Plágios ou Homenagens? As Referências a Filmes e Séries Americanas em Novelas e Séries Brasileiras

A Morte de Salomão Hayala em O Astro
confrontada com cena-chave do filme Watchmen (2008): Referência óbvia

por Fábio Mendes
swokord@gmail.com
 
Uma sequência bastante comentada na última semana pelo país dentre as novelas da televisão foi um esperado acontecimento-chave de O Astro, a impactante primeira novela das 11 da Rede Globo, adaptada do original de Janete Clair. O milionário Salomão Hayala (Daniel Filho), durante uma festa cheia de convidados, é assassinado, dando início a uma subtrama de suspense que envolve a busca pela descoberta da identidade do assassino. Na novela original de 1977, tal cena lançou com força pela primeira vez entre o público o jargão "quem matou?", de grande repercussão e que se tornaria um acontecimento recorrente em obras posteriores.

Mas o curioso da situação é que a cena propriamente dita do assassinato, a certos espectadores, trouxe uma referência que, de tão clara, não pôde ser ignorada: detalhes como a quebra da janela em slowmotion e os closes no botão de Salomão faziam clara ligação com a morte do personagem Edward Blake (Jeffrey Dean Morgan), o Comediante, na adaptação para cinema da graphic novel Watchmen (2008) dirigida por Zack Snyder. 

A princípio, uma referência que acabou por enfraqucer a cena em si, fazendo com que alguns espectadores se desviassem do enredo da novela ao assistirem e fizessem comparações. Mas, na prática, isso não é uma prática incomum em filmes, novelas e séries brasileiras. Casos recentes, na mesma casa de O Astro, a Rede Globo, embora com menor repercussão, também chamam atenção.

O primeiro veio do casamento de Thaísa (Fernanda Souza) em Ti Ti Ti, veiculado em janeiro deste ano. Os personagens fizeram sua entrada na cerimônia executando um número de dança - tal qual em um episódio da série americana Glee, exibido nos Estados Unidos dois meses antes. A referência não foi clara e poucos fizeram a ligação. Mas notou-se que houve, sim, certa inspiração da autora Maria Adelaide Amaral e do diretor Jorge Fernando.

 A Sequência de Casamento de Ti Ti Ti (2011) foi veiculada apenas 
dois meses depois de cena semelhante ter sido mostrada no seriado americano Glee

Aqui apenas uma ideia foi reaproveitada e reinserida em um novo contexto. Situações de filmes e seriados recentes que "inspiram" passagens de novelas são recorrentes. Carlos Lombardi e Thiago Santiago fazem tal tática com frequência em suas novelas, com menor pudor. Um caso clássico é parte do clímax do remake de O Profeta (2007), adaptação livre do original de Ivani Ribeiro, mas com um arco claramente adaptado do enredo do filme norte-americano O Ilusionista, lançado um ano antes, envolvendo um truque de mágica feito pelo protagonista (Thiago Fragoso) que supostamente trazia de volta almas do além e que, na realidade, era parte de um grande plano para desmascarar o vilão Clóvis (Dalton Vigh).

Já o seriado humorístico de esquetes Os Caras de Pau foi mais longe: gags e situações inteiras de seriados como Friends, Mr. Bean e Drake & Josh foram reeditadas para o contexto do programa, com pouquíssimas diferenças. Para quem acompanha os seriados citados, a situação, de tão idêntica, beira o plágio total.

 
Cena de Drake & Josh reencenada em Os Caras de Pau (2010); exemplos extras nos links acima

Esse tipo de tática é complicada de distinguir. Em algumas situações podemos encarar como uma homenagem ou inspiração, mas em outras a cópia atinge níveis pouco aceitáveis. Em entrevista a Mauricio Stycer, Mauro Mendonça Filho, diretor de O Astro, não só reconhece as referências como as elogia, sobre seu ponto de vista:
Existe uma enorme cadeia de referências, que vão se repetindo, às vezes invisíveis, às vezes não, em todo o audiovisual. É lógico, que sim. Não tenho o menor problema em dizer isso. Acho uma baita hipocrisia essa patrulha da originalidade. E na escrita, o mesmo. Você percebe o estilo de Moliére em Ariano Suassuna. Qual jornalista pop não bebeu em Hunter Thompson? O aclamado “Kill Bill” (de Quentin Tarantino), que é um baita filme. É todo igual ao original do Bruce Lee. Até o macacão amarelo é igual.
Só que, claro, nem sempre isso funciona da forma que o diretor diz. O exemplo de Os Caras de Pau, uma quase cópia, não apenas incomoda, como tira crédito do produto brasileiro. Em atrações que não possuem essa intenção clara de referenciar (O Astro se redime ao se assumir como uma grande homenagem pop à telenovela dos anos 70), torna-se um indicativo que mostra sua fragilidade; e rotula entre os leigos a impressão de que as produções de fora sempre serão superiores e o brasileiro, sem poder fazer coisa igual, se contenta em apenas copiar. É uma visão errada, generalista, mas que encontra aqui um forte argumento a seu favor.

Produções que homenageiem obras alheias sempre existirão - eternizando suas influências, diretas ou indiretas. Mas não podem se tornar fórmulas ou regras. É um caminho pouco saudável para o audiovisual nacional e que deve ser utilizado com cautela, se não quiser que caiamos em descrédito.

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