Concessões de Radiodifusão: Lista revela políticos donos de rádio e TV's

por Valdo Cruz e Júlio Wiziack
[Publicado originalmente na Folha de São Paulo do dia 29 de maio de 2011. Caderno Poder, Página A10]

Classificado de “caixa-preta”, o cadastro dos donos de rádios e TV no país - onde estão os nomes de 56 deputados e senadores que são sócios ou têm parentes no controle de emissoras - passará a ser divulgado em caráter definitivo pelo Ministério das Comunicações.

O mapa, antiga reivindicação de entidades que tentam fiscalizar o setor, estará disponível a partir de segunda-feira (30/5) na página do ministério e pode ser acessado no site da Folha.com. A lista, obtida pela Folha, já teve uma primeira versão divulgada em 2003, no governo Lula, mas foi retirada do ar logo em seguida por conta de pressões de políticos contrários à divulgação. Pela legislação, o político pode ser sócio de rádio ou TV, mas não pode exercer cargo de diretor. A principal crítica é o uso das emissoras para alavancar candidaturas e prejudicar adversários.

O ministro Paulo Bernardo (Comunicações) chegou a defender a proibição de que políticos sejam sócios de emissoras, mas a aprovação dessa ideia é considerada inviável politicamente. A publicação do cadastro faz parte de um conjunto de medidas a ser baixado pelo governo para combater irregularidades na área. Entre elas, o uso de laranjas para esconder o verdadeiro dono com o objetivo de venda posterior da concessão, como revelou a Folha em março. “A publicação da lista vai dar transparência ao setor e combater a atuação de aventureiros, que usam laranjas só para lucrar com o negócio”, afirmou o ministro. Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM) disse que a divulgação “abre a caixa-preta” do setor e forçará quem está na “clandestinidade a se regularizar”.

Partidos

Entre os 56 dos 594 congressistas que são sócios ou com parentes em emissoras, 12 são do PMDB, partido que presidiu o país durante o governo de José Sarney, quando houve farta distribuição de concessões em troca de apoio no Congresso. Segundo partido na relação, o DEM, antigo PFL, tem 11 congressistas na lista. O partido foi aliado do PMDB no governo Sarney e comandava o Ministério das Comunicações com o senador Antonio Carlos Magalhães, cuja família controla um grupo de rádio e TV na Bahia. A família de Sarney, presidente do Senado e aliado do governo Dilma, também controla um grupo de comunicação no Maranhão.

O cadastro traz um mapa das 291 TVs, 3.205 rádios e 6.186 retransmissoras comerciais existentes no Brasil. O ministério espera que a lista, que será atualizada a cada dois meses, ajude a identificar irregularidades, revelando casos em que os verdadeiros donos de emissoras não são aqueles registrados oficialmente. “Infelizmente, num universo de quase 10 mil concessões, é impossível fiscalizar tudo. Agora, porém, alguém poderá acessar a lista na sua cidade e descobrir que a rádio local é registrada no nome de um laranja”, afirmou o ministro das Comunicações.

Congressistas dizem que não são mais sócios

A Folha entrou em contato por telefone e e-mail com os deputados e senadores que estão na lista do Ministério das Comunicações. Alguns disseram não ser mais sócios, mas que a mudança ainda está em processo. Por meio da assessoria, o deputado Alexandre José dos Santos (PMDB-RJ) disse que vendeu a rádio há dez anos e que não sabe por que o processo não foi regularizado. O senador Gim Argello (PTB-DF) afirmou que vendeu sua participação na rádio em 96. “Não sei por que ainda não foi regularizado.” O senador João Vicente Claudino (PTB-PI) disse que vendeu sua parte em 2007, quando assumiu o mandato. O deputado Antonio Bulhões (PRB-SP) disse que as cotas em seu nome nas emissoras de rádios estão em fase de transferência na pasta.

Felix Mendonça Junior (PDT-BA) informou que sua participação foi transferida para familiares. Cesar Hanna Halum (PPS-TO) e Rodrigo de Castro (PSDB-MG) disseram que ganharam as concessões, são sócios-minoritários e até hoje as rádios não começaram a funcionar. Já o deputado Fabio Loureiro Souto (DEM-BA) nega ser sócio da rádio em que aparece como acionista. O ministério informou que existem mais de 35 mil processos em análise.

Governo vai modificar regras para Concessão de Emissoras

O governo vai mudar as regras das concessões de rádio e TV e passará a exigir que os interessados nas licitações comprovem capacidade financeira para bancar a montagem das emissoras. Para isso, tomará duas medidas. Primeiro, subirá o valor do depósito de caução de 1% para 20% - exigência feita para habilitar um interessado a participar da licitação. Decidido o vencedor da disputa, o Ministério das Comunicações exigirá que o pagamento pela concessão seja feito no ato e de uma só vez. Antes, o vencedor pagava só metade do valor e ainda assim após a aprovação de seu nome (e projeto de emissora) pelo Congresso. A diferença era paga após um ano.

“As regras anteriores permitiam que alguém com uma renda de R$ 2.000 ganhasse uma outorga de R$ 1,5 milhão. Isso vai acabar”, afirmou o presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), que discute as reformas com o ministro Paulo Bernardo (Comunicações). Desde que decidiu alterar as regras, o ministério suspendeu a abertura de novas licitações. Mesmo assim, cerca de 300 estão abertas pelas regras atualmente em vigor. Braga disse que a comissão que preside já exige, na aprovação das concessões, que vencedores da licitação demonstrem capacidade financeira para montar as emissoras de rádio, antecipando-se às novas regras.

A medida foi tomada após a Folha revelar, em março, irregularidades em empresas que negociaram concessões públicas. De 91 empresas investigadas pela reportagem, 44 não funcionavam nos endereços informados ao Ministério das Comunicações. Entre seus “proprietários”, constavam funcionários públicos, donas de casa, cabeleireira, enfermeiro, entre outros trabalhadores com renda incompatível com os valores dos negócios.

Educativas

O governo vai mudar também as regras de concessão de TVs e rádios educativas. Hoje, elas só dependem de uma decisão do ministro. A partir de agora, terão de seguir critérios que estão sendo estabelecidos a partir de consulta pública. Haverá sistema de pontuação para definir vencedor.

“Sabemos de casos em que a rádio educativa acaba usada para fins comerciais. Vamos evitar que isso ocorra e dar preferência a universidades”, disse Bernardo. (VC e JW)

Veja lista de sócios e diretores de TVs e rádios no país.  (Arquivo PDF. 2,19mb)

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Laranjas compram rádios e TV's do governo federal

por Elvira Lobato
[Publicado originalmente na Folha de São Paulo do dia 27 de março de 2011]

Empresas abertas em nome de laranjas são usadas frequentemente para comprar concessões de rádio e TV nas licitações públicas realizadas pelo governo federal, aponta levantamento inédito feito pela Folha. Por trás dessas empresas, há especuladores, igrejas e políticos, que, por diferentes razões, ocultaram sua participação nos negócios.

Durante três meses, a reportagem analisou os casos de 91 empresas que estão entre as que obtiveram o maior número de concessões, entre 1997 e 2010. Dessas, 44 não funcionam nos endereços informados ao Ministério das Comunicações. Entre seus "proprietários", constam, por exemplo, funcionários públicos, donas de casa, cabeleireira, enfermeiro, entre outros trabalhadores com renda incompatível com os valores pelos quais foram fechados os negócios. Alguns reconheceram à Folha que emprestaram seus nomes para que os reais proprietários não figurem nos registros oficiais. Nenhum, porém, admitiu ter recebido dinheiro em troca.

Há muitas hipóteses para explicar o fato de os reais proprietários lançarem mão de laranjas em larga escala. Camuflar a origem dos recursos usados para adquirir as concessões e ocultar a movimentação financeira é um dos principais. As outras são evitar acusações de exploração política dos meios de comunicação e burlar a regra que impede que instituições como igrejas sejam donas de concessões.

Não há informação oficial de quanto a venda das concessões públicas movimentou. De 1997 a 2010, o Ministério das Comunicações pôs à venda 1.872 concessões de rádio e 109 de TV. Licitações analisadas pela reportagem foram arrematadas por valores de até R$ 24 milhões. Também não existem dados oficiais atualizados sobre as licitações disponíveis para consulta. As informações do ministério deixaram de ser atualizadas em 2006.

Para chegar aos donos das empresas, a Folha cruzou informações fornecidas pelo governo com dados de juntas comerciais, cartórios, da Anatel e do Senado, que tem a atribuição de chancelar as concessões.

Em Nome de Deus

Pessoas que admitiram ter emprestado seus nomes dizem que o fizeram por motivação religiosa ou para atender a amigos ou parentes. Donos, respectivamente, das Rádio 630 Ltda. e Rádio 541 Ltda., João Carlos Marcolino, de São Paulo, e Domázio Pires de Andrade, de Osasco, disseram ter autorizado a Igreja Deus é Amor a registrar empresas em seus nomes para ajudar a disseminar o Evangelho.

Políticos também podem estar por trás de empresas. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, é apontado pelo sócio no papel da Paraviana Comunicações como o real dono da empresa, que comprou duas rádios FM e uma TV em licitação pública. Em e-mail enviado à Folha, João Francisco Moura disse que emprestou o nome a pedido do amigo Geraldo Magela Rocha, ex-assessor e hoje desafeto de Jucá. Magela confirmou a versão. O senador foi procurado quatro vezes pela reportagem para responder à acusação, mas não se pronunciou.

O radialista e ex-deputado estadual Paulo Serrano Borges, de Itumbiara (GO), registrou a Mar e Céu Comunicações em nome da irmã e do cunhado. A empresa comprou três rádios e duas TVs por R$ 12,7 milhões e, em seguida, as revendeu. Borges disse apenas que usou o nome da irmã por já ter outras empresas em seu nome, sem dar mais explicações. E que revendeu as concessões por não ter dinheiro para montar as emissoras.

Chama a atenção o fato de que algumas concessões são adquiridas com ágio de até 1.000%. Empresários do setor ouvidos pela Folha dizem que as rádios não são economicamente viáveis pelos valores arrematados. O setor não tem uma explicação comum para esse fenômeno. A rádio de Bilac (SP), por exemplo, foi vendida por R$ 1,89 milhão, com 1.119% de ágio sobre o preço mínimo do edital. A empresa está registrada em nome de uma cabeleireira moradora de Itapecerica da Serra (SP).

Outro Lado: Ministério diz não ter como saber se donos são laranjas
Secretário da pasta diz que investigação cabe à PF e que não há lei que impeça desempregado de abrir uma empresa

DO RIO

O secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, Genildo Lins de Albuquerque Neto, diz não ter meios de identificar se os nomes que aparecem nos contratos sociais das empresas são laranjas ou proprietários de fato, e que essa é tarefa para a Polícia Federal e para o Ministério Público Federal. "Seria preciso quebrar o sigilo fiscal da empresa e dos sócios e fazer escuta telefônica para saber se há um sócio oculto por trás dos proprietários declarados", afirmou. Alega ainda que não pode contestar a veracidade de documentos emitidos por instituições de fé pública, como os cartórios e as juntas comerciais que registram os contratos das empresas. "Não há lei que impeça um soldado, um desempregado ou um funcionário público subalterno de abrir empresa. Não tenho como obrigá-los a comprovar, antes da licitação, se têm ou não o dinheiro para pagar a concessão."

A prioridade, segundo o secretário, é colocar em dia os processos de concessão atrasados -após a licitação há um longo caminho até a aprovação definitiva. Ele prometeu zerar o estoque de rádio e TV acumulados no prazo de um ano e meio. Até lá, está suspensa a abertura de novas licitações. "Entre a licitação pública de venda da concessão e a emissão de licenciamento da emissora há uma via crucis administrativa. Os procedimentos são lentos e burocratizados. Cada processo passava três vezes pelo gabinete do ministro até a aprovação da outorga. A partir de agora, só irá ao ministro uma vez." Ele avalia que os editais de licitação foram malfeitos e deixaram brechas para as empresas adiarem o pagamento das outorgas e a assinatura dos contratos.

Atrasos

Os processos de concessão se arrastam por mais de dez anos. Cerca de 890 licitações feitas entre 1997 e 2001, no governo Fernando Henrique, ainda não foram concluídas. Licitações feitas até 2002 juntavam concessões em diversos locais num só edital. Como as empresas disputavam em regiões diferentes, quando um candidato era inabilitado em uma delas, os demais processos paravam.

Mesmo com os processos se acumulando, novas licitações foram abertas, agravando o problema. Em 2000 e 2001, sem ter concluído licitações anteriores, o ministério pôs à venda 1.361 concessões. Até hoje, 40% desses processos viraram contratos. Não foi criado um filtro que impedisse o candidato de vencer mais concessões do que o limite legal. A legislação diz que nenhuma empresa ou acionista pode ter mais de seis rádios FM, quatro AM e dez geradoras de TV comercial em todo o país.

Há casos de empresas e pessoas físicas declaradas vencedoras de mais concessões do que o permitido.

Também há problemas com prazos. O ministério teria dez dias, a contar da aprovação no Congresso, para convocar o vencedor, e 60 dias para assinar contrato de concessão. Há 336 processos aprovados pelo Congresso sem assinatura do contrato de concessão. (ELVIRA LOBATO)

"Só dei o meu nome para a igreja arrumar emissoras", diz evangélico
Sócio de rádio, Domázio diz não ter dinheiro para pagar concessão

DA ENVIADA A OSASCO (SP)

O evangélico Domázio Pires de Andrade, 74, vive da pensão de um salário mínimo numa casa humilde em terreno público invadido. No papel, é sócio da empresa Rádio 541 Ltda., com Antonio Ribeiro de Souza, ex-vice-presidente da Igreja Deus é Amor. A empresa comprou quatro rádios em Minas, por R$ 200 mil. Após trabalhar por 24 anos na igreja, Domázio foi demitido e aderiu à Clamor dos Fiéis. A direção da Deus é Amor não quis falar sobre o registro de empresas em nome de fiéis. (EL)

Folha - O senhor é dono da empresa Rádio 541 Ltda.?
Domázio Pires de Andrade - Só dei meu nome para a igreja arrumar emissoras.
Quem lhe pediu o nome?
A direção da igreja.
O senhor tem recursos para pagar as concessões?
De jeito nenhum.
De onde virá o dinheiro?
Disseram para eu não me preocupar. A igreja arca com toda a responsabilidade.
O senhor sabe qual é a situação atual de sua empresa?
Não tenho ideia. Todos os documentos ficaram no departamento jurídico.
O senhor vai reclamar a propriedade das rádios?
De maneira alguma. Dei minha palavra.
Por que saiu da Deus é Amor?
Me mandaram embora há cinco anos, porque eu estava de idade [velho]. No início, eu vivi da ajuda dos meus amigos. Depois, fui para a Justiça do Trabalho. Na semana passada, eles me ofereceram R$ 3.000, e aceitei.

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