preço que ele pediu para matar as crianças. Para a sociedade é um tiro no pé. A professora no programa está certa: o Wellington pautou a mídia.
    Não se pode incentivar que pessoas doentes busquem a notoriedade através de seus atos porque sabem que ao final de uma tragédia, sua produção de imagens e textos terá visibilidade mundial. Li uma vez, não lembro onde, que uma das armas na Irlanda e em outros lugares contra o terrorismo era não mediatizar o atentado, não por censura, mas porque o sucesso do atentado só se realiza se as pessoas sabem que ele aconteceu. Um atentado terrorista que não é midiatizado perde seu efeito essencial.
    Caímos assim em uma questão de auto-regulação, de ética dos meios, que parecem não cultivar esse tipo de prática. Voltamos à primeira questão - que nada tem a ver com censura - será que determinadas práticas, como dar notoriedade a um psicopata, não devem ser impedidas por lei, para preservar as pessoas, já que a própria mídia não tem este bom-senso? É uma pergunta mesmo, para a qual não tenho uma resposta definida.

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  5. Concordo com o Nino, que a violência nos meios de comunicação e em games não transforma ninguém em violento. Não conheço ninguém que jogue GTA e saia dando soco em velhinhas na rua. Mas o programa apontou uma questão pertinente sobre o efeito da espetacularização. Em países como nos EUA, já se pode ter uma noção mais concreta de causa e consequência desse processo. Nota-se que em vários desses massacres, os assassinos costumam deixar vídeos em casa, ou até mesmo entregando em emissoras, pensando em toda a repercussão que esses assassinatos terão. No Brasil, o caso que mais se aproxima disso foi quando a Sonia Abraão se intrometeu no caso da Eloá e do Lindemberg, dando espaço para ele falar no programa durante o sequestro, além do uso mercadológico que ela já fazia dessas tragédias. Na avaliação dos policias, antes do contato da Sonia Abraão, o caso já se encaminhava para um desfecho melhor. No caso do ônibus 174 também. Em ambos os casos os criminosos enxergavam na televisão um meio de terem suas vidas eternizadas.
    Sobre o controle de conteúdo, concordo com a Renata de que isso vai além do conceito de censura. Para isso vale a pena lembrar o caso da Bolivia, aonde houve polêmica na aprovação de uma lei que proibia preconceitos contra indios em jornais e que isso foi visto como uma afronta a liberdade de expressão. No Brasil também vemos várias atitudes reprováveis tipificas por lei(como machismo, racismo, ofensas, injurias, caluniações, intolerância religiosa, criminalização de movimentos sociais) ou não (homofobia), que não são sofrem sanções devido ao que eles chamam de "liberdade de expressão". Por isso a regulação de conteúdo deve existir, a fim de demarcar que essas posturas não serão aceitáveis em meios de comunicação, e que a liberdade de expressão não está acima das leis.

    Lendo agora o comentário do Felipe, vale lembrar que já existem casos não noticiados para não espetacularizar certos eventos, como em suicidios.

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