Último a Sair: o sucesso de Roberto Leal no "falso Reality Show" Português


[Publicado originalmente no Segundo Caderno do Jornal O Globo de 17 de Agosto de 2011. Por Silvio Essinger - silvio.essinger@oglobo.com.br]

Há alguns dias, usuários de sites de relacionamento começaram a adicionar a seus perfis um vídeo de conteúdo chocante. Nele, o cantor português Roberto Leal, conhecido de milhões de brasileiros por suas alegres interpretações de canções como "Arrebita" e "Bate o Pé", tomava chá de cogumelo e tinha um surto de violência. Quebrava seu quarto, seu violão e depois chorava copiosamente diante de uma foto de Nossa Senhora de Fátima. E esta era só uma das várias cenas insólitas de sua participação no reality show Último a Sair, da TV estatal portuguesa RTP1. Mas o que poucos sabiam é que:

1) Na verdade, não se tratava de um reality show, mas de um programa de humor, criado por Bruno Nogueira, representante de uma nova geração de comediantes portugueses que está chegando ao Brasil via interner.

2) Depois de "vencer" o "reality" em 31 de julho, Roberto Leal, o cantor, fez mais sucesso do que jamais fizera em Portugal. Um sensacional renascimento.

"A vida nos dá um segundo tempo, e é nele, aos 45 minutos, que se ganha o jogo". Festeja, por telefone, de Lisboa, Roberto, que nasceu em Vale da Porca e emigrou para o Brasil aos 11 anos, com os pais e dez irmãos.

Um sucesso maior na internet do que na TV (não chegou a ser o líder de audiência no horário), o Último a Sair é mais um dos exemplos do novo humor português a chegar ao Brasil pela rede. Em 2008, os internautas brasileiros descobriram Bruno Aleixo, um cachorro ranzinza, apresentador de talk show, criado pelo grupo Guionistas e Argumentistas Não Alinhados (Gana).

"O Último a Sair tem um ótimo conceito e ótimos roteiristas. Mas, em nosso entender, por ser um programa para as massas, e também por ser muito complicado gerir esse tipo de conceito, acaba por cair, por vezes, no humor mais fácil e no overacting - dizem, por e-mail, em conjunto, os integrantes dos Gana.

Hoje, aos 59 anos, Roberto Leal compara a chance que teve no Último a Sair com a que lhe deu Chacrinha, no início dos anos 1970, quando começava sua carreira. "Entrei no programa pela primeira vez a cinco minutos do final. Em seguida, ia ao ar o Festival Internacional da Canção. Eu pensei: ninguém vai prestar atenção neste português! Mas aí a transmissão no Maracanãzinho atrasou e, quando as pessoas ligaram a TV para verem o festival, lá estava o português cantando "Arrebita". No dia seguinte, não podia sair à rua", lembra ele.

Humorista com passagens pela stand up comedy, Bruno Nogueira, de 29 anos, apresentou em 2010 na RTP o  talk show Lado B. E aí recebeu da TV o convite para apresentar um projeto de ficção. "Apetecia-me fazer algo colado à realidade. Era um caminho a se experimentar, embora perigoso - diz Bruno, que veio com a ideia de uma paródia de reality shows, misturando celebridades de verdade com atores, "para não ficar muito falso".

Assim, entre os 13 participantes do Último a Sair, que estreou em 8 de maio, estavam cantores como Roberto Leal e a jovem Luciana Abreu, o palhaço Batatinha, o ex-participante do Big Brother português Marco Borges e atores como Gonçalo Waddington e o próprio Bruno Nogueira.

"Nos realities, há sempre um personagem que provoca o conflito. Vi que seria melhor que fosse eu, um dos autores do programa. Precisaria ter muito cuidado se tivesse que escrever esse personagem para outra pessoa", explica Bruno, que dividiu o roteiro do programa (que tinha 70% de espaço para o improviso) com João Quadros e Frederico Pombares.

Logo no primeiro dia, o humorista arrumou confusão com Marco Borges, que lhe deu um pontapé e foi expluso (numa repetição irônica do que aconteceu com ele no Big Brother). Bruno conta que Roberto Leal era um dos nomes que mais desejava ter em seu programa. "Ele tinha uma imagem engraçada por aqui. Não era visto como português nem como brasileiro. Carismático, sempre a falar de Deus, sempre a vestir branco... Tentamos desconstruir essa imagem", diz.


Roberto confessa ter hesitado ao aceitar o convite de Bruno. "Fiquei uns nove, dez dias pensando para ver o que poderia ganhar. Mas aí vi que poderia ser um passo à frente na minha carreira, depois de toda a beleza que foi no Brasil", conta o cantor. Nos anos 1990, ele tirou de letra a paródia de "Arrebita" feita pelos Mamonas Assassinas, o "Vira-Vira" - recentemente, gravou uma nova paródia em homenagem à banda, cujos integrantes morreram num acidente de avião em 1996.

A principal gozação com o cantor era chamá-lo de "brasileiro", o que o obrigou a botar um bigode e tomar caldo verde fazendo barulho com a colher em uma cena no confessionário. Por fim, Roberto tirou o bigode e excalmou: "Ser português é muito difícil!"

"Logo no terceiro episódio, entendi que tinha que criar um personagem forte", conta o cantor, que mostrou jogo de cintura nas situações criadas por Bruno. Volta e meia, Roberto era convencido a fazer uma tatuagem nas costas, a dividir sua cama com um participante que só andava pelado, a participar de um jantar afrodisíaco ou, na clássica cena, a tomar chá de cogumelo. O humorista conta que teve receio apenas nas cenas que mexessem com as crenças religiosas do cantor.

"Disse sempre as coisas do meu jeito. Sempre sentia o que estava falando, expus todas as minhas feridas. É engraçado que foi justamente num programa de humor que tive a oportunidade de dizer as coisas mais sérias da minha vida. Foi o desmonte da imagem que Portugal tinha de mim", diz Roberto.


Para Bruno, o cantor mostrou muita inteligência. "Era a pessoa com mais autoridade para brincar com si próprio", acredita ele, que diz não ter demorado muito a perceber que Roberto tinha que ser o vencedor do programa. "Ele conseguiu uma coisa extraordinária, que foi renovar o público que tinha e acrescentar uma camada mais jovem a ele. Há alguns anos, isso seria impensável", diz Bruno, surpreso com o fato de, apesar de o programa ter sido anunciado desde o começo como um humorístico, muita gente ter achado que era um reality show de verdade. "As pessoas acreditavam mesmo nas coisas impossíveis de acontecer na vida real. Isso foi divertido, mas nos deixou procupados. Tivemos que ficar ainda mais ficcionais."

Enquanto isso, Roberto Leal ri à toa. Seu último disco chegou ao segundo lugar entre os mais vendidos em Portugal, ele prepara um programa de TV próprio e aproveita o momento de celebridade. "A nova geração ficou maluca comigo. E a velha geração ficou perguntando: Roberto, como é que te meteste num programa desses?", diz.

Comentários

  1. Vi um episódio desse programa em Portugal recentemente e me pareceu uma provocação interessante. O fato de ser um falso reality e brincar com as convenções do gênero expõe dois lados: primeiro a solidificação do reality show como um gênero televisivo a ser parodiado e, segundo, como um tipo de programa que permite interferências em seu formato, que pensa e que pode se transformar, a despeito das fórmulas que se repetem nos programas que costumamos ver. Creio que não demorará muito e poderemos ter um programa semelhante ao "Último a Sair" no Brasil.

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