Do folhetim à telenovela

por Luana de Freitas e Luiz Pacheco
da turma 2. 2011

Alunos da Matéria Televisão e Vídeo. Texto referente ao Conteúdo do Seminário sobre Teledramaturgia e Linguagem, realizado em 26/09/2011

“[...] a telenovela é o único texto televisivo que viaja de ponta a ponta da América Latina
e pelo resto do mundo nas mais diversas direções,
dando significado ao que é viajar do Sul ao Norte!”
(Jesús Martín-Barbero)

Gênero híbrido que incorpora e, ao mesmo tempo, compõe o imaginário popular, a telenovela ocupa lugar de destaque entre os principais produtos da televisão brasileira. Com um histórico marcado por recordes de audiência, converteu-se num ritual diário que reúne um público extremamente heterogêneo, imergindo-o num processo de compartilhamento de anseios e expectativas. Vale ressaltar, no entanto, que a experiência atual deriva de uma trajetória que ultrapassa os 60 anos da teledramaturgia no Brasil e evoca diferentes linguagens num movimento não-linear que passa pelos folhetins franceses e pelas radionovelas latino-americanas.


Do ponto de vista estrutural, a origem da telenovela remonta aos folhetins do século XIX — daí a denominação “folhetim televisivo”. Nascido na França, o feuilleton, a princípio, designava um espaço específico na página dos jornais, o rodapé, onde eram publicados textos sobre moda, crimes e, posteriormente, romances seriados. Nesse período, a sociedade francesa passava por transformações que contribuíram de forma decisiva para a popularização da narrativa folhetinesca. Além do aumento da tiragem de livros e jornais possibilitado pelas inovações tecnológicas, a ampliação do sistema de comunicações, integrando centros urbanos e facilitando a distribuição dos impressos, e a elevação dos índices de alfabetização ajudaram a fortalecer uma “cultura popular de massa”, da qual o folhetim é contemporâneo.

Embora tenha florescido no Brasil quase que simultaneamente ao seu surgimento na França, esse tipo de narrativa não encontrou aqui condições propícias para sua consolidação como literatura popular. Frente a uma sociedade escravocrata dominada pelo analfabetismo, a maior parte dos folhetins publicados no país eram traduções destinadas a uma elite dominante. Quanto ao formato, tais publicações mantinham aspectos semelhantes à matriz francesa, apesar de guardarem particularidades relativas ao próprio contexto de circulação. A estrutura em “pedaços”, por exemplo, procurava manter o público instigado em relação ao desfecho da história, enquanto que o uso da redundância permitia recapitular os capítulos anteriores e atrair novos leitores.

Na América Latina, de forma geral, o sucesso das histórias seriadas viria somente com a radionovela. Nesse sentido, Cuba figura entre os primeiros países latino-americanos a desenvolver o potencial do rádio como veículo narrativo, sobretudo por dois motivos: seu sistema radiofônico já havia se consolidado comercialmente e, desde a década de 1930, vinha testando algumas experiências dramatúrgicas, como o radioteatro. Na ausência de um interesse oficial do Estado, os cubanos foram buscar como referência a experiência das soap operas norte-americanas, obras utilizadas por agências financiadoras do rádio como estratégia comercial para vender seus produtos às donas de casa. Inicialmente patrocinadas por fábricas de sabão e dirigidas ao público feminino, a radionovela também agregou elementos da tradição cubana, como o melodrama e a tendência ao excesso, explorando o lado trágico da vida.

Influenciadas pelo formato cubano, as radionovelas chegaram ao Brasil somente na década de 1940, quando o interesse pelo rádio como veículo de propaganda passou a ser crescente. Em 1941, os primeiros títulos lançados no país — “A predestinada”, transmitida pela Rádio São Paulo, e “Em busca da felicidade”, pela Rádio Nacional — eram adaptações estrangeiras que mantinham o tom melodramático e a estrutura dirigida ao público feminino. Com o barateamento dos aparelhos de rádio, as produções nacionais rapidamente alcançaram o sucesso, contribuindo para o acúmulo de conhecimento sobre a literatura melodramática, que seria, posteriormente, aproveitado pela televisão.

Trecho da radionovela “O direito de nascer” (1951), 
um dos títulos de maior sucesso no Brasil

Em 1951, a TV Tupi, de São Paulo, exibiu a primeira telenovela brasileira, “Sua vida me pertence”, escrita e protagonizada por Walter Foster. Ainda na década de 1950, diversos títulos seriam levados ao ar duas vezes por semana e com a duração média de 20 minutos por capítulo, disputando espaço na programação com o prestígio dos teleteatros, peças teatrais transmitidas ao vivo. Tais produções eram fortemente influenciadas pela tradição radiofônica, que servia não somente como fonte de inspiração, ao oferecer inúmeros textos a serem adaptados, como também impunha algumas barreiras ao desenvolvimento da telenovela enquanto linguagem. Acostumados a trabalhar no rádio, os atores, por exemplo, tinham dificuldades em decorar os roteiros e expressarem-se diante das câmeras. Além disso, por conta das limitações técnicas do período, havia um predomínio do texto sobre a imagem por meio do uso da figura do narrador, empregado para explicar situações que não podiam ser recriadas, já que as filmagens eram feitas ao vivo.

Apenas nos anos 1960, com a criação da TV Excelsior, as telenovelas assumiram bases empresariais mais sólidas. Pode-se dizer, portanto, que esse período inicial carrega as marcas da improvisação e da experimentação, fato que teve implicações diretas no modo de produção das obras. Como produto híbrido que herdou dos folhetins o gancho e da radionovela o apelo melodramático, as telenovelas brasileiras se especializaram no “contar histórias”, ocupando um espaço entre a ficção e a realidade, onde autor, expectador e personagens estão em constante troca de posições.

Especial TV60: Teledramaturgia [Partes 1 e 2]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPEDELLI, Samira Youssef. A telenovela. São Paulo: Ática, 1985.

FERNANDES, Ismael. Memória da telenovela brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. La telenovela desde el reconocimiento y la anacronía. In: HERLINGHAUS, Hermann (ed.). Narraciones anacrónicas de la modernidad: melodrama e intermedialidad en America Latina. Santiago: Cuarto Propio, 2002. p. 61-77.

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