Televisualidade

por Tereza Azambuja e Augusto Dutra
da turma 2. 2011

Alunos da Matéria Televisão e Vídeo. Texto referente ao Conteúdo do Seminário sobre Televisualidade, realizado em 26/09/2011 

Desde seu início, a televisão operava segundo arbitrárias normas morais de qualidade, de restrições e de decoro, que com a chegada dos anos 1980 começaram a ser completamente relevadas por seu conservadorismo enérgico. A estética dominante da cultura de massas, a “cultura pop”, não poderia ser domada através das antigas restrições de estilo genéricas.

O advento da MTV como marco da mudança televisual

Na década de 80 a TV já se caracterizava por sua altamente evoluída intertextualidade. Além disso, a grade vertical incentivava a competição desenfreada entre as emissoras, o que possibilitou o aparecimento de outros nichos lucrativos, como o “trash television” – que, apesar de seu pressuposto baixo conteúdo cultural, conseguia adesão de um público alternativo.

A TV, durante os anos 80 sofreu drásticas mudanças, e não somente se tornou mais visual – com o aumento de seu valor de produção, a crescente sofisticação formal, e o desenvolvimento tecnológico – ela reteorizou sua estética apresentacional – o próprio estilo, por ele mesmo, se tornando o sujeito, que significava a televisão.

A auto-consciência de estilo, na TV, se tornou tão grande que o estilo pode ser compreendido como uma atividade, uma performance, ao invés de um detalhe. O estilo, antes visto como significante e recipiente de conteúdo, questões e idéias, agora torna-se um dos mais prestigiados significados da televisão.

Os programas começaram a disputar estilo como uma forma de marca, um status que os diferenciava uns dos outros no fluxo da programação, e os tornava mais identificáveis com o público. O exame da mudança no estilo e na ideologia num amplo alcance de programas e séries televisivas que celebram o visual, o decorativo e a extravagância, leva a uma fundamental reconfiguração do estatuto da imagem na televisão.

Contraste entre dois promos do canal ABC, de 1979 e à 1981

A televisualidade é um fenômeno múltiplo, com implicações ideológicas, formais, de qualidade estética e cultural; enfim, é um sintoma de um período de transição muito mais amplo na cultura americana e na mídia de massas – é um produto final do pós modernismo.

Seis pontos sintetizam a natureza dessas mudanças:

1. Performance estilizada e exibicionismo na TV

- espetáculos de opulência cinematográfica

- efeitos visuais e gráficos elaborados no dia-a-dia

- é uma atividade, uma postura, uma forma de se apresentar

- atividade estilística processual, ao invés de um visual estiloso pontual.

2. Inversão estrutural: floreios estilísticos

- inversão entre narrativa e discurso, forma e conteúdo, assunto e estilo.

- com o advento da televisualidade, o estilo deixou de estar em segundo plano, e os floreios passaram a ser o objetivo, o texto do programa.

- citação do vice presidente da WSVN: “o sucesso artístico da televisão é uma forma precária, mas necessária, de correr riscos”. A estética é um investimento arriscado, diferencial, um negócio.

3. Produto industrial – a televisão é manufaturada

- o modo de produção televisivo é mutante, se renova constantemente, mudando assim a forma como as pessoas recebem a TV.

- a televisualidade é um produto comercial, feito em larga escala, e que deve ser compreendida como um fenômeno industrial

- a forma de produzir televisão ‘artisticamente’ resulta em mudanças culturais e econômicas.

Cutting edge – as vinhetas da MTV

 - a industrialização da visualidade promove grande ganho tecnológico e investimentos – como o vídeo assist e os efeitos digitais.

- as imagens manipuladas digitalmente deixaram de ser terreno da ficção científica exclusivamente, e hoje até TVs conservadoras se utilizam da tecnologia digital – elas investem em novidades de forma cautelosa. A globo produz digital, mas a rede TV investe pesado em 3-D.

4. Fenômenos da programação: “specials” e "narrowcasting

- a partir dos anos 1980, os programas com status de ‘evento especial’ aumentaram muito, fazendo com que esse status perdesse seu significado. Ex: criança esperança, miss universo, Oscar.

- nos anos 70, a estratégia de produzir programas que atraíam todo o público foi sendo abandonada. Surge então o “narrowcasting”, com as mudanças causadas pela televisualidade (que criou um novo público que não aderia a esse padrão), a TV passa a apostar em novos nichos, pequenos e promissores.

- novos processos de produção como a TV paga motivaram essa mudança, buscando na diversidade cultural (econômica, racial, étnica, de gênero, etária, regional) audiências constantes e menores.

- cada um desses nichos tem estilos visuais específicos, os “guetos estilísticos” com nichos potenciais são alvo dessa produção.

O FicTV é um exemplo desse tipo de iniciativa na TV brasileira

5. Televisualidade existe em função da audiência

- desde os anos 1980, o grande público tem se tornado mais crítico, com gosto estético mais refinado. Certos programas emergentes nessa época pressupunham maior nível socioeconômico e maior capital cultural.

- diretores de cinema, que no passado se segregavam da TV, passaram por cima de seus ‘problemas de ego’ e entraram no mundo da televisualidade. Comerciais televisivos foram produzidos por David Lynch, Ridley Scott, Spike Lee, Scorcese, Coppola, Woody Allen, Godard e Antonioni.

- o mesmo ocorreu no Brasil, e se mantém até hoje.

Comercial do Godard: 'Parisienne People'

6. O paradoxo da crise econômica: ousadia artística ou tática comercial?

- a televisualidade não pode ser teorizada sem a crise pela qual a TV passou nos anos 80, com o crescimento da TV paga.

- o excesso estilístico é uma forma de investimento em ousadia artística o uma tentativa de reconquistar a audiência?

- a inserção de diretores autorais na produção televisiva ocorre porque a TV passa a crer no seu potencial artístico e elevar o nível cultural das massas que assistem, ou um simples investimento econômico desesperado – dar o dinheiro nas mãos de loucos e ver o que acontece?

- a popularização da TV paga no Brasil nos mesmos moldes é boicotada pelas poucas TVs que monopolizam o mercado.

Conclusão

O maior alcance da produção autoral com as massas significa que as pessoas estão se tornando mais cultas ou simplesmente é a TV que está se apropriando de novas formas de expressão, variadas, já que seu padrão tradicional não está obtendo sucesso? Nesse caso, elementos novos (que poderiam ser ‘cult’) são incorporados ao discurso (que não muda), ou seja, há uma apropriação tradicional e narrativa das inovações, que as massifica e não muda sua relação com o público. É uma atualização do antigo paradigma, sem modificação estrutural.

Referência Bibliográfica

CALDWELL, John Thorton. "Televisuality: style, crisis, and authority in American television". Rutgers University Press, 1995. Disponível em <http://books.google.com.br/books?id=h-KnOn45fZYC&printsec=frontcover>.

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