Música para ver

Caixa de DVDs, livro e blog jogam luz sobre a era de ouro dos video clipes, entre 1975 e 1992, quando os pequenos filmes usados para promover artistas da música pop promoveram uma revolução
[Postado originalmente no Jornal O Globo - 13 de março de 2012, por Silvio Essinger]



Um caos organizado. Esse era o método de trabalho do diretor australiano Russell Mulcahy, um dos mestres daquilo que hoje os historiadores informais chamam de a era de ouro do videoclipe. Um período de revoluções que se estende de 1975 (quando o Queen gravou um proto-clipe para a bombástica "Bohemian Rhapsody") até 1992, quando o Guns n' Roses gastou US$ 1,5 milhão num superproduzido vídeo de oito minutos de duração para a canção "November Rain".

"Naquela época, ninguém sabia bem o que estava fazendo, acabávamos atirando para todo lado", diz Russell, diretor de clipes como o de "Rio" (Duran Duran) e de "Total Eclipse of the Heart" (Bonnie Tyler), em um dos documentários da caixa de três DVDs "Video killed the Radio Star", que a Coqueiro Verde está lançando no país (o que o canal VH1 exibe na dia 26).
Frame do clipe "Bohemian Rhapsody" (Queen)

– "November Rain" foi o último vídeo da trilogia que o Guns N'Roses produziu para o disco "Use your Illusion" e que muitos consideram grandiloquente e excessiva, não representativa do que era a banda. Já naquela época, os clipes estavam nas mãos das gravadoras e não dos artistas e diretores – comenta o jornalista americano Stephen Pitalo, do blog The Golden Age of Music Video (http://goldenageofmusicvideo.com/), que prepara um livro sobre o tema. – O diretor de "November Rain", Andy Morahan, me disse que até hoje não sabe muito bem sobre o que são esses vídeos!


O impacto cultural da MTV

A discussão infindável.

"Não acho que os vídeos tenham que fazer sentido. Eles só tiem que ter um visual legal", defende Nick Rhodes, tecladista do Duran Duran, em entrevista ao livro "I want my MTV", dos jornalistas Craig Marks e Rob Tannenbaum. Lançada nos EUA no ano passado, essa "história sem censura da revolução do vídeo musical" analisa a transformação de um canal de TV a cabo, lançado em 1981 para exibir vídeos musicais fornecidos pelas gravadoras em um veículo cujo sucesso comercial só foi superado por seu impacto cultural. Assim como a blog de Stephen Pitalo, o livro vai até 1992 – o último ano em que o clipe foi relevante para a MTV , posteriormente dominada por games e reality shows.

– Esse foi o período em que os grandes vídeos musicais foram criados, muitos deles por diretores que trabalhavam com liberdade e por artistas que foram impulsionados por sua presença visual. Esse período mudou a forma como a música era consumida – diz Pitalo, que inclui no seu Top 10 de diretores de clipes Russell Mulcahy, Julien Temple (que fez blue Jean" para David Bowie), Matt Mahurin ("Orange crush" R.E.M.), Peter Kagan ("Higher Love", de Steve Winwood) e Brian Grant (do sempre lembrado "Physical", de Olivia Newton-John).

O videoclipe, em sua era de ouro, acabou abarcando uma vasta gama de profissionais: diretores de cinema em busca de um troco (como John Landis, que executou o marco "Thriller" para Michael Jackson), coreógrafos (como Kenny Ortega, que fez para o cantor Billy Squier aquele que é considerado por "I want my MTV" o pior vídeo de todos os tempos – o de "Rock me tonite" – e que em 2009 dirigia o filme de Michael Jackson "This is it", além de nomes que se celebrizariam mais tarde em Holywood, como David Fincher ("O Clube da Luta") e Michael Bay ("Transformers").
"Rio" (Duran Duran)

Alguns diretores, mais do que outros, deixaram marcas profundas na história do videoclipe e por causa deles se fizeram astros. Caso de Russell Mulcahy, David Mallet e Wayne Isham, objetos dos documentários da caixa "Video Killed the Radio Star". Pioneiro, Mallet reinventou o chroma key em "Ashes to Ashes", de David Bowie, e fez dois clássicos do Queen: "Radio Ga Ga" e "I Want to Break Free". Já o americano Wayne Isham realizou alguns dos mais conhecidos clipes do metal e do hard rock, como "Turbo Lover" (Judas Priest), "Livin' on a Prayer" (Bon Jovi) e o polêmico "Girls, Girls, Girls" (Mötley Crüe), com  as perip´cias da banda em clubes de striptease em Los Angeles. "Hoje, não poderia fazer um vídeo desses, tudo é politicamente correto" diz Wayne, no documentário.

O Brasil, onde a MTV só chegou em 1990 (ou seja, quase no fim da festa), viveu a sua própria era de ouro. Foi com os clipes (ou melhor, os "musicais") produzidos entre os anos 1970 e 1980 para o programa "Fantástico". Assim como no começo da Music Television, trabalhava-se com a combinação de poucos recursos, espaço garantido e diretores animados, mas ainda tateando as formas de se lidar com aquele formato.

– Eram videoclipes antes do termo, nos quais uma geração criava uma nova forma de expressão – conta o diretor Jodele Larcher, que começou como assistente de Roberto Talma em pré-clipes históricos como o de Raul Seixas em "Maluco Beleza". – A gente estava sempre tentando fazer uma obrinha. E tinha que ter uma ideia por semana.

Pela direção de clipes do "Fantástico" passaram nomes como Boninho (autor do clipe "Lugar Nenhum" para os Titãs), Rogério Gomes (o Papinha, hoje diretor da novela "Amor Eterno Amor"), Ana Arantes (do clássico "Ideologia" de Cazuza), Ignácio Coqueiro, Carlos Magalhães, Herbert Richers Jr... Todos eles tentando criar dentro das contingências do "Fantástico".

– A gente tinha três horas para fazer cada clipe. Era como fazer um "Cassino do Chacrinha" só que com duas, três pessoas – lembra Jodele.


Postado por Mariana Galvão

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