Um Mês Depois: Morde & Assopra Peca Justamente na sua Falta de Originalidade


por Fábio Mendes

Em exibição desde o último dia 21 de março, Morde e Assopra, atual novela das 7 da Rede Globo, não vem empolgando em seus números. Substituta do bem-sucedido remake de Ti Ti Ti, recaía sobre a trama de Walcyr Carrasco não só a responsabilidade de manter a audiência do horário, mas também de repetir os acertos de seu trabalho anterior.  A dinâmica e popular Caras e Bocas, exibida em 2009, foi o que pôde ser considerado o último grande fenômeno de audiência da Rede Globo na década anterior, com audiências que superavam frequentemente os 40 pontos.

Com esse objetivo, Walcyr pôs em prática, mais uma vez, o que aparenta ser o seu grande plano de estabilidade desde sua estreia na Rede Globo, em 2000, com O Cravo e a Rosa: criar o seu próprio e confortável universo narrativo, com suas próprias “marcas de autor” e elementos comuns a todas suas obras. Algo comum de se notar em trabalhos de outros autores veteranos: se em toda novela de Gilberto Braga, por exemplo, já podemos esperar um casal de vilões fortes e uma trama policial (da qual o assassino sempre é um dos vilões), uma história passada no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, protagonizada por grandes famílias de classe alta, só pode ser obra de Manoel Carlos.


Assim, a maioria esmagadora dos elementos que tiveram retorno positivo em suas novelas anteriores na emissora retornou às telas com força total: um casal de protagonistas que vivem às farpas, como em O Cravo e a Rosa, Chocolate com Pimenta e Caras e Bocas; vilãs passionais que forçam um triângulo amoroso às custas da indiferença do mocinho, como em Chocolate com Pimenta, Alma Gêmea e Sete Pecados; elementos de humor pastelão (como tortas na cara, homens travestidos de mulher e brigas no chiqueiro), bordões insistentes, animais mascotes (como porcos, galinhas, papagaios, macacos...) e, é claro, o indispensável núcleo de caipiras paulistas de sotaque carregado e os Casamentos Cancelados no Altar. Está tudo em Morde e Assopra, defendido por um elenco já acostumado a trabalhar com o autor – Adriana Esteves, Marcos Pasquim, Nívea Stelmann, Flávia Alessandra, Ary Fontoura, Elisabeth Savalla, entre outros.

Para dar uma novo fôlego a esse conjunto de elementos, a novela das sete decidiu se apoiar num diferencial bastante arriscado – elementos de ficção científica, como a robô Naomi de Flávia Alessandra, frequentemente são associados na teledramataurgia a equívocos recentes (como em Tempos Modernos (2010), onde um robô controlava um edifício e interagia com os personagens; o núcleo de extraterrestres de Começar de Novo (2004), extirpado logo no início da trama; e os personagens paranormais de Olho no Olho (1993) ou aberrações como a já clássica Trilogia dos Mutantes da Rede Record. A opção para contornar uma potencial rejeição do público, portanto, foi rechear esse núcleo da robô de melodrama clássico: Naomi foi criada por Ícaro (Mateus Solano) para substituir sua esposa, desaparecida após um acidente – e a máquina, enquanto aprende a “ser humana”, acaba se envolvendo com Leandro (Caio Blat).


Todo esse esforço para blindar o fiasco de Morde e Assopra, porém, até agora, não vem dando resultados expressivos. Um trabalho acertado de divulgação e uma saudável estreia (32 pontos no ibope) não foram suficientes para impedir uma queda vertiginosa nas semanas seguintes. Até o dia 15 último, segundo a Folha, a média de audiência da atração foi de 25,9 pontos. A imprensa especializada já comenta as possíveis mudanças que virão em breve através de grupos de discussão, como uma diminuição do ritmo da história e investimento maior nas subtramas – e, como já era de se esperar, o núcleo de Naomi já se tornou o bode expiatório: notas já preveem a “quebra” de Naomi e o retorno da esposa verdadeira de Ícaro (que, segundo o autor, já estavam na sinopse original) como reflexo dos ajustes futuros.

Mas o fato é que não é esse o principal problema da novela. Pelo contrário, Naomi e Ícaro, apresentados num tom acertado e sem extravagâncias, são um lampejo bem-vindo de criatividade de Walcyr dentro de um enredo carente de verdadeiras novidades: mesmo entre o público médio, torna-se maçante acompanhar uma história tão repleta de dejà-vu’s como a apresentada. Se o grande atrativo de uma comédia romântica como a da paleontóloga Júlia (Adriana Esteves) e do fazendeiro Abner (Marcos Pasquim) é saber como o casal chegará ao final feliz, não é natural imaginar que engessar a forma como eles chegarão lá (com alfinetadas entre os dois, uma suposta traição com Celeste (Vanessa Giácomo) que levará a um casamento cancleado no altar e a consequente vingança da garota, levando a uma série de intrigas-padrão) seria um tiro no pé que pode tirar o interesse do espectador casual?

Mesmo os núcleos de humor insistem em não sair do mais feijão-com-arroz possível em uma história do autor: Élcio (Otaviano Costa) já desfila por aí travestido e se apresentando como Elaine, alguns personagens já foram jogados no chiqueiro da fazenda de Abner e outros já levaram tinta na cara. Isso sem contar os personagens caricaturais, como o cabeleireiro Tutu (Rafael Barja) e os gordinhos do spa que traficam doces e comida gordurosa. Quando se ouve uma piada pela segunda, terceira vez, ainda dá pra rir. Mas quando se ouve pela vigésima, eu duvido.

O autor Walcyr Carrasco

É triste perceber que Walcyr Carrasco, autor experiente, que já escreveu obras ousadas e fortes como Xica da Silva (Manchete, 1996) e Cortina de Vidro (SBT, 1989), aparentemente tenha passado a entender uma novela como se fosse uma simples receita de bolo, onde a junção de vários ingredientes garante um produto final padronizado e consumível. Mas, dentro dessa própria alegoria, podemos levar em conta que nem os melhores ingredientes garantem um bolo saboroso se o cozinheiro errar a mão, se a massa desandar ou se o fogão não estiver funcionando bem.

É questão também de saber ainda se o povo não enjoou ainda do sabor do bolo – e se não seria justamente a parte testada e aprovada do recheio que não está dando liga dessa vez e poderia ser deixada de lado ou trabalhada de uma maneira diferente... a boa aceitação da também recém-estreada novela das 6, Cordel Encantado, obra de suas ex-colaboradoras Thelma Guedes e Duca Rachid e que equilibra com destreza uma trama original com narrativas clássicas, pode até ser um sinal disso.

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