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Tema de debates no Rio, séries feitas para a web ganham visibilidade e chegam à TV.

[Publicado originalmente no Jornal O Globo - 04 de março de 2012, por André Miranda]


Em 2010, a produtora libanesa Katia Saleh tinha uma ideia, mas também tinha um imenso problema para descobrir uma maneira de colocar aquela ideia em prática. Ela queria fazer uma série de TV sobre a juventude de seu país, tratando de sexo, drogas, corrupção e outros temas comuns em qualquer sociedade. A questão era que, no Líbano, o governo precisa aprovar o que vai ao ar na TV e costuma censurar cenas sobre sexo, drogas e corrupção. Katia, então, fez o que podia: criou um site na internet, distribuiu por lá sua série, "Shankaboot", e, no ano seguinte, ganhou um Emmy.
Produtora Katia Saleh.
As séries distribuídas pela internet, chamadas de webséries, não são apenas uma forma de burlar a proibição de governos que adotam a prática da censura. São, também, uma maneira de enfrentar um mundo em que há limitações econômicas de produção, além de espaço reduzido nas grades das TVs tradicionais. São muitos e crescentes os casos da dramaturgia que nasce e faz sucesso na web. Algumas, como está prestes a acontecer com "Shankaboot", vão para a TV depois. Outras trilham seu caminho apenas na internet.

Durante a semana, vários dos debates do RioContentMarket, maior evento sobre produção de conteúdo audiovisual da América Latina, realizado no Rio (leia mais abaixo), tocaram no tema das webséries. A própria Katia Saleh veio ao Brasil para contar sua experiência com "Shankaboot".
— Queríamos falar para jovens, sem censura, com humor e leveza. A internet foi o jeito de fugir da censura do governo e atrair o público jovem — conta Katia, em entrevista ao GLOBO. — Numa série da internet, é possível ter mais relação com o espectador. Não é apenas a série. Nós criamos vários elementos paralelos para haver participação do público. Essa é a grande diferença para a TV. As pessoas participam, dão ideias on-line e se sentem parte daquele universo. Isso fez nossa audiência crescer. Até que ganhamos o Emmy, em abril. Agora, vários executivos de TV querem comprar e exibir "Shankaboot". Vamos fechar um acordo em breve. Pena que teremos que adaptar algumas situações por causa da censura.

O que vai acontecer com "Shankaboot" é uma experiência comum — e certamente almejada — por quem faz webséries: trilhar o caminho da internet em direção à TV. Afinal, ninguém é maluco de menosprezar a penetração e a capacidade de captar recursos financeiros via publicidade de um canal de televisão. Então, as webséries ainda podem funcionar como um portfólio, um cartão de visitas para quem está dando seus primeiros passos.

A produtora Clélia Bessa, por exemplo, está prestes a levar para a TV uma série que nasceu na internet. Trata-se de "Quero ser solteira", programa que foi criado para a web por Claudia Sardinha, de 23 anos. Clélia foi professora de Claudia na PUC, gostou do que viu e ofereceu o programa para o Multishow. "Quero ser solteira" está, agora, sendo refilmada e em breve estará na TV.
— Nós já tínhamos uma experiência boa em produções multiplataforma, sobretudo por causa do "Desenrola" (filme de Rosane Svartman que também foi desenvolvido como websérie, série para a TV, game etc.). É um jeito de atingir outros públicos e, para quem está começando, de mostrar a cara. Hoje, se eu for ao Baixo Gávea, certamente vai aparecer alguém querendo me mostrar a websérie que está produzindo — diz Clélia.

A experiência multiplataforma de "Desenrola" é comum em mercados mais maduros, como o americano. Em 2003, Mark Warshaw criou a websérie "Chloe chronicles", a partir da personagem Chloe Sullivan, da série de TV "Smallville". A produção dava continuidade na internet às histórias paralelas de Chloe, uma coadjuvante, que não eram desenvolvidas na série. Hoje, Warshaw toca ao lado do brasileiro Maurício Mota a empresa Os Alquimistas, cujo mote é contar histórias em várias mídias.

— A resposta da "Chloe chronicles" foi fantástica. Hoje tenho uma rede de fãs só por causa da internet — diz Allison Mack, atriz que interpreta Chloe em "Smallville" e que também participou do RioContentMarket. — A web permite estender a experiência.

Por tudo isso, muitas das séries que acabaram se dando bem na TV fizeram ainda mais sucesso na internet. Foi o caso, por exemplo, de "Os Buchas" (da produtora carioca Dois Moleques) e de "3%" (da paulista Maria Bonita Filmes). É um caminho que Antonio Bento Ferraz, de 21 anos, adoraria seguir. Filho do falecido ator Buza Ferraz, Antonio fez com sua turma no Tablado, no ano passado, a websérie "O reino dos ursos".

— É o meio mais viável de se produzir. Você foge da burocracia do cinema e do teatro e exibe de graça no YouTube ou num site — diz Antonio.


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