Narrativa Transmídia ou Transmedia Storytelling

Primeira imagem de divulgação do filme The Dark Knight Rises,
revelada após uma estratégia de marketing transmídia

por Nino Ottoni e Thiago Carvalho
da turma 1. 2011

Alunos da Matéria Televisão e Vídeo. Texto referente ao Conteúdo do Seminário sobre Narrativas Transmídia, realizado em 21/06/2011

O Conceito
A primeira coisa necessária quando se for falar de transmídia é diferenciá-lo de multi-plataforma e crossmedia. O problema é que esses conceitos em geral costumam se confundir. Todos eles envolvem ações em diferentes mídias e o crossmedia chega a ser considerado espécie de “antepassado” do transmídia. Por isso, Jeff Gomez, fundador da Starlight Runner, grande produtora de transmídia que tem como clientes Coca-Cola, Disney, Mattel, Fox, entre outros, diz que o mais adequado é falarmos de narrativa transmídia ou transmedia storytelling (a partir de agora, onde se ler transmídia, leia-se narrativa transmídia). Esse termo é definido como uma narrativa em várias plataformas, em que cada plataforma comunica algo que se possa acrescentar à narrativa da plataforma principal, que é chamada de nave-mãe.

Ou seja, há uma narrativa dentro de uma plataforma principal – nave-mãe – e há outras narrativas se utilizando do mesmo universo em outras plataformas. Uma pessoa que porventura não possa acompanhar todas as narrativas pode entender a história acompanhando apenas a nave-mãe; mas será uma experiência muito mais rica acompanhar todas as narrativas.

A tendência transmídia
Ultimamente, é possível enxergar uma certa tendência a utilizar os produtos transmídia. Isso acontece porque as crianças, adolescentes e jovens estão cada vez menos consumindo pelos meios midiáticos tradicionais. As empresas e os anunciantes pretendem, então, atrair de volta esse público.

O transmídia para Henry Jenkins
Henry Jenkins, teórico de transmídia e autor do livro Cultura da Convergência, alerta para um risco da popularização do transmídia: “se todas as histórias virarem relatos transmídia, então algumas histórias acabarão não sendo contadas”. Ele também diz que, apesar de possibilitar que novas mensagens circulem, esse fenômeno também pode espalhar o que ele chama de “destruição em massa” (rumores infundados, sexting, etc).

Jenkins também fala da importância do consumidor do transmídia. Segundo ele, o produto transmídia cria com seu consumidor uma certa “cumplicidade”, fazendo com que a história passe a ter algo a ver com a vida da pessoa. Isso vai de discussões com os amigos sobre o conteúdo consumido até a criação de um avatar na internet, que faça com que a pessoa passe a fazer parte efetivamente da história.

Um grande exemplo dessa relação entre o consumidor e o produto foi o protesto dos palestinos que se fantasiaram de Na'vi e andaram pelas terras ocupadas reproduzindo frases do filme Avatar, como "essa é a nossa terra, o povo do céu não pode tirá-la de nós”.


A teoria de Robert Pratten
Robert Pratten é um teórico de transmídia que lista alguns requisitos-chave para documentar uma narrativa transmídia: qual parte da história é contada por qual mídia, indicar o timing de cada elemento, indicar a forma como a audiência percorre as mídias, indicar o que a audiência realmente vê e faz, considerar a possibilidade de transversalidade não-linear, assegurar continuidade entre os desenvolvedores.

Pratten também separa a cronologia da narrativa da cronologia da experiência, ou seja, ele diferencia o tempo diegético do tempo que leva a exibição e o consumo dos produtos. Ele afirma que cada etapa da experiência é representada por uma série de mídias e acionada por um gatilho. Ele cita exemplos de gatilhos:

Tempo – mídia lançada em determinado período temporal, seja em algum dia específico ou algum horário específico.

Localização – mídia lançada somente em determinada área geográfica.

Dispositivo/plataforma – mídia lançada somente em determinada plataforma, como um conteúdo exclusivo para celular.

Conhecimento – mídia liberada para quem já consumiu outros conteúdos do produto.

Números da audiência – mídia liberada quando se atinge determinada quantidade de público.

Idade – mídia liberada somente para determinada faixa etária.

Cada mídia desbloqueada deve ser descrita nos seguintes termos:

- Tipo de mídia

- Implementação de dispositivos e dependências

- O conhecimento da história revelado
 


A metáfora do Origami Unicorn
Na versão do diretor do filme Blade Runner, foi adicionado um plano de um unicório de origami que mudaria todo o sentido do filme. Este exemplo é usado por Neil Young, da Eletronic Arts, quando estava desenvolvendo o jogo O Senhor dos Anéis, para encorajar sua equipe a encontrar o origami unicorn: um detalhe que extende o significado e, consequentemente, transforma como vemos o original.

Os Sete Princípios do Transmídia
O teórico Henry Jenkins fez uma lista que ele chamou de Os Sete Princípios do Transmídia.

1) Potencial de compartilhamento X Profundidade.
Este primeiro item faz referência à habilidade e ao grau que o conteúdo tem de ser compartilhado, além da motivação do espectador de compartilhá-lo. Tudo isso é comparado à habilidade do espectador de explorar profundamente o conteúdo de uma ficção pela qual ele se interesse.

2) Continuidade X Multiplicidade.
Algumas franquias transmídias mantém uma coerência contínua para que possa haver plausibilidade máxima em todas as extensões do conteúdo. O que também pode acontecer é se utilizar de versões alternativas dos personagens ou universos paralelos de suas histórias para expandir o próprio conteúdo.

3) Imersão X Extração.
Ao falar de imersão, estamos falando do espectador entrar no universo do produto, como, por exemplo, um parque temático da história em questão. Já o termo extração se refere à possibilidade dos fãs levarem consigo algo da história, que eles poderão utilizar no seu dia-a-dia, como seriam os produtos de uma loja num hipotético parque temático.

4) Construção de Universos.
Para se fazer um consistente produto transmídia, é necessário ter em mente a preocupação de se criar um universo que possibilite a extensão do conteúdo. Assim, é possível criar elementos não diretamente relacionados à narrativa principal, que dão uma descrição mais rica do universo em que essa narrativa se desencadeia. As franquias transmídias podem tanto desenvolver o universo digital quanto criar experiências reais para os fãs, que acabam consumindo elementos díspares.

5) Serialidade.
A narrativa transmídia se utiliza da idéia de quebrar o arco principal da história em vários arcos menores dentro de uma mesma mídia, mas utiliza esse conceito espalhando esses pedaços menores da história em diversas mídias. Isso cria uma expectativa acerca dos novos episódios, sejam eles
na mesma mídia ou em mídias diferentes.

6) Subjetividade.
Extensões transmídia muitas vezes exploram o conflito central através de outros olhares, como, por exemplo, o de personagens secundários ou pessoas de fora. Essa diversidade leva os fãs a considerarem mais cuidadosamente quem está contando a história. Um grande exemplo disso é o seriado Heroes, em que cada personagem conta sua história.

7) Performance.
Este item faz referência à habilidade que as extensões transmídia têm de levar os fãs a produzirem conteúdo que pode ser utilizado em parte no próprio produto transmídia. As performances podem acontecer a convite do criador do conteúdo ou podem ser iniciativas dos fãs. Para exemplificar, podemos citar o caso do site em que fãs da franquia Star Wars colocavam sequências dos filmes rodados por eles e depois montavam o filme completo. O resultado é que, como os fãs filmam de formas e com técnicas diferentes, o filme montado tem suas sequências completamente diferentes entre si.

Os Sete Mitos da Narrativa Transmídia
Jenkins também descreve os sete mitos sobre o transmídia:

1) Narrativa transmídia se refere a uma estratégia envolvendo mais de uma plataforma.
Utilizar várias plataformas é feito há muito tempo. É comum as empresas lançarem produtos que façam referência a algum filme, ou então a produção de adaptações. A narrativa transmídia é mais que isso, porque ela pressupõe que os elementos da narrativa estão dispersos em múltiplas plataformas, colaborando, cada um com sua parte, com a história principal.

2) Transmídia é basicamente uma nova estratégia promocional.
Apesar de muitos dos experimentos transmídia terem razões de marketing para acontecer, uma grande narrativa transmídia nasce do impulso criativo de quem a criou. É um recurso que faz com que bons criadores possam expandir suas histórias.

3) Transmídia significa jogos.
Jogos podem ser uma boa maneira de fazer com que os fãs se envolvam no universo do produto em questão, mas obviamente não são a única maneira. Pode-se ter séries paralelas, conteúdo para celular, eventos, etc...

4) Transmídia é para geeks.
O transmídia ganhou a fama de ser para geeks pois demanda um tempo de dedicação ao produto, muitas vezes na internet. Porém, não é algo exclusivo para geeks. Muitos apostam, inclusive, que o transmídia é o futuro das novelas.

5) Transmídia requer um grande orçamento.
Hoje as pessoas esperam ver produtos transmídia no esquema blockbuster e, por isso, criam essa idéia de que é necessário ter um grande orçamento. Isso, porém, é mito. Há diversos exemplos de transmídia feitos com baixíssimo orçamento. No Brasil, inclusive, as produções efetivamente
transmídia que tivemos até agora em via de regra não contaram com um orçamento muito grande. O que é necessário é saber qual o tipo de ações transmídia que o projeto requer, de acordo com seu público alvo, gênero e, é claro, orçamento.

6) Tudo deve ser transmídia.
Muitas histórias são contadas de forma efetiva em apenas uma mídia, sem danos à compreensão da história ou à satisfação da audiência. O recurso da narrativa transmídia deve ser usado quando necessário: quando uma história tem um universo que possa ser expandido, quando se tem
personagens que possibilitam uma expansão da história. Além disso, como já foi falado, Jenkins alerta: se todas as histórias virarem relatos transmídia, então algumas histórias acabarão não sendo contadas.

7) Transmídia é “tão 10 minutos atrás”.
A primeira geração de séries de sucesso que utiliza o transmídia, como Heroes, Lost, etc, já acabou e suas séries sucessoras não deram muito certo. Mas, apesar disso, séries como Glee, True Blood e The Walking Dead apresentam novas estratégias transmídia que estão sendo muito bem sucedidas. Jenkins ainda frisa que o transmídia pressupõe uma história e se essa história não agrada ao público, não é com ações transmídia que será possível salvá-la.

Transmídia no Brasil
Para Henry Jenkins, o Brasil é uma potência mundial no transmídia, podendo se tornar um polo mundial de transmissão de conteúdo transmídia. Segundo ele, isso ocorre porque o Brasil, apesar de suas dimensões continentais, conseguiu manter uma forte cultura própria, resistindo a cultura massificante do primeiro mundo, em especial a norte-americana. Mesmo nos EUA, a cultura popular foi totalmente englobada pela cultura de massa, mas aqui no Brasil o que acontece é a tão falada antropofagia cultural: pegamos o que vem de fora e misturamos com o que é nosso. Assim surgiu o samba, a bossa nova, o tropicalismo, o funk carioca, etc. Jenkins destaca que o Brasil está mais adaptado a essa cultura de remix.

O teórico criou o C3 (Culture Convergence Consortium), organização com parceiros internacionais que incluem os brasileiros Petrobras, iG e Os Alquimistas. O objetivo é discutir de que forma o panorama dos negócios está mudando com a integração dos conteúdos e marcas nas várias plataformas midiáticas.

Os exemplos práticos no Brasil ainda são poucos. A Globo começou a pensar em produzir conteúdos transmídia para manter sua influência nos meios de comunicação e entrar com força na TV Digital. Algumas tentativas transmídia, como a série Castigo Final, aconteceram, mas nenhuma com grande repercussão, ainda. O que acontece muito é colocar o “selo” de conteúdo transmídia em qualquer novo produto para tentar alcançar uma maior projeção. Isso acontece com muitos programas interativos ou multi-plataformas. Em uma rápida pesquisa na internet é possível identificar vários programas se auto-intitulando “o primeiro programa transmídia brasileiro”, alguns dos quais nem podem ser considerados transmídia.

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