Durante o quadro Jogo das Três Pistas exibido no Programa Silvio Santos do último domingo (12/06), a garota Maisa Silva, apresentadora dos infantis Bom Dia & Cia e Sábado Animado, com a sua naturalidade característica, acabou por fazer uma curiosa crítica ao seu próprio programa. Perguntada por Silvio, em tom de brincadeira, sobre a recente inclusão de um painel de leitura de manchetes de jornais na atração, assim se sucedeu o diálogo dos dois:
[no vídeo, a partir de 12:05]
- Eu falo o que quiser, o programa é meu...quando é você que tá lá fazendo aquelas danças e falando com as crianças...ah, sabe que agora tem jornal no seu programa, né?
- Pior que é verdade, só que não é jornal, é tipo assim, um painel. Um painel, e eu leio a manchete.
- Tem que aprender a ler, né?
- Eu já sei ler.
- Você sabe ler?
- Sim, desde os três anos, eu sei ler desde os três anos...
- É? Quer dizer que as manchetes não atrapalharam você.
- Não. Eu adorei.
- Ha. Por que você adorou um programa infantil que tem manchetes?
- Eu achei um pouco esquisito, né, mas sei lá, é legal você ler...só que eu acho assim. O programa devia ter coisas mais infantis, sabe, não só manchete. Manchete é coisa de adulto, concorda? Podia ter, sei lá, brincadeiras, essas coisas, em vez de manchete...
- Então manchete é programa de adulto e criança não tem necessidade de saber o que tá acontecendo no Brasil, né?
- É, você podia colocar alguma coisa assim, sabe...
- Criança não precisa saber de nada, né?
- É.
- Não, né?
- Precisa, é claro, né, mas manchete de jornal às vezes sai coisas que é de adulto, não é pra criança. Podia ter algumas coisas pra ler, sei lá, de criança ali.
- Criança não precisa saber do... o que morreu, né?
- Quem?
- Aquele que morreu, Maísa.
- Ah, eu sei quem morreu.
- Quem morreu?
- O Osama Bin Laden.
- E como você sabe, se é coisa de adulto?
- Porque eu li no jornal, né...
- Hahae.
- Toda Televisão tava fazendo...a gente ligava, a televisão informa: Osama Bin Laden morreu. Aí ligava a tevê...
- E em que posição ele joga?
- Ele não jogava em posição. Ele era terrorista.
- Hã?
- Ele era terrorista.
- Ele é do Corinthians?
- Não, ele era o terrorista mais procurado do mundo. Pagavam, sei lá, acho que 50 mil dólares, um milhão pra quem achasse ele.
- Então quer dizer que ele não era jogador de futebol?
[Aceno negativo.]
- E porque você sabe?
- Porque eu vi no jornal né gente, eu não vi...É, no jornal de ler, porque eu não gosto, eu gosto de ler jornal de São José, ó...
[Silvio retoma o jogo e encerra a conversa]
Bom Dia & Cia: Quando o Politicamente Correto Corrói a Grade Infantil
por Fábio Mendes
Apesar do tom descontraído da conversa entre Maisa e Silvio, torna-se interessante perceber que, através da opinião espontânea da pequena, se percebe mesmo que existe uma certa insatisfação velada a alguns elementos recentemente implantados nos programas infantis do SBT, que não se restringem apenas a essa inclusão pouco orgânica do painel de notícias.
Desde 2007, o Bom Dia & Cia, bem como a até então maratona semanal de desenhos Sábado Animado, passaram a ser transmitidos ao vivo e a resumir as entradas dos apresentadores dentro de um formato de jogos por telefone (e, mais recentemente, também por webcam): após participar de um jogo (em geral simples e com intenção educativa) o ganhador ganha o direito de escolher um prêmio aleatório, escolhido através de sorteio, por uma roleta.
Em geral, os prêmios vão desde bonecas e carrinhos de controle remoto a computadores, celulares e o famoso videogame Playstation 3. Recentemente, também foi incluído um prêmio em dinheiro no valor de R$ 1000,00, que se tornou rapidamente a opção mais escolhida pelas crianças.
Já era de se esperar nos dias de hoje, a partir dessa premissa, que logo surgissem protestos e reclamações de grupos acerca desse formato. O que de fato aconteceu. Em 2009, a ONG ALANA, que regula os níveis de publicidade direcionada a crianças, enviou uma representação ao ministério público contra a atração, que promoveria o consumismo entre as crianças através de uma tática de merchandising agressivo: divulgados de forma coloquial, na linguagem própria de uma criança, brinquedos Barbie, Max Steel, Hot Wheels, o Playstation 3 e outros eram constantemente citados e valorizados nas condições de prêmios das brincadeiras. O que seria, segundo os reclamantes, prejudicial ao desenvolvimento da noção de mundo das crianças.
O processo foi arquivado no ano seguinte, mas as reclamações prosseguiram. E, nas últimas semanas, antes que tais situações se agravassem, o SBT começou a fazer leves modificações nos programas infantis para diminuir esses protestos. A roleta de prêmios foi abolida na nova atração Carrossel Animado com Patati Patatá, que também faz brincadeiras ao vivo por telefone. Os prêmios, mais modestos, agora são pré-escolhidos da própria linha de brinquedos dos dois palhaços apresentadores.
E o Bom Dia & Cia, embora ainda mantenha os nomes dos prêmios da Mattel, Hasbro e Sony impressos nas roletas, passou a seguir uma estranha regra - os nomes dos brinquedos não podem mais ser citados verbalmente, a menos que estejam dentro de Informes Publicitários devidamente identificados. Ou seja, a partir de agora, um Banco Imobiliário ou um Pictureka passa a ser chamado por Maisa, Priscila e Yudi apenas de "jogo"; Playstation de "videogame", Barbie de "boneca" e assim por diante. E o "funk do Yudi", cantado todos os dias pelo apresentador e que citava o nome do videogame, obviamente, foi proibido.
O grau de estranheza torna-se maior ao se entender que as crianças que participam da atração, que já convivem com essas marcas naturalmente em seu cotidiano e são impelidas a querer consumí-las através de outros meios, são desencorajadas a falar os nomes justo no programa onde esses produtos são dispostos como prêmio. Uma ironia que só demonstra como essa auto-proibição não fará diferença alguma dentro dessa questão de regulação de publicidade para crianças. O incentivo à compra continua nos intervalos e fora da televisão. E o grau de popularidade dos brinquedos do Bom Dia & Cia, hoje quase sempre preteridos pelo prêmio em dinheiro que dará aos pequenos a liberdade de comprar o que quiserem na Ri Happy, só ratifica esse reflexo.
O que leva à outra modificação recente do Bom Dia & Cia, o painel de manchetes que abriu esse texto.
Percebe-se, a ínicio, o motivo mais óbvio da criação deste painel: cada vez com menor espaço na grade da TV aberta, os programas infantis vêm perdendo espaço e audiência para as revistas eletrônicas jornalísticas, direcionadas ao público feminino - como os matinais Mais Você (que passou por adaptações de formato) e Hoje em Dia. Como forma de tentar segurar esse público não-infantil que deixa a televisão ligada durante a manhã, provavelmente se entendeu que a leitura de manchetes de jornal poderia segurar no Bom Dia & Cia um pouco deste público mais velho, o que, claro, se mostra uma estratégia totalmente infundada e mal-formulada.
Por incrível que pareça, Maisa tem certa razão ao dizer que certas manchetes não são "para crianças". O público com menos de 10 anos de idade não está preparado, ou tampouco entende alguns assuntos que costumam figurar nas manchetes usuais de jornal. E nem tem a obrigação de entender. Alguns textos inclusive pedem graus de interpretação irreais para crianças. A própria Maisa, embora tão precoce, deve entender pouco - ou nada - de certos textos que lê no painel. O que torna a mera informação vazia.
Quem quiser saber de notícias não vai procurar encontrá-las numa atração que exibe desenhos animados e brincadeiras infantis por telefone. E vai continuar a procurar uma abordagem mais concreta na concorrência, o que demonstra a completa inutilidade e deslocamento do quadro da proposta da atração. E que a enfraquece mais do que contribui.
Quando se atira para todos os lados, realmente se mostra uma insegurança sobre os rumos da atração. E, como bem disse a menina-prodígio, porque não podemos mais ter na televisão um programa pensado e trabalhado para o lado criativo das crianças?
O SBT, apesar de suas falhas, é o único canal aberto com atrações do gênero atualmente que não se limita a apenas exclusivamente apresentar desenhos e séries estrangeiras. Ainda se distancia e muito da qualidade que permeava os infantis-modelo brasileiros, e essas mudanças recentes só o fazem se distanciar mais. Mas, pelo (muito) pouco que faz, mesmo que de forma equivocada, pelo menos busca alguma reação de melhora. E isso mostra que, talvez, a programação infantil brasileira não tenha morrido totalmente. Ainda.
[no vídeo, a partir de 12:05]
- Eu falo o que quiser, o programa é meu...quando é você que tá lá fazendo aquelas danças e falando com as crianças...ah, sabe que agora tem jornal no seu programa, né?
- Pior que é verdade, só que não é jornal, é tipo assim, um painel. Um painel, e eu leio a manchete.
- Tem que aprender a ler, né?
- Eu já sei ler.
- Você sabe ler?
- Sim, desde os três anos, eu sei ler desde os três anos...
- É? Quer dizer que as manchetes não atrapalharam você.
- Não. Eu adorei.
- Ha. Por que você adorou um programa infantil que tem manchetes?
- Eu achei um pouco esquisito, né, mas sei lá, é legal você ler...só que eu acho assim. O programa devia ter coisas mais infantis, sabe, não só manchete. Manchete é coisa de adulto, concorda? Podia ter, sei lá, brincadeiras, essas coisas, em vez de manchete...
- Então manchete é programa de adulto e criança não tem necessidade de saber o que tá acontecendo no Brasil, né?
- É, você podia colocar alguma coisa assim, sabe...
- Criança não precisa saber de nada, né?
- É.
- Não, né?
- Precisa, é claro, né, mas manchete de jornal às vezes sai coisas que é de adulto, não é pra criança. Podia ter algumas coisas pra ler, sei lá, de criança ali.
- Criança não precisa saber do... o que morreu, né?
- Quem?
- Aquele que morreu, Maísa.
- Ah, eu sei quem morreu.
- Quem morreu?
- O Osama Bin Laden.
- E como você sabe, se é coisa de adulto?
- Porque eu li no jornal, né...
- Hahae.
- Toda Televisão tava fazendo...a gente ligava, a televisão informa: Osama Bin Laden morreu. Aí ligava a tevê...
- E em que posição ele joga?
- Ele não jogava em posição. Ele era terrorista.
- Hã?
- Ele era terrorista.
- Ele é do Corinthians?
- Não, ele era o terrorista mais procurado do mundo. Pagavam, sei lá, acho que 50 mil dólares, um milhão pra quem achasse ele.
- Então quer dizer que ele não era jogador de futebol?
[Aceno negativo.]
- E porque você sabe?
- Porque eu vi no jornal né gente, eu não vi...É, no jornal de ler, porque eu não gosto, eu gosto de ler jornal de São José, ó...
[Silvio retoma o jogo e encerra a conversa]
Bom Dia & Cia: Quando o Politicamente Correto Corrói a Grade Infantil
O Painel de Manchetes
por Fábio Mendes
Apesar do tom descontraído da conversa entre Maisa e Silvio, torna-se interessante perceber que, através da opinião espontânea da pequena, se percebe mesmo que existe uma certa insatisfação velada a alguns elementos recentemente implantados nos programas infantis do SBT, que não se restringem apenas a essa inclusão pouco orgânica do painel de notícias.
Desde 2007, o Bom Dia & Cia, bem como a até então maratona semanal de desenhos Sábado Animado, passaram a ser transmitidos ao vivo e a resumir as entradas dos apresentadores dentro de um formato de jogos por telefone (e, mais recentemente, também por webcam): após participar de um jogo (em geral simples e com intenção educativa) o ganhador ganha o direito de escolher um prêmio aleatório, escolhido através de sorteio, por uma roleta.
Em geral, os prêmios vão desde bonecas e carrinhos de controle remoto a computadores, celulares e o famoso videogame Playstation 3. Recentemente, também foi incluído um prêmio em dinheiro no valor de R$ 1000,00, que se tornou rapidamente a opção mais escolhida pelas crianças.
"Playstation! Playstation!"
Já era de se esperar nos dias de hoje, a partir dessa premissa, que logo surgissem protestos e reclamações de grupos acerca desse formato. O que de fato aconteceu. Em 2009, a ONG ALANA, que regula os níveis de publicidade direcionada a crianças, enviou uma representação ao ministério público contra a atração, que promoveria o consumismo entre as crianças através de uma tática de merchandising agressivo: divulgados de forma coloquial, na linguagem própria de uma criança, brinquedos Barbie, Max Steel, Hot Wheels, o Playstation 3 e outros eram constantemente citados e valorizados nas condições de prêmios das brincadeiras. O que seria, segundo os reclamantes, prejudicial ao desenvolvimento da noção de mundo das crianças.
O processo foi arquivado no ano seguinte, mas as reclamações prosseguiram. E, nas últimas semanas, antes que tais situações se agravassem, o SBT começou a fazer leves modificações nos programas infantis para diminuir esses protestos. A roleta de prêmios foi abolida na nova atração Carrossel Animado com Patati Patatá, que também faz brincadeiras ao vivo por telefone. Os prêmios, mais modestos, agora são pré-escolhidos da própria linha de brinquedos dos dois palhaços apresentadores.
E o Bom Dia & Cia, embora ainda mantenha os nomes dos prêmios da Mattel, Hasbro e Sony impressos nas roletas, passou a seguir uma estranha regra - os nomes dos brinquedos não podem mais ser citados verbalmente, a menos que estejam dentro de Informes Publicitários devidamente identificados. Ou seja, a partir de agora, um Banco Imobiliário ou um Pictureka passa a ser chamado por Maisa, Priscila e Yudi apenas de "jogo"; Playstation de "videogame", Barbie de "boneca" e assim por diante. E o "funk do Yudi", cantado todos os dias pelo apresentador e que citava o nome do videogame, obviamente, foi proibido.
O grau de estranheza torna-se maior ao se entender que as crianças que participam da atração, que já convivem com essas marcas naturalmente em seu cotidiano e são impelidas a querer consumí-las através de outros meios, são desencorajadas a falar os nomes justo no programa onde esses produtos são dispostos como prêmio. Uma ironia que só demonstra como essa auto-proibição não fará diferença alguma dentro dessa questão de regulação de publicidade para crianças. O incentivo à compra continua nos intervalos e fora da televisão. E o grau de popularidade dos brinquedos do Bom Dia & Cia, hoje quase sempre preteridos pelo prêmio em dinheiro que dará aos pequenos a liberdade de comprar o que quiserem na Ri Happy, só ratifica esse reflexo.
O que leva à outra modificação recente do Bom Dia & Cia, o painel de manchetes que abriu esse texto.
Percebe-se, a ínicio, o motivo mais óbvio da criação deste painel: cada vez com menor espaço na grade da TV aberta, os programas infantis vêm perdendo espaço e audiência para as revistas eletrônicas jornalísticas, direcionadas ao público feminino - como os matinais Mais Você (que passou por adaptações de formato) e Hoje em Dia. Como forma de tentar segurar esse público não-infantil que deixa a televisão ligada durante a manhã, provavelmente se entendeu que a leitura de manchetes de jornal poderia segurar no Bom Dia & Cia um pouco deste público mais velho, o que, claro, se mostra uma estratégia totalmente infundada e mal-formulada.
Por incrível que pareça, Maisa tem certa razão ao dizer que certas manchetes não são "para crianças". O público com menos de 10 anos de idade não está preparado, ou tampouco entende alguns assuntos que costumam figurar nas manchetes usuais de jornal. E nem tem a obrigação de entender. Alguns textos inclusive pedem graus de interpretação irreais para crianças. A própria Maisa, embora tão precoce, deve entender pouco - ou nada - de certos textos que lê no painel. O que torna a mera informação vazia.
Quem quiser saber de notícias não vai procurar encontrá-las numa atração que exibe desenhos animados e brincadeiras infantis por telefone. E vai continuar a procurar uma abordagem mais concreta na concorrência, o que demonstra a completa inutilidade e deslocamento do quadro da proposta da atração. E que a enfraquece mais do que contribui.
Quando se atira para todos os lados, realmente se mostra uma insegurança sobre os rumos da atração. E, como bem disse a menina-prodígio, porque não podemos mais ter na televisão um programa pensado e trabalhado para o lado criativo das crianças?
O SBT, apesar de suas falhas, é o único canal aberto com atrações do gênero atualmente que não se limita a apenas exclusivamente apresentar desenhos e séries estrangeiras. Ainda se distancia e muito da qualidade que permeava os infantis-modelo brasileiros, e essas mudanças recentes só o fazem se distanciar mais. Mas, pelo (muito) pouco que faz, mesmo que de forma equivocada, pelo menos busca alguma reação de melhora. E isso mostra que, talvez, a programação infantil brasileira não tenha morrido totalmente. Ainda.
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