A TV Aberta e o Espaço da Produção Independente

 por Thiago Yamachita e Mariana Ramos
da turma 1. 2011
Alunos da Matéria Televisão e Vídeo. Texto referente ao Conteúdo do Seminário sobre Televisão Aberta e Produção Independente, realizado em 19/04/2011
 
Recentemente, caminhando pelas ruas do Rio de Janeiro, vi alguns cartazes da nova  campanha do Canal Brasil. A campanha utiliza algumas figuras famosas do cinema nacional como Lázaro Ramos, Zé do Caixão e Paulo Cesar Peréio sob o slogan “Toda nossa bagagem cultural em um só canal”. Apesar do esforço da mensagem em ressaltar a vantagem do Canal Brasil em exibir um vasto acervo de conteúdo audiovisual nacional, tal slogan me fez questionar o quão absurdas são nossas políticas em relação ao audiovisual produzido no país.

O Canal Brasil é fruto de uma das várias batalhas travadas por uma maior regulamentação do setor audiovisual, especialmente o da televisão, visando beneficiar o lugar da produção independente. Ele se origina da Lei do Cabo de 1995. A Lei do Cabo trazia um dispositivo que poderia impactar positivamente o mercado de televisão por assinatura no país, pois obrigava as operadoras a exibirem em sua programação filmes nacionais de produção independente de longa, média e curta metragem e desenho animado, conforme definido em regulamento a ser baixado pelo poder executivo. Apesar de não contemplar programas de televisão, seguindo o viés histórico da política audiovisual brasileira voltada quase que exclusivamente para o cinema, o mecanismo poderia trazer grandes benefícios para a entrada da produção independente, aumentando a demanda pela produção nacional.

No entanto, o forte lobby exercido pelos grandes grupos de mídia e por políticos acabou diminuindo drasticamente a efetividade de tal dispositivo. Sua regulamentação estipulou que as operadoras de TV a Cabo ofereceriam pelo menos um canal exclusivo de programação composta por obras audiovisuais brasileiras de produção independente. Desse modo, um mecanismo que tinha potencial para gerar demanda por produção nacional em diversos canais, acabou se restringindo a um único canal.


O resultado desse processo foi o Canal Brasil, fruto da união da maior programadora do país com um grupo de cineastas, canal que faz parte do segmento Premium ofertado nos pacotes mais caros aos assinantes da TV paga. Por todas essas razões, talvez o slogan mais apropriado para a campanha do canal Brasil fosse “Toda nossa bagagem cultural confinada a um só canal”.

Mas não sejamos radicais. O Canal Brasil, apesar de uma oportunidade desperdiçada não detém, obviamente, o monopólio sobre a veiculação de conteúdo audiovisual nacional. A TV Aberta brasileira, apesar de todas as críticas que lhe são devidas, é grande veiculadora de conteúdo nacional. O problema é que o espaço da produção independente nesse meio é muito limitado ou simplesmente não existe.


A produção independente, de extrema importância para o bom desenvolvimento de uma indústria audiovisual, tanto do ponto de vista mercadológico quanto do ponto de vista sociocultural da pluralidade e diversidade de expressão, não encontra espaço para atingir seu público; e as leis do estado, que deveriam agir em favor dos produtores independentes (que sozinhos nada podem fazer contra o poder das grandes empresas de mídia) se mostram ineficientes, em uma política que foca-se quase que exclusivamente no fomento cinematográfico e nas salas de cinema - num período onde a era digital e as novas tecnologias abriram diversas novas possibilidades para o audiovisual e onde as salas de exibição correspondiam a uma parcela cada vez menor dos rendimentos.

Se observarmos as legislações criadas para o campo do audiovisual, veremos uma série de mecanismos que têm como objetivo principal o fomento à atividade cinematográfica de modo a impulsionar a produção. Entre os modos de capitalização por meios públicos para uma obra audiovisual. Apesar de tais mecanismos terem aumentado o número de produções audiovisuais nacionais, os instrumentos de fomento não encontram correspondência em medidas que possam gerar ampliação de mercado para os conteúdos produzidos, o que eventualmente poderia incentivar a iniciativa privada e promover maior acesso de brasileiros a conteúdos audiovisuais nacionais. A questão da política pública tem colocado em segundo plano a estruturação de um mercado, fazendo que o aumento da produção não seja acompanhado por um real aumento do mercado. Ora, se o produto final (a obra audiovisual) não tem espaço para encontrar seu público, o produtor não tem como se remunerar e continuará dependendo das leis de incentivo e dos recursos públicos para produzir.

Legislações como a Lei do Audiovisual (lei federal nº8.685/93) permitem que cada vez mais se produza filmes com orçamentos milionários mas com rendimentos que sequer cobrem os custos de produção, indo contra a intenção do governo de se estabelecer uma indústria audiovisual forte no país. A criação de um mercado interno forte para conteúdos audiovisuais nacionais é de extrema importância não só para garantir maior acesso à cultura brasileira para a população, mas para garantir a sustentabilidade da indústria e usar a força de um mercado doméstico bem estabelecido para valorizar o produto no cenário internacional.

Uma das soluções que o governo poderia utilizar seria o de assegurar a veiculação de todo esse conteúdo produzido em outras janelas de exibição, não exclusivamente as salas de cinema (como faz com as cotas de tela). O grande problema da sala de cinema é o seu número limitado (com grande concentração na região sudeste) e o alto preço dos ingressos, além da óbvia restrição do tipo de conteúdo (filmes, de preferência longas-metragens). Por outro lado, a parceria produtor independente e televisão aberta poderia ser extremamente benéfica para o cenário da produção nacional, já que a televisão possui dinheiro para investir (advindo dos altos ganhos com a publicidade) e demanda constante de conteúdo, além de possuir espaço de veiculação com grande público cativo. O problema é que o modo como as grandes redes de TV operam no Brasil elimina o espaço da produção independente favorecendo a produção da própria emissora.

Seguindo os moldes ultrapassados do Studio system americano, redes como a TV Globo criam grandes estruturas (como o projac) e contratam roteirista, diretores e atores fixos para preencher sua própria grande de produção, minando a entrada de qualquer produção de fora (independente). As emissoras adotam tais práticas por serem extremamente vantajosas do ponto de vista econômico: pode-se produzir em escala muito maior quando se tem a garantia de veiculação do conteúdo e com todo o aparato de produção já montado as produções tem seu custo reduzido. Isto também faz com que estas empresas diminuam a concorrência e aumentem sua área de atuação, com maior controle sobre o conteúdo que veiculam e maior liberdade para utilizá-lo. Todas as empresas de mídia atuam de forma parecida, e é natural que o façam, levando em conta a logica capitalista de maximização dos lucros. É dever do estado, portanto, criar regulações que impeçam que o grande poder dos grupos de mídia desloque a produção independente e atuem de modo a prejudicar a concorrência e a diversidade de conteúdos e pontos de vista.


As leis que regulamentam a TV no Brasil, no entanto, são parcas e ineficazes, resultado das fortes pressões políticas e de uma histórica de relação de políticos e empresários que confundem o bem público com o privado. O sistema de concessão e renovação das outorgas de radiodifusão e a postura das empresas fazem com que apenas poucos privilegiados possam se expressar através de um bem público. Apesar das redes de televisão serem empresas privadas, o conteúdo que circula por elas utiliza-se do espectro eletromagnético, que é um bem público, os chefes das emissoras não podem simplesmente fazer dos canais o que bem entendem. Com ressalvas, podemos fazer uma comparação com outras concessões públicas como estradas e metrôs. Uma empresa privada constrói e administra a estrada ou o transporte, mas não pode restringir seu uso a um tipo de veículo ou passageiro a sua escolha já que está utilizando o espaço urbano público. O artigo 21 da constituição federal diz que compete a União a exploração, diretamente ou mediante outorga, dos serviços de radiodifusão.

Isso enquadra a radiodifusão na mesma situação da energia elétrica e dos transportes, por exemplo, mas ao contrário destes outros serviços a radiodifusão opera sem critérios claros. As emissoras recebem concessões que valem por quinze anos e, durante este período, não têm de prestar contas sobre o uso que fazem delas. Tais canais são, na grande maioria das vezes, usados exclusivamente para fins lucrativos, sem gerar benefício social. É prática comum a sublocação dos canais, em que estes vendem um espaço da sua grade de programação para produções “independentes” (geralmente programas religiosos ou de venda de produtos), uma prática que é ilegal, mas conta coma vista grossa do Ministério das Comunicações e da Anatel.


Essa conduta indevida das redes de TV fere o artigo da constituição federal, que afirma que a programação das emissoras deve dar preferência às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, assim como promover a cultura regional e estimular a produção independente. As emissoras mantém tais práticas porque, desde o surgimento dos meios de comunicação eletrônicos no país houve um embaralhamento de interesses de radiodifusores com políticos. As concessões de TV foram extensamente usadas como moeda de troca política, usadas para agradar aliados e para trocas de favores.

Apenas para se ter uma ideia da dimensão do descaso com um bem público, entre 1985 e 1988, o político José Sarney distribuiu 1028 outorgas, o que deixa claro que não houve critério que avaliasse a capacidade dos contemplados com as concessões em assumir a administração de um veículo de comunicação e muito menos o comprometimento destes em difundir conteúdos que beneficiem a cultura e o entretenimento. Por conta deste forte lobby, o setor é tão difícil de ser regularizado. O mínimo que se poderia esperar de um país democrático é que o governo tivesse à sua disposição mecanismos que avaliassem se as concessionárias cumpriram seus deveres. Tais mecanismos inexistem. O processo de renovação das concessões é quase automático, permitindo assim a manutenção desse cenário. A renovação não conta com a participação da sociedade e não é nem um pouco transparente. Prova disso é que os contratos não são tornados públicos, ao contrário dos serviços de telefonia, por exemplo.
Isto tudo reflete um cenário onde há fortes barreiras de entrada e que protege aqueles que têm maior poder de mercado. O capítulo que tange os meios de comunicação social na constituição sofre forte lobby das empresas e as tentativas de regulamentação acabam sempre acusadas de “censura”. Tenta-se passar a ideia de que o governo quer ditar aquilo que o espectador deve assistir. Ora, se uma rede detém todos os recursos, desde a produção à veiculação de conteúdo, não estaria ela, a seu próprio julgamento, ditando o que o espectador deve assistir? Pequenas vitórias neste campo foram se concretizando ao longo do tempo, projetos de lei como o atual PL116, e como foi o projeto ANCINAV visam uma mudança nesse cenário. Mas estas mudanças só podem se concretizar de fato com as pressões populares.

Devemos nos conscientizar, ter um olhar mais crítico ao conteúdo veiculado na mídia e sempre ter em mente que as redes de TV operam sobre um bem público. Apenas essa mobilização abrirá espaço para a produção independente, tão necessária para uma indústria forte e saudável, e para que possamos finalmente ter “todo nossa bagagem cultural” em todos os canais.

Comentários

  1. Gostei das materias! Estão de parabéns!... É um assunto delicadissimo falarmos de arte no Brasil, principalmente pelo fato de que sua comercialização aqui canta alto! Mais dificil ainda é nós termos iniciativas como essa e mostrarmos pra que viemos, nos afirmarmos em meio a tudo isso!
    Estamos produzindo um longa metragem! Produção independente, e devo te dizer... não é mole não! rs
    Estamos seguindo, nos sigam também! Abraços

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