Onde está a Teoria de Televisão?

por Felipe Muanis
[publicado originalmente no site TV PUC-Rio]

Há uma lacuna nas salas de aula das universidades, tanto na graduação quanto na pós. Ainda que não se possa generalizar, pouco se estuda teoria de televisão nos cursos de Comunicação no país. A televisão aparece muitas vezes de maneira muito instrumental,  muito técnica, ética ou histórica, mas pouco se discute sua própria teoria. Boa parte das discussões acabam acontecendo também no velho embate entre apocalíptico ou integrado, será a televisão boa ou veículo de todos os malefícios do mundo?

Os enfoques frequentes de estudos de televisão, em muitas universidades, passam por eventuais formatos e produtos, como o telejornalismo, o filme publicitário, a teledramaturgia. Essas disciplinas trabalham com aspectos técnicos do ofício, com exercícios práticos, discussões éticas e algum desenvolvimento histórico deste processo.

Nos trabalhos de conclusão de curso, a televisão aparece da mesma forma, tendo programas analisados e relacionados com outros produtos. Discute-se muitas vezes política e legislação, além de algum momento histórico da televisão. Para tanto, a fundamentação teórica se baseia em teoria do cinema, na sociologia, em teoria literária e tantas outras. Ainda que sempre pertinentes, serão elas suficientes? Ainda que importantes para cruzar informações em um momento de hibridização de técnicas, meios e linguagens, especialmente em se tratando da televisão - pós-moderna por natureza - tais teorias não parecem satisfatórias para dar conta da televisão. Dessa forma, parece haver sempre um vazio, em que a televisão não dialoga com seu próprio pensamento.

Cabe assim, por parte da academia, uma discussão mais ampla sobre as teorias de televisão e mesmo sobre a teoria da imagem televisiva. A universidade não pode nem deve repetir o discurso quase indigente dos colunistas especializados em televisão, que se limitam às análises de programas e audiência. Se o jornal não é o espaço adequado para discussões mais profundas, este é o papel da universidade. Esta também não pode se render ao subterfúgio fácil de apontar a transmissão ao vivo como o único grande diferencial da televisão e que, por isso, é a única particularidade digna de estudo e investigação. Agora a bola da vez está com a convergência de mídias ou os conteúdos transmídia que são sem dúvida importantes, mas tampouco suficientes para apontar os novos caminhos e desafios da televisão no futuro.

Em um país com enorme consumo audiovisual como o nosso, em que a televisão detém uma fatia sempre mais contundente, é importante discutir a televisão de uma maneira mais aprofundada, como já fazem alguns autores brasileiros. Retomar autores internacionais da teoria televisiva, com forte produção nas décadas de 1980 e 1990 é também essencial. Sem uma complementação teórica aos estudos práticos e de conteúdo, às análises de programas e discussões legais e éticas, corre-se o risco de que o pesquisador de televisão coloque ele próprio seu objeto, sempre em uma condição subalterna, como algo que não tem condições de se pensar e de desenvolver sua própria teoria.

Nada mais equivocado que desconsiderar a existência da teoria da televisão, ou que seria inútil ou desnecessária, por ser tributária e acompanhar a teoria do cinema. Ambas são muito diferentes e a televisão exige, sim, uma visão mais aberta e uma busca pelos seus próprios conceitos e pressupostos teóricos. Só assim teremos a possibilidade de construir uma televisão, adicionando teoria à prática, à linguagem e à ética – da mesma forma como o cinema e as outras formas de expressão construíram as suas próprias.

Felipe Muanis é Doutor em Comunicação Social pela UFMG, com passagem pela Bauhaus Universität-Weimar, na Alemanha, e Professor Adjunto de Televisão e Mídias Digitais no Departamento de Cinema e Vídeo da UFF. www.felipemuanis.com

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