PLC 116: a repercussão da Aprovação da Lei, na mídia impressa e televisiva #05

Revista Veja. Quarta-Feira, 24 de Agosto de 2011 [Veiculada em 20 de Agosto]
Páginas 80 e 81
Capa da Edição 2231 e Artigo Publicado

ARTIGO
Ethevaldo Silveira
TV por Assinatura: Um passo adiante e dois atrás

O Senado votou na semana passada uma nova lei de TV por assinatura ou comunicação eletrônica. Entre seus aspectos positivos estão a ampliação da competição, a abertura de espaço para novos provedores de serviços, a multiplicação das oportunidades para novos investidores, a expansão do mercado para os produtores e distribuidores nacionais e, para nós, usuários, novas opções de conteúdo audiovisual de qualidade por menores preços.
Depois de quatro anos de infindáveis discussões nas duas casas do Congresso, os senadores aprovaram a lei da TV paga, até então conhecida como PLC 116, designação do projeto de lei oriundo da Câmara dos Deputados.

A nova lei contém avanços e retrocessos. Seu maior mérito é ampliar o acesso da maioria dos brasileiros não apenas a diversas modalidades de  televisão paga, mas aos demais benefícios proporcionados pela digitalização, pela fibra óptica, pelos satélites de nova geração e, de forma geral, pelas redes de banda larga.

A nova lei, entretanto, tem disposições retrógradas. Em seus capítulos IV e V, ela traz ao país pelo menos dois sérios retrocessos. Um deles é a fixação de cotas para produtores nacionais. O outro é a intromissão da Agência Nacional do Cinema (Ancine) na avaliação de conteúdos. Façamos uma rápida análise de cada um desses aspectos do negativos.

COTAS, RETROCESSO - Um dos velhos vícios do legislador brasileiro é desfigurar a maioria dos projetos pela inclusão de dezenas de emendas oportunistas e demagógicas. Foi exatamente o que aconteceu com a nova lei, cujo projeto inicial, na Câmara dos Depurados, tinha apenas dois objetivos centrais: unificar a legislação da TV por assinatura e regular a entrada das empresas de telecomunicações (as teles) nesse mercado. Mas acabou virando um monstro jurídico, cheio de penduricalhos e emendas protecionistas.

Entre os novos propósitos do projeto, foi incluída a proteção ao produtor nacional de conteúdo. É claro que, em princípio, ninguém pode ser contra esse objetivo. O melhor caminho para atingi-lo é apoiar o produtor com financiamento, incentivos, desoneração fiscal, patrocínios públicos e privados a todos os projetos de maior relevância.

O pior caminho é o da fixação de cotas, que foi exatamente o adotado pela lei da TV paga, ao reservar fatias de mercado e espaços equivalentes a três horas e meia de programação nacional por semana, em horário nobre, por canal. O regime de cotas enxerta produções nacionais, sejam elas de boa qualidade ou não. Não há nenhum critério de mérito nessa inclusão.

Isso é uma violência contra o direito do cidadão que paga uma operadora para ver algo diferenciado, de sua preferência, sejam enlatados, sejam obras-primas, num terreno em que o estado jamais deveria se meter. Como usuário, recuso-me a engolir mais essas cotas.

Alguém lembrou no Congresso que passaremos a ter, a partir de agora, uma espécie de nova A Voz do Brasil na TV por assinatura. Por que não incumbir os canais estatais - que hoje são mais de vinte em todo o país - de acolher produções nacionais, até 24 horas por dia, ou apenas no horário nobre, sem critérios de qualidade? Com uma vantagem: o produto de boa qualidade terá sempre espaço nos demais canais.

Não bastasse a experiência dolorosa da reserva de mercado de computadores, no passado, o Brasil parece transformar-se cada dia mais no paraíso das cotas e do paternalismo. Temos até cotas raciais na educação.

A ANCINE CONTROLA A MÍDIA
- Um dos absurdos da nova lei são os artigos que ampliam os poderes legais da Ancine e dão a essa agência a incumbência inconstitucional de regular o conteúdo e a programação dos diversos canais de TV por assinatura. A partir de agora, essa agência, criada essencialmente para o fomento da atividade audiovisual, assumirá também o papel de órgão regulador de conteúdo da comunicação eletrônica.

A nova lei confere à Ancine o poder de definir o que é o horário nobre para uma emissora de TV paga. E até de punir os canais que não seguirem suas determinações. E vale lembrar que a TV por assinatura não é, a rigor, um serviço público sujeito ao regime jurídico de outorga ou concessão.

OS AVANÇOS - É claro que a nova lei tem diversos aspectos positivos. Ela poderá, com certeza, acelerar ainda mais o crescimento da base instalada de TV por assinatura no país, que, nos últimos cinco anos, passou a incorporar parcelas crescentes da classe C. Mas sua penetração ainda é baixa em todo o Brasil.

Em junho de 2011, dos 60 milhões de domicílios existentes no país, pouco mais de 11 milhões contavam com alguma forma de TV paga, o que representa 18,3% das residências brasileiras. Na Argentina, a TV paga há muitos anos já ultrapassou os 50% dos domicílios servidos pela TV por assinatura.

A baixa penetração brasileira se deve, em primeiro lugar, à falta de uma política setorial adequada. Em segundo lugar, porque a grande massa da população não sentia muita falta da TV por assinatura, já que, na avaliação da grande maioria, a TV aberta brasileira sempre foi de boa qualidade, razão por que está presente em 97% dos domicílios.

A nova lei talvez amplie significativamente os horizontes das diversas formas de TV paga e dos novos serviços interativos de comunicação eletrônica e banda larga. E, no leque de novos serviços, ofertará mais TV sob Demanda (VoD, de Video on Demand), IPTV (TV com protocolo IP da internet), TV Móvel (Mobile TV) e outros. E, não há dúvida, à medida que a concorrência for crescendo, os preços vão cair, inexoravelmente.

A COLCHA DE RETALHOS
- Mesmo com essa nova lei da TV paga, a legislação e a organização jurídica setorial do país ainda constituem uma verdadeira colcha de retalhos. Em boa parte, obsoleta.

O Brasil precisa, há décadas, de uma legislação de comunicações moderna e capaz de atender às novas necessidades do mercado e ao potencial das novas tecnologias.

Embora restrita à TV paga, a nova lei tem uma virtude inegável: unifica a legislação de todas as formas de audiovisuais por assinatura no país. Conceitua claramente e sistematiza a comunicação eletrônica em quatro áreas, como segue:

1 produção dos programas ou conteúdos eletrônicos;
2. programação, que consiste na definição e no arranjo da grade dos conteúdos eletrônicos produzidos;
3. empacotamento, que define os formatos de apresentação da programação para os diversos meios de difusão;
4. distribuição, que é, em resumo, a transmissão, a veiculação ou a difusão dos diversos conteúdos.

Ao contrário da TV por assinatura, a legislação brasileira de radiodifusão (rádio e TV abertos) sobrevive como exemplo dramático de obsolescência. Quase cinquentenário, ela ainda se apoia em um capítulo do velho Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117), de 1962.
Seria bom que a nova Lei da TV por Assinatura fosse apenas o começo de uma profunda revisão da legislação brasileira de comunicações, visando a adequá-la ao novo cenário tecnológico e econômico desse grande setor. Mas com a ressalva de que a futura legislação não incorra nos mesmos equívocos protecionistas ou crie qualquer forma de controle da informação ou de limitação dos direitos do cidadão.
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ETHEVALDO SIQUEIRA é jornalista especializado em novas tecnologias da informação e da comunicação.

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