PLC 116: a repercussão da Aprovação da Lei, na mídia impressa e televisiva #04

Folha de São Paulo. Quarta-Feira, 17 de Agosto de 2011.
Caderno Mercado, Página B1

Capa da Edição 30.086 e Destaque da Pauta na Edição
 
Congresso libera TV a cabo para as teles
Com a mudança, as operadoras de telefonia fixa vão poder controlar empresas de televisão por assinatura
Nova lei também acaba com restrição a estrangeiros; Embratel poderá assumir Net, e Telefônica, a TVA

Sofia Fernandes
Valdo Cruz
De Brasília

O Senado aprovou ontem o projeto de lei que abre o mercado de TV a cabo para as empresas de telecomunicações nacionais e estrangeiras e define cotas nacionais de programação.

O texto vai a sanção presidencial. O projeto unifica a regulamentação de TV por assinatura, seja via satélite, cabo ou micro-ondas, e derruba a legislação específica para TV a cabo hoje em vigor.

A atual lei do cabo proíbe que teles estrangeiras controlem TV a cabo. As nacionais também eram proibidas, mas a Anatel estava mudando essa determinação.

Agora, as teles ficarão legalmente liberadas para controlar empresas do setor. Com isso, o governo espera ampliar a competição de TV por assinatura, baratear o serviço e usar o negócio como um vetor de crescimento de conexões à banda larga.

As empresas de telefonia fixa poderão vender os chamados "combos" de TV paga, telefone e banda larga. O projeto, porém, mantém as teles fora do processo de produção de conteúdo.

O projeto de lei define ainda cotas para produção nacional. Os canais deverão veicular três horas e meia por semana de conteúdo produzido no Brasil das 18h às 22h.

Há ainda a determinação de que metade da cota nacional seja produzida por empresas que não sejam vinculadas a grupos de radiodifusão. Será um total semanal de uma hora e 45 minutos de programação independente.

O texto, que tramitava havia quatro anos, determina à Ancine a função de verificar o cumprimento dessa meta de veiculação de conteúdo brasileiro e independente. O papel da agência foi a principal crítica da oposição.

O senador José Agripino Maia (DEM-RN) afirmou que, apesar de votar a favor do projeto, entrará com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a atribuição de tarefas à Ancine.

O relator do projeto, senador Walter Pinheiro (PT-BA), afirmou que não há delegação de funções novas à Ancine, que já tem a tarefa de regulação do setor.

O texto foi aprovado no Senado sem modificações. O projeto acaba com o limite de participação estrangeira no setor de TV a cabo no país, que era limitado a 49%.
 
CONSOLIDAÇÃO
O mercado já aposta em mudanças no setor com a aprovação da lei. O negócio mais esperado é a troca de comando na Net, hoje controlada pelas Organizações Globo. O empresário mexicano Carlos Slim e dono da Embratel, sócio na TV a cabo, deve assumir o controle da empresa.

A Telefônica deverá assumir o controle da TVA. Para a empresa, o cliente ganhará com a maior concorrência. "O principal beneficiado será o consumidor, que terá à disposição um leque maior de opções de provedores ofertando TV por assinatura", diz a empresa. Net e Oi não se pronunciaram.
 Colaborou ALESSANDRA KIANEK, de São Paulo

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Folha de São Paulo. Quarta-Feira, 17 de Agosto de 2011.
Caderno Mercado, Página B3

ANÁLISE
Mudança ajuda mais teles que o consumidor
Nova lei para TV a cabo concentra mercado em operadoras; preços podem cair, mas só em pacotes combinados

Julio Wiziack
De São Paulo

A aprovação do PLC 116 favorece as teles e ainda deixa um ponto de interrogação para o consumidor: a TV a cabo ficará mais barata? Haverá mais competição?

Como as teles agora ficam liberadas para vender TV a cabo diretamente (sem precisar atuar por meio de empresas desse segmento), elas poderão oferecer o serviço em pacotes combinados (telefone, internet e TV) e cobrá-los em uma conta só. Aí, elas já terão ganhos de eficiência.

Por isso, elas dizem que o preço da TV a cabo pode ter queda de até 30% na comparação com o preço do serviço adquirido separadamente.

A nova lei tornará possível a oferta do serviço por mais de uma empresa em uma mesma localidade (hoje existem restrições), principalmente nas cidades de maior poder aquisitivo.

Nesses locais, a Net mantém a liderança e agora terá a Oi como concorrente imediata. Afinal, a operadora brasileira -antes impedida de operar com cabo por sua própria conta- já tem sua rede de cabos instalada em quase todo o país.

Cabos por onde ela vende telefonia e internet.

Há, portanto, chances de que o consumidor ganhe com essas mudanças.

Pelo lado das teles, há mais certezas. A oferta combinada de serviços, principalmente TV, ajuda a elevar a margem de lucro do negócio.

O problema é que o mercado de distribuição de conteúdo ficaria, assim, nas mãos de poucas empresas -as teles, basicamente. Produtores de conteúdo, como as emissoras de TV, estarão fora desse negócio. Para entrar, só como sócios.

CONCENTRAÇÃO
Esses são sinais do que se chama "verticalização". As teles, que antes só prestavam serviços de infraestrutura (transmissão de voz e dados), passam a dominar quase todos os serviços.

A exceção -ainda mantida pelo projeto- é a produção de conteúdo, um negócio que continuará restrito a empresas como Globo, Bandeirantes e Record, além de produtores independentes.

Resta saber se as redes, hoje tão congestionadas, terão investimentos proporcionais para garantir qualidade com tantos serviços.

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Para analistas, medida amplia alcance da TV por assinatura

De São Paulo

A abertura do mercado de TV a cabo para empresas de telefonia é boa para o consumidor, segundo analistas.

"Há um mercado potencial que ainda não é atendido, e as empresas de telefonia têm uma capilaridade significativa", diz Juarez Quadros, sócio da Órion Consultores e ex-ministro das Comunicações.

A banda larga também será impulsionada. "Melhoram a competição e a exploração dos serviços", diz Quadros.

O fim do limite de participação estrangeira deve incentivar os investimentos. "Como o mercado era limitado, não havia disputa. Agora, as empresas vão acelerar investimentos em redes."

Para Arthur Barrionuevo, professor da FGV-SP, "não fazia mais sentido ter restrição ao capital estrangeiro".

"A mudança permitirá que o mexicano Carlos Slim, que é sócio na Net, torne-se controlador. O mesmo ocorrerá com a espanhola Telefônica, que poderá ficar majoritária na TVA", diz Barrionuevo.
Para Quadros, o ponto negativo é a estipulação de cotas para produção nacional.

"Se eu pago uma TV por assinatura, quero escolher o que ver. É uma ingerência ao usuário." (ALESSANDRA KIANEK)
 


Folha de São Paulo. Quinta-Feira, 18 de Agosto de 2011.
Caderno Mercado, Página B3

Teles terão de investir R$ 60 bi a mais
Para oferecer TV a cabo junto com telefonia e internet, operadoras terão de apresentar plano de investimento extra
Hoje, redes de cabos não estão preparadas para suportar três serviços simultâneos (TV, internet e telefone)

Valdo Cruz
De Brasília
Elvira Lobato
Do Rio
Julio Wiziack
De São Paulo

Em troca da abertura do mercado de TV a cabo para as teles, ocorrida com a aprovação do PLC 116 anteontem, o governo vai cobrar um plano de investimento extra para que as operadoras levem internet e TV paga para o "interior do Brasil".

"O governo se empenhou na aprovação do projeto e agora vai cobrar", disse à Folha o ministro Paulo Bernardo (Comunicações). Ontem, ele já deu esse recado à Oi durante audiência com o novo presidente da empresa, Francisco Valim.

Nas próximas semanas, o ministro receberá Telefônica, CTBC e Sercomtel. A liberdade de atuar na TV a cabo custará a essas empresas investimentos de R$ 60 bilhões a mais em dez anos para chegar a 30 milhões de acessos de TV paga no país.

Hoje, existem 11 milhões de acessos. Isso é para garantir o mínimo de qualidade dos serviços que serão prestados na mesma rede de cabos. A Folha apurou com uma das concessionárias que hoje as redes de cabos não estão preparadas para suportar tantos serviços (telefonia, internet e TV). Somente as novas redes de fibras ópticas (que chegam até a casa do cliente) têm condições de oferecer um serviço desse tipo.

A expectativa do governo é que os planos das teles contemplem investimentos para levar o serviço de TV paga combinado com internet rápida a cidades do interior.

"Nas capitais, onde o mercado é competitivo, a concorrência vai aumentar e o preço vai cair, mas queremos que as teles desenvolvam também projetos no interior do país", disse Bernardo.

PRÓXIMOS PASSOS
O projeto que libera o mercado de TV a cabo para as teles segue agora para sanção presidencial. Não deverá ter vetos já que contou com o empenho do próprio governo para que sua votação ocorresse.

"Foi o acordo possível, de equilíbrio entre todas as partes, para destravar os investimentos no setor", disse o ministro Paulo Bernardo. A votação do projeto era uma promessa do governo às teles em troca da adesão ao PNBL (Plano Nacional de Banda Larga), que pretende universalizar a internet rápida no país a partir de investimentos das empresas de telefonia fixa e móvel.

Nos últimos meses, Bernardo negociou diretamente com as teles e donos de TVs.

Pelo acordo, as teles ficam fora da produção de conteúdo, enquanto as TVs ficam proibidas de deter mais do que 50% de empresas de distribuição de conteúdo de TV.

PRIMEIRO A CLASSE A
Apesar dos esforços do governo, as teles seguirão seu próprio cronograma. A Folha apurou que Oi e Telefônica partirão para cima da Net investindo em fibras ópticas.

O objetivo será atender as cidades de maior poder aquisitivo - público-alvo da Net - com pacotes quatro-em-um (internet de 100 Mbps, TV, telefone fixo e celular).

Cerca de mil cidades cobertas pela Oi terão "ofertas-padrão" (três-em-um) pelo cabo. Os 4.000 municípios restantes só terão internet e TV por satélite (DTH).

Para levar conexão por cabo, seria preciso investir muito acima do que hoje é possível para a companhia.

A Telefônica ainda está traçando seu plano, mas já definiu que fará mais investimentos para expandir sua rede de fibra óptica.

A Folha apurou que a maior parte dos R$ 27,5 bilhões de investimentos nos próximos cinco anos será para banda larga e TV.

E EU COM ISSO?
Para cliente, efeito só chega em 2012
De São Paulo


As mudanças do mercado de TV a cabo só chegarão ao consumidor no início de 2012, tempo previsto entre a sanção presidencial do projeto e sua regulamentação pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Enquanto isso, as teles já estão traçando seus planos. Num primeiro momento, os clientes "vips" é que sentirão os primeiros efeitos da aprovação da nova lei.

Para eles, com fôlego para pagar uma conta mensal de cerca de R$ 300, as empresas pretendem lançar serviços "quadriple-play" (internet, TV, telefone fixo e celular) pelas redes de fibras ópticas, que suportam velocidades até 100 Mbps.

Nesses planos, os preços deverão ser vantajosos porque Oi e Telefônica querem tomar mercado da Net.

Para os demais clientes, haverá ofertas "triple-play" (internet, telefone fixo e TV) em redes de cobre ou em uma mistura de fibra óptica e cobre. Nesse caso, os preços devem ser até 30% mais baixos na comparação com o preço dos serviços adquiridos separadamente.

Como mais de uma operadora poderá atuar em uma mesma cidade (hoje há restrição), o preço dos pacotes pode cair. (JW)


Para Globo, Mudanças Propiciam Ganho

Do Rio de São Paulo

Durante anos, as emissoras de TV resistiram ao projeto que abriria o mercado de TV a cabo para as teles. Ontem, as Organizações Globo consideraram a mudança positiva. 

Segundo Jorge Nóbrega, diretor de Gestão Corporativa das Organizações Globo, houve um ganho com a divisão da cadeia de valor da TV paga, que separou as áreas das teles e a dos radiodifusores. 

As teles, pela lei aprovada pelo Senado, não poderão controlar produtoras de conteúdo nem programadoras que montam os canais. Podem ter até 30% dessas empresas. 

Isso para impedir que elas usem seu poder financeiro para controlar a produção de conteúdo. Elas só poderão fazer a distribuição dos canais. 

Já os radiodifusores ficarão impedidos de ter mais de 50% do capital de empresas de TV a cabo. 

A Globo, que tem 50,01% do capital com direito a voto da Net Serviços, vai transferir o controle para o grupo mexicano Telmex. 

Ainda não está definida a data dessa transferência. Mas, segundo o diretor, a Globo continuará acionista minoritária da Net, a exemplo da Sky. 

O ponto negativo, segundo Nóbrega, é a instituição do sistema de cotas para conteúdo nacional. 

A Globo considera uma forma inadequada de estimular a produção independente.

DIVERGÊNCIAS
A aprovação do projeto trouxe um problema para a Rede Bandeirantes. Dona da TV Cidade, ela terá de vender o controle da empresa de TV a cabo. 

A emissora defendia a criação de mecanismos para que nenhum grupo, nacional ou estrangeiro, tivesse sozinho mais de 20% dos canais, uma forma de impedir o domínio da Globo. A reivindicação não foi contemplada. 

Já o SBT e a Record foram contra o percentual de publicidade 25% do tempo total da programação autorizado para a TV paga, o mesmo da TV aberta. 

Elas entendem que as TVs pagas já têm a receita da venda de assinaturas e vão tirar publicidade das TVs abertas. A Globo defende que não haja limite para a publicidade. (EL e JW)
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Folha de São Paulo. Quinta-Feira, 18 de Agosto de 2011.
Caderno Mercado, Página B4

ANÁLISE - TV A CABO
Após dez anos, acordo vai da Globo a Dirceu
Nova lei para TV a cabo concentra mercado em operadoras; preços podem cair, mas só em pacotes combinados

Nelson de Sá
Articulista da Folha


A Record resistiu até o último instante, com o sobrinho de Edir Macedo, o senador Marcelo Crivella, argumentando que o projeto é prejudicial por adotar cotas para produção nacional - e por um suposto estímulo à transferência de publicidade da TV aberta para a TV paga.

Também a Bandeirantes resistiu, ela que tem operadora de cabo, a TV Cidade, em propriedade cruzada agora proibida pelo projeto. Também o SBT, que controla a operadora TV Alphaville. Encerrada a votação, a Band saiu acusando o ministro das Comunicações e os parlamentares de permitir "a invasão do galinheiro pelas raposas", as "generosas teles" que "derramaram milhões durante a campanha".

Mas a Globo, que teria reafirmado apoio ao projeto em reunião com o ministro das Comunicações, dois meses atrás, não questionou sequer as cotas para produção nacional, atacadas ruidosamente por parlamentares do PSDB e do DEM.O projeto permite à Globo formalizar a venda da Net para o mexicano Carlos Slim. Por outro lado, resguarda o conteúdo: "Para produzir programas, a empresa terá que ter capital nacional mínimo de 70%", o que barra Slim e a espanhola Telefónica.

As teles, pelo acordo, são proibidas até de comprar direitos sobre eventos e contratar artistas. Na mesma reunião com o ministro, também teria sido aceita a "cota mínima e crescente de produtos nacionais" na TV paga, inclusive "parte deles realizados por produtores independentes".

A aprovação, anteontem, foi imediatamente saudada tanto pela Telebrasil, a associação das teles, como pela ABTA, das empresas de TV por assinatura.

De sua parte, o líder petista José Dirceu, consultor de Slim, também festejou publicamente a aprovação, "já não era sem tempo", depois de dez anos de disputas no Congresso. E justificou que foi "fruto de um consenso no qual todos cederam".

Com a nova lei dependendo agora da sanção da presidente Dilma Rousseff, o ministro das Comunicações comemora publicamente ter desatado o nó que impedia maior concorrência na TV a cabo, um virtual monopólio da Net. Também abre caminho para a entrada no cabo da "campeã nacional", a operadora de telefonia Oi, da "famosa Andrade Gutierrez", como descreve a contrariada Bandeirantes.

Produtores independentes aprovam cota nacional na TV a cabo

Elisângela Roxo
Colaboração para a Folha

Produtores ouvidos pela Folha aprovam a decisão de que metade da cota de três horas e meia semanais destinada no horário nobre da TV paga a produções brasileiras seja dada aos independentes, como prevê o PLC 116.

"É um reconhecimento da devida importância do setor", afirma o presidente da ABPI-TV (Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão), Marco Altberg.

Por mais que o texto da lei ainda dependa da sanção da presidente Dilma, Altberg afirma que o projeto abre espaço para um debate sobre a produção brasileira.

"Como a lei fala em conteúdo qualificado, produtos de dramaturgia, documentários e animações nacionais devem entrar no horário nobre da TV paga em breve."

Luiz Noronha, produtor-executivo e sócio da Conspiração - que fez "Mandrake" para a HBO e "Detox do Amor" para o GNT -, concorda. "Quem se prepara para a abertura de mercado vai saber fazer TV de qualidade. Criamos um departamento totalmente dedicado à produção televisiva", conta ele.

Para o produtor Roberto D'Ávila, da Monshoot Pictures, que fez a série policial "9MM", da Fox, a qualidade vai depender da verba.

O projeto prevê que 10% do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações) --ou seja, R$ 300 milhões--sirvam de incentivo aos independentes. Um episódio de "9MM", por exemplo, tem um custo médio de R$ 500 mil. Pelos cálculos de D'Ávila, sobrariam R$ 40 mil do Fistel para cada hora de programação.

"Com isso dá para fazer um programa de culinária bom, mas não uma série de ficção."

Belisário França, da Giro Produções, diz que o dinheiro é "um bom começo" e que o PLC 116 é um passo para uma produção independente de TV em grande escala.

Ancine prevê ‘explosão’ do Audiovisual

Elvira Lobato
Do Rio

O presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Manoel Rangel, disse que a abertura do mercado de TV a cabo para as companhias telefônicas, somada à criação das cotas de exibição de programação brasileira nos canais pagos, causará um boom na produção audiovisual no país.

A lei aprovada anteontem no Senado determina a veiculação, em horário nobre, de ao menos três horas e meia semanais de conteúdo nacional em canais qualificados (sobretudo de filmes).

Além disso, 1 de cada 3 canais qualificados terá de ser brasileiro. Há cotas também para contratar conteúdo de produtores independentes. As empresas terão três anos para se enquadrar.

A Ancine prevê demanda de 2.000 horas de conteúdo nacional independente anual, em três anos. Ela regulará a produção e a programação de audiovisual para a TV paga. Até agora, sua atuação era restrita ao cinema.

Fará o credenciamento dos produtores independentes e dos canais brasileiros, fiscalizará o cumprimento das cotas e terá poder de multar e punir as empresas que descumprirem regras.

QUADRO MAIOR
A agência já reivindica ampliação do quadro de funcionários e do orçamento. Hoje, tem cerca de 200 servidores concursados.

Na avaliação de Rangel, a lei assegura recursos suficientes para o crescimento da produção nacional.

Foi criado a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), que deve arrecadar até R$ 400 milhões por ano. Ao menos 30% desses recursos terão de ser aplicados em Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Mais 10% irão para produtores independentes.

O presidente da Ancine negou a possibilidade de censura aos canais de TV paga, aventada por alguns senadores, entre eles, Marcelo Crivella (PRB -RJ), vinculado à Rede Record.

Para Rangel, "censurar o conteúdo seria ferir o bom senso". A Ancine atuará como reguladora e fiscalizadora dos aspectos econômicos da TV paga, afirma.



Folha de São Paulo. Sábado, 20 de Agosto de 2011.
Caderno Opinião, Página A3

TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

É positiva a criação de cotas 
para programas nacionais em horário nobre na TV paga?

SIM
Nasce uma Indústria

Marco Altberg

Após um processo de quase quatro anos, digno de um seriado de suspense, digamos político, finalmente foi votado em seu texto original o projeto de lei nº 116.

A noite de 16 de agosto de 2011 entrará para a história do Senado como a data em que veio à luz uma nova era para o audiovisual brasileiro. As primeiras notícias pós-aprovação já apontam o movimento de empresas na direção de investimentos em uma indústria audiovisual em que todos podem ganhar, e não apenas alguns.

Devemos comemorar. Desde os consumidores, que clamam por conteúdo que fale a mesma língua na telinha, até os canais de TV paga, que podem, enfim, receber investimentos estrangeiros.

As teles vão investir em redes de acesso, e os produtores independentes poderão contar com recursos do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações).

Enquanto a recessão bate à porta dos países líderes mundiais, o Brasil demonstra sua resistência com a criação de um novo marco regulatório para a comunicação audiovisual de acesso condicionado, nome pomposo para o mercado de conteúdos pagos.

O consumidor de TV por assinatura ganhará com a melhoria e o barateamento dos serviços, além da oferta de novos canais e conteúdos.

A indústria audiovisual brasileira, por sua vez, se fortalecerá por meio de uma política de fluxo contínuo de produção, em detrimento do eterno recomeçar a cada projeto.

Há mais de uma década, nós, produtores independentes de TV, nos preparamos para esse momento. E podemos explicar ao público por que a lei é tão importante para essa categoria, que pouca gente sabe o que faz. O mercado mundial do audiovisual é avaliado em US$ 450 bilhões, e a participação brasileira representa apenas 1% dele.

Os mecanismos de fomento nos últimos anos ajudaram a qualificar o conteúdo nacional; assim, canais nacionais e internacionais estabeleceram parcerias com empresas independentes. Hoje, temos personagens brasileiros em desenhos animados e em dramaturgia sendo vistos aqui em português e dublados mundo afora. Em 2010, só a exportação de conteúdo para TV gerou renda de US$ 142,5 bilhões no mercado internacional.

O mundo todo defende sua indústria cultural ou a protege até que ganhe musculatura suficiente para se defender sozinha. Nos EUA, o FCC (comitê federal das comunicações) estabelece regras para mídia eletrônica, rádio e TV e fiscaliza e restringe a formação de grandes conglomerados de mídia, impedindo propriedade cruzada e garantindo diversidade e pluralismo.

No Canadá, emissoras de TV privadas devem garantir pelo menos 50% de sua programação.

No Brasil pós-PL nº 116, haverá a garantia de 15 magros minutos por dia de programação feita por independentes; assim mesmo, são cotas temporárias, cuja implantação levará até dois anos após a regulamentação da lei.

Iniciativas como esse projeto de lei estão profundamente afinadas com o desenvolvimento industrial e comercial do setor que tanto desejamos. Em artigo de minha autoria nesta mesma Folha, quando o projeto começava a tramitar no Senado, conclamei todos os agentes envolvidos para o debate sobre a regulamentação, tendo em vista a sua melhor aplicação.

Agora, sim, aprovado e encaminhado para a sanção presidencial, o panorama audiovisual brasileiro começa a mudar.

Deixaremos de ser exceção para ingressarmos na normalidade de uma verdadeira indústria.
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MARCO ALTBERG, produtor e diretor, é presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV.

NÃO
Governo no Controle Remoto

Demóstenes Torres

O governo aprovou, com seu habitual excesso de forças, o projeto de lei nº 116, com a intenção aparente de abrir o mercado de TVs por assinatura. Mas o que começou como um agrado às teles terminou com um "Frankenstein" jurídico e doutrinário que, se a presidente Dilma sancionar, o Supremo Tribunal Federal vai ter de impedir.

Constitucionalistas enfileiram agressões, de tolher a liberdade de expressão a invadir a propriedade privada. Ao instituir cotas na programação fechada, o Planalto demonstra o desejo de ter todos os controles, inclusive o remoto.

Reserva, por semana, três horas e meia no horário nobre à produção nacional, metade delas feita pelos considerados independentes, além de canais obrigatórios, mesmo fora do pacote pretendido. No tempo imposto para o "canal de espaço qualificado", a lei diz que não é qualificado o espaço ocupado por política, esportes, jornalismo, religiosos e shows de auditório.

Filmes, só os nacionais não realizados por emissoras. Veta o Brasileirão, aprova as Brasileirinhas.

Obriga quem comprar um canal de notícias a seu gosto a levar outro que não pretendeu. Paga pelo que quer, assiste ao que não quer.

Se a emissora infringir as normas, recebe sanções próximas ao chavismo. Quem vai decidir tudo é a Agência Nacional de Cinema, que passa a exercer os três Poderes: Legislativo (vai escrever as regras que os envolvidos terão de cumprir), Judiciário (punir e executar quem desrespeitar suas normas) e Executivo (fiscalizar e administrar, inclusive dinheiro). Para isso, sai do projeto inchada, como se sinecura formasse herói não macunaímico.

Superpoderosa, a Ancine é onipotente na regulação e no fomento, ambos desnecessários -o bom não precisa de reserva de mercado nem de afago de ministério, o ruim deve ficar longe dos dois; sempre há investidor para o que presta, só o erário crê no que não presta. Amplia os comerciais nos canais pagos para 15 minutos por hora, mas somente os anúncios de agências de publicidade brasileiras.

Escândalo à vista: a última vez em que o governo se misturou com empresas do ramo deu no mensalão. Responsável pela doutrinação audiovisual do país, a Ancine chefia um esquema que começa na arrecadação para um fundo que vai financiar produção de fundo de quintal dos colegas.

Numa ponta recolhe, na outra entrega o numerário para espécies de ONGs e Oscips aliadas, o que resultará em filmagens de baixíssimo nível e abrirá a porta para a corrupção, e completa o triângulo empurrando o lixo para a casa do cliente.

A desculpa é proteger a cultura nacional, mas o texto se preocupa com capital, não com conteúdo.

Feito por inscritos na Ancine, qualquer produto dispõe de verba e de horário. Mas se a americana MGM oferecer longa 100% nacional, será considerado estrangeiro.

Se o consumidor adquirir a obra da MGM para ver seus astros favoritos, brasileiros, tem de guardar o estômago para as produções aprovadas pelos comissários da Ancine.

Embutido nos carnês da vítima, o dirigismo cultural presente em cada detalhe. Xenofobia e uniformidade cultural compõem a doutrinação que persegue o estudante das aulas à telinha: as cotas valem também para atrações infantojuvenis.

À noite, em vez do seriado hollywoodiano que, repita-se, escolheu e comprou, lhe será oferecido algo bancado pelos filhos do Brasil.

O telespectador é desrespeitado em suas diversas formas de liberdade. Vai pagar em dobro, como cliente da TV e como vítima dos tributos, por atrações que não valem a metade. Se estiver mesmo promovendo faxina ética, a presidente tem o dever de vetar esse conjunto de absurdos.
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DEMÓSTENES TORRES é procurador de Justiça e senador (DEM-GO).



Folha de São Paulo. Sexta-Feira, 26 de Agosto de 2011.
Caderno Ilustrada, Página E11

Nova lei da TV paga pode aumentar o número de reprises
Legislação reserva cota para conteúdo nacional independente e obriga pacotes a ter canais brasileiros
Programação pode fomentar crescimento de canais nacionais e extinção de alguns estrangeiros

Elisangela Roxo
Colaboração para a Folha

A nova lei que regulamenta a TV paga aguarda, para vigorar, a sanção da presidente Dilma.

A legislação reserva cota semanal de três horas e meia para produção nacional no horário nobre, mas não faz restrição a reprises.

Com isso, abre-se uma brecha para que aumente o número de reexibições. "É um risco" resume Luciana Ferri, diretora sênior de negócios e questões legais da HBO para a América Latina.

O PLC (projeto de lei complementar) 116, aprovado na semana passada pelo Senado, prevê também que metade dessas produções nacionais seja feita exclusivamente por produtoras independentes brasileiras.

Segundo a legislação, por independentes entende-se, basicamente, que as produtoras não podem estar ligadas nem aos canais nem às empresas que vendem os pacotes de programação.

Com o PLC 116, a Ancine (Agência Nacional de Cinema) ganha novas atribuições, como determinar regras definitivas para os enlaces entre as produtoras e os canais e fisclaizar o cumprimento da lei (veja quadro ao lado).

O projeto prevê ainda que os pacotes oferecidos aos assinates devem ter ao menos um canal brasileiro a cada três de espaço qualificado (não contam produtos ligadoa a política, esportes, jornalismo, religiosos e shows de auditório).

A determinação pode colocar em risco canais com base menor de assinates, que teriam de arcar com os custos da produção brasileira.

Para Roberto D'Ávila, da Moonshot Pictures, que produziu a série policial "9MM", exibida pela Fox, seria o caso do Fox Life, que poderia deixar de ser oferecido aqui.

Por meio de sua assessoria de imprensa, no entanto, a Fox negou que tenha planos de extinguir o canal e prefere não se posicionar sobre o projeto antes da sanção presidencial, que deve sair em cerca de 15 dias.

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