Vem aí mais um campeão de audiência: Youtube

O Google quer transformar o maior portal de vídeos do mundo numa máquina de fazer dinheiro. Para isso, vai concorrer com a televisão, investindo em transmissões ao vivo, no aluguel de filmes e em canais exclusivos.

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Passado e futuro: Família americana, que na primeira metade do século XX só tinha tevê em preto e branco,
hoje vê filmes pela internet graças ao YouTube, de Larry Page (na telinha)  

 
[Publicado na Revista IstoÉ Dinheiro nº735, Novembro de 2011. Por Clayton Melo, com colaboração de Bruno Galo. Disponível por este link]

O americano Chad Hurley, cofundador do YouTube, veio pela primeira vez ao Brasil em 2009, convidado para palestrar em um evento de internet chamado Digital Age, em São Paulo. A notícia da visita foi recebida com euforia. Não foi sem motivos. Tratava-se do jovem que, junto com o taiwanês Steve Chen e o alemão Jawed Karim, criou o maior portal de vídeos do mundo, um fenômeno capaz de influenciar a cultura, o comportamento na sociedade e os negócios da comunicação. Entre os assuntos que os profissionais do mercado digital brasileiro queriam ouvir, estavam os planos para fazer o YouTube dar lucro. Mas Hurley, um designer gráfico nascido na Pensilvânia, em 1977, não quis ou não pôde apresentar a fórmula mágica. “Essa é uma grande questão, mas há muito exagero no que sai na imprensa”, afirmou.“Mesmo com a crise econômica, o segundo trimestre desse ano foi o melhor da nossa história.”

Detalhe: Hurley não divulgou um dado financeiro sequer para sustentar sua informação. Vaga, a explicação não convenceu, principalmente pelo fato de que as ações publicitárias no site ainda se mostravam em estágio inicial, naquele momento, e era sabido no setor de tecnologia que seria necessário percorrer um longo caminho até ver seu caixa transbordar de dinheiro. E, embora o jovem empreendedor tenha tingido a conversa com as cores da bonança, a verdade é que a pressão para que a companhia gerasse resultados era fortíssima já naquela época. As exigências vinham de seus patrões do Google. Liderado pelos fundadores Larry Page, Sergey Brin e o então CEO Eric Schmidt, o gigante da internet havia comprado o YouTube, em 2006, por US$ 1,65 bilhão, a sua maior aquisição até então. O clima de cobrança foi confidenciado por um diretor da empresa de buscas que esteve no Brasil naquele período. Segundo esse executivo, a alta direção do Google tentava de todas as maneiras fazer aquele negócio vingar comercialmente. “Vocês inventaram o maior e mais legal site de vídeos do mundo. Agora, está na hora de ganhar dinheiro”, disse esse interlocutor graúdo, repetindo o recado que Eric Schmidt havia passado a Chad Hurley e Steve Chan.

 
Os fundadores: Chad Hurley (à esq.) e Steve Chen criaram o serviço para facilitar o compartilhamento de vídeos entre seus amigos

Dois anos depois, ainda não se sabe exatamente qual é a situação financeira do YouTube, pois os resultados não são divulgados. Mas de uma coisa não há dúvidas: a empresa, que contabiliza três bilhões de páginas vistas por dia no mundo e 48 horas de conteúdo adicionado por minuto, avançou consideravelmente em sua estratégia para a geração de receita, praticamente toda ela ainda proveniente da propaganda. Hoje, percebe-se claramente a presença de campanhas publicitárias veiculadas por anunciantes de grande porte, aqui e no Exterior. As agências colocaram definitivamente o YouTube em seus planos de mídia e não raras vezes patrocinam projetos ou criam campanhas pensadas para esse canal. Tão ou mais importante que esse aspecto, no entanto, são os novos rumos adotados pela companhia, especialmente neste ano. A estratégia desenhada foi transformar profundamente o perfil do YouTube.

O site gradativamente está deixando de ser um simples repositório de material caseiro postado por internautas para se tornar também um espaço para parceiros de renome na área de conteúdo audiovisual, como produtoras, estúdios de cinema e gravadoras. Isso não quer dizer que o YouTube dos filminhos engraçadinhos, das videocassetadas e afins, vá ser deletado do mapa. Afinal, a publicação e o compartilhamento de vídeos amadores consagraram o canal e são a base de seu sucesso. Mas o portal evoluiu e hoje se coloca no mercado como um canal qualificado de mídia, com transmissões ao vivo de mega-shows e eventos esportivos, longas-metragens de cinema, documentários, programas e locação virtual de filmes, que podem ser vistos pelo próprio portal. “O YouTube é a nova tevê”, afirmou à DINHEIRO o português Henrique de Castro, presidente mundial de mídia, mobilidade e plataformas do Google, em recente visita a São Paulo. Segundo ele, o internauta não faz mais a separação do que é conteúdo de televisão aberta, fechada ou de vídeo sob demanda.

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"O internauta não faz mais a separação entre tevê aberta, fechada e vídeo sob demanda"
Henrique de Castro, presidente de mídia do Google
Isso porque o acesso pelos meios digitais derrubou essas fronteiras e dá liberdade para que se assista a um conteúdo em vídeo onde e quando quiser. “Estamos atraindo para o YouTube cada vez mais conteúdo de forma personalizada. Pode ser a novela da tevê, um filme de Hollywood ou um vídeo feito pelo internauta”, diz. “O digital tornou a distribuição de conteúdo ilimitada.” Diante desse novo cenário, se o YouTube antes era visto pela indústria audiovisual apenas como uma ameaça por distribuir conteúdo protegido por direito autoral, agora a conversa muda de tom: em sua nova configuração, o portal do Google torna-se um concorrente direto da tevê na luta por verba publicitária e eventualmente na disputa por direitos de transmissão de grandes eventos musicais ou esportivos. Como lançou em maio seu serviço de acesso online pago a longas-metragens – serviço disponível por enquanto nos EUA, na Inglaterra e no Canadá –, passou a disputar também um mercado altamente promissor e que hoje é liderado pela americana Netflix, dona de um faturamento global, no ano passado, de US$ 2,2 bilhões.

Quando esse recurso chegar ao Brasil, enfrentará, além da Netflix, a concorrência com empresas nacionais como a Netmovies e a operadora de tevê paga Net, que atua no segmento com o serviço Now. Há outro elemento importante que amplia o significado desse movimento do YouTube. Os televisores equipados com internet, produzidos por empresas como Samsung, LG e Sony, já são uma realidade do mercado brasileiro e internacional, e a tendência é que se popularizem nos próximos anos. Esses aparelhos, que variam de 32 a 60 polegadas, são comercializados em qualquer grande rede varejista do País com o aplicativo do YouTube instalado. Ou seja: basta um clique no controle remoto para todo o conteúdo do portal ser visto numa tela grande. Se o material estiver em HD, a imagem terá uma qualidade equiparável à da novela das nove da Rede Globo, dos jogos do Brasileirão ou de algum filme estrelado por Brad Pitt e Angelina Jolie.

Nesse contexto, é perfeitamente possível dizer que o YouTube virou tevê, o que traz uma série de implicações na experiência de ver conteúdo em vídeo online e na dinâmica dos negócios de mídia. Responsável direto pelo atual posicionamento do YouTube, Henrique de Castro detalha com entusiasmo as novas investidas do portal, mas adota tom diplomático quando o assunto é o futuro da relação com as emissoras de tevê paga e aberta e com as locadoras virtuais de filmes. Questionado sobre se o YouTube virou concorrente das empresas desses dois segmentos, responde laconicamente: “Isso é sua opinião”, diz ao repórter. Ainda que não negue peremptoriamente a nova condição de rival no mercado de tevê, Castro opta pelo discurso apaziguador e diz que o YouTube funciona, no que se refere às campanhas publicitárias, por exemplo, de modo complementar à tevê tradicional. Se combinado de modo inteligente com outros meios, pode até aumentar a eficácia de uma estratégia de comunicação, pois é capaz de atrair os jovens para a frente da tela e ampliar o alcance de uma ação de comunicação iniciada na tevê.

Novos serviços: ao assumir o controle do portal, em 2006, o Google, de Larry Page (à esq.) e Sergey Brin, mudou os rumos da empresa 

Assim como Castro, Flavia Verginelli, diretora de publicidade do Google para a América Latina, também faz a linha paz e amor ao falar de YouTube e o mercado de tevê. “Temos a vocação para a parceria e a distribuição”, afirma a executiva. O portal, diz Flavia, não quer competir com os produtores de conteúdo, mas explorar – no bom sentido, claro – os horizontes abertos pela convergência tecnológica. “A ‘microprogramação’, com atrações personalizadas, é uma tendência e apostamos nisso”, diz.  “Vamos ter mais conteúdo profissional, como filmes, documentários ou programas.” A maior tacada do YouTube no campo de conteúdo premium, como se diz no jargão do mercado, foi lançada há pouco mais de uma semana e contou com investimento de US$ 100 milhões por parte do Google, segundo o Wall Street Journal. O portal apresentou nos EUA um projeto pelo qual terá cem canais de programação original e exclusiva feita por parceiros, como o próprio Wall Street Journal, a cantora Madonna e o ator Ashton Kutcher.

A intenção do YouTube é vender publicidade nesses canais, o que significa disputar verba de agências e anunciantes com as emissoras americanas de televisão. “A tevê a cabo expandiu nossas opções de programas para assistir de um punhado de canais para centenas”, escreveu no blog oficial da empresa Robert Kyncl, diretor global de parcerias de conteúdo do YouTube. “Agora, a internet traz um leque muito maior de conteúdo de entretenimento feito por produtores talentosos.” Todo esse conteúdo pode ser acessado do Brasil, mas ainda não há informação sobre uma versão similar desse projeto no País . No mercado brasileiro, a empresa lançou em julho um canal destinado ao cinema nacional, o primeiro do YouTube Brasil a concentrar material específico sobre esse tema. A intenção é realizar a cobertura de festivais cinematográficos, como o de Paulínia, em São Paulo. O projeto foi motivado por uma pesquisa feita pela Comscore, empresa americana de medição de internet. Segundo o estudo, o hábito de buscas no YouTube indica que, em um único mês, mais de 12 milhões de internautas brasileiros navegaram na categoria Cinema.

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Cinema brasileiro: a companhia de vídeos do Google criou um canal para veicular entrevistas, curtas-metragens e documentários nacionais

Isso equivale a mais de 26% de usuários ativos, ou seja, de cada quatro internautas que acessam o YouTube, um faz pesquisa sobre cinema. “Trata-se de um nicho com grande potencial de audiência e publicidade”, diz Flavia. Na linha de shows, a principal cartada foi a transmissão ao vivo do Rock in Rio, em setembro, para mais de 200 países. A apresentação da banda Metallica no evento quebrou o recorde de audiência no YouTube. Mas um detalhe ilustra bem a concorrência com a qual o YouTube tem de lidar ao investir nesse tipo de serviço: embora tenha sido exibido em tempo real para duas centenas de países, o Brasil ficou de fora porque a Rede Globo detinha os direitos de transmissão no País. Questionada sobre os motivos dessa exclusão, a Central Globo de Comunicação explicitou a posição do grupo, enfatizando as oportunidades abertas pelas novas ferramentas digitais. “Acreditamos que a internet cria para a televisão um enorme campo de possibilidades, fortalecendo seu papel de mídia preferencial do público”, diz o comunicado.

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Apresentação em Madri feita pela banda inglesa Coldplay foi exibida ao vivo para 22 países

“Mas nenhum veículo além da tevê aberta pode proporcionar o sentimento de comungar com outros milhões de pessoas, ao mesmo tempo, da mesma emoção.” A conferir. Todas essas ofensivas do YouTube, transformando-se numa tevê adaptada à era da interatividade, são reflexos de passos dados há algum tempo, observa Ana Lucia Fugulin, especialista em mídia e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing. “Esses novos projetos do portal ainda precisam ganhar mais corpo, assim como a comercialização das smart tevês no País”, diz Ana Lucia. Ela acredita, no entanto, que esse fenômeno vá crescer e facilitará a migração do público rumo ao acesso à internet pelo televisor. Assim, toda a indústria de mídia deve se adaptar rapidamente ao novo contexto. “É uma revolução que está em curso.” Humberto Neiva, cineasta e professor do curso de Cinema na Faap, também acredita que se trata de um processo inexorável. A grande questão, diz ele, é o YouTube encontrar um modelo comercial que não arrase a cadeia de negócios de mídia, composta pelos estúdios de cinema, emissoras de tevê e cineastas, entre outros. “O YouTube pode estimular a criação de novas linguagens audiovisuais, mas o xis da questão é articular muito bem os formatos comerciais para não afetar os demais envolvidos”, afirma Neiva.


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