Canal Multishow joga com os independentes

Canal se adianta a nova lei de TV paga, que entra em consulta pública, e tem produções nacionais em 90% da grade. Produtores se animam com parceria, mas há quem reclame de o canal fica com direitos integrais das produções


[Publicado originalmente no Caderno Ilsutrada da Folha de São Paulo de 20 de novembro de 2011, página E8. Por Elisangela Roxo]

O canal Multishow aposta há algum tempo num jogo em que toda a TV paga brasileira está prestes a entrar: o das produtoras independentes. As regras desse jogo foram formuladas pela lei 12.485, que entra em consulta pública a partir de 16 de dezembro e cria mecanismos de estímulo e proteção ao conteúdo nacional na TV por assinatura. O Multishow saiu na frente, começou a privilegiar conteúdo nacional há dez anos e hoje tem brasileiros em 90% de sua programação. “Neste ano, vamos ter 62 projetos”, conta o gerente de produção artística do canal, Christian Machado.

A produção nacional também responde pelas maiores audiências do Multishow: 220 Volts, da Migdal Filmes, De Cara Limpa, da Urca Filmes, e Sensacionalista, da Publytape."Foi o Multishow que nos abriu as portas no mercado”, conta Rafael Mellin, diretor da produtora independente Mellin Vídeos/Grupo Sal.O canal representa 60% da fonte financeira da Mellin, que produz as séries Nalu pelo Mundo e Rock Estrada, entre outras.

A perspectiva de trabalhar em parceria com o Multishow é animadora para Thomaz Miguez, sócio e produtor-executivo da Realejo Filmes, que produz agora a segunda temporada de As Olivias. “Fazer um projeto ali é uma chancela para o mercado”, diz. A parceria quer dizer também trabalhar com a Globosat, um dos principais grupos da TV por assinatura no Brasil. E, claro, com a Globo, que detém a maior fatia da audiência na TV aberta, já que ambas são do mesmo grupo.

Giuliano Cedroni, sócio e diretor de conteúdo da Pródigo Filmes, tem exibido no canal a série Oscar Freire 279.  “Trabalhar com TV e não com Globo e Globosat é uma incongruência”, ele diz. Para outros independentes que preferem não se identificar, porém, a jogada final é do Multishow, que viabiliza a produção, mas fica com os direitos integrais das obras. “Mas ninguém é obrigado a fazer”, diz Luiz Noronha, sócio-diretor da Conspiração Filmes, que produz Malícia.


TV paga arrisca mais, dizem profissionais
por Luiza Souto, do Rio

Durante o Festival Internacional de Televisão, que acontece no Rio até o dia 22, profissionais debateram desafios de levar um programa ao ar, Para eles, canal pago "arrisca mais". "Existe uma cobrança grande de audiência. Mas acho a TV paga uma incubadora. Você arrisca mais", disse Tiago Worcman, gerente de programação do GNT.

Para Tadeu Jungle, diretor de criação da Band, a TV aberta é cruel com programas experimentais. "Ela quer tudo pronto. Boa ideia é audiência, mas com charme."

 

CRÍTICA
TELEVISÃO
'Malícia' e 'Oscar Freire 279' ocupam os extremos da prdoução independente
por Mauricio Stycer, repórter e crítico do portal UOL, especial para a Folha

Exibidas praticamente no mesmo horário, mas em dias diferentes, duas produções independentes que integram a grade do Multishow dão uma boa ideia das dificuldades e dilemas da TV paga no Brasil. Na cabeça da emissora, Malícia e Oscar Freire 279 se destinam a um mesmo público - homens e mulheres interessados em ficção erótica ("soft pornô") no final da noite. Mas os programas não poderiam ser mais distintos, por qualquer critério que se use - investimento, elenco, roteiro.

O primeiro é uma série tosca, estrelada por duas atrizes amadoras, as ex-BBB Priscila Pires e Fani Pacheco, que saem pelo interior em aventuras de duplo sentido. O segundo é um seriado ambicioso, bem escrito, com fotografia de qualdiade e elenco bacana (Lívia de Bueno, Maria Ribeiro e Julio Andrade), que se debruça sobre as aventuras de uma arquiteta paranaense que se muda para São Paulo e acaba experimentando a vida de garota de programa.

É certo, como diz o presidente da Ancine, Manoel Rangel, que a produção brasileira tem qualidade suficiente para não aborrecer o cidadão. O problema é de outra ordem. É mais fácil, tem mais apelo e, provavelmente, custa muito menos investir em programas de baixa qualidade do que apostar em algo um pouco mais ousado.

A ideia de obrigar os canais pagos a exibir uma cota mínima semanal de conteúdo nacional independente, se mal administrada, pode acabar produzindo mais produções como Malícia do que como Oscar Freire 279.

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