Resposta da Professora Carmem Petit, professora de telejornalismo PUC-Rio e Coordenadora da TV PUC, à crítica publicada na coluna de Patrícia Kogut.
CRÍTICA: Canais obrigatórios são um sopão de televisão ruim
“Quais serão os critérios para a programação da TV Comunitária, canal 6, da Net?”, escreve um leitor amigo, velho colaborador da coluna. Ele exemplifica: “Na segunda-feira passada, estava no ar o programa ‘Dil Mendonça é show’, um festival de coisas bizarras, que falava do ‘carnaval que está chegando’. Nos créditos, aparece o telefone celular da apresentadora e o marido dela é ‘câmera e diretor-geral’”. Pois é. Além da programação de péssima qualidade, o TVC às vezes sai do ar. Quando isso acontece, aparece o aviso de que ele “está sendo transmitido pela internet”. Será que alguém acessa?
Em meados da década de 90, quando a TV por assinatura engatinhava no Brasil, a Lei do Cabo impôs às operadoras a distribuição de alguns canais, como a TV Senado; a TV Câmara; a UTV (canal universitário, mas que tem um pouco de tudo, inclusive receitas de cozinha); o canal Legislativo. Mais tarde, os operadores tiveram que engolir ainda o NBR (do Executivo federal) e a TV Justiça. A intenção não era ruim. Imaginou-se que eles dariam transparência aos atos dos três Poderes, no caso das TVs Justiça, NBR e Legislativo.
Em geral, porém, trata-se de um sopão de televisão ruim. A coisa varia dependendo da geografia. No Rio, quem se aventurar no número 14 da Net (Net Cidade) poderá conferir, por exemplo, o “Terceira visão”, uma atração esotérica apresentada por uma tal Berenice Belatto. Ela surge coberta com um xale lilás fazendo pendant com joias de cristal e dizendo loucuras. São palavras soltas que só podem fazer algum sentido no espaço sideral, que, aliás, é o cenário dela. “Será que as pessoas um dia falarão a verdade com amor?”, pergunta, fulminando a câmera. “A incompreensão, a chantagem!”, pragueja, parecendo sinceramente preocupada. Isso tudo para logo depois evocar: “O respeito, a liberdade de ação, um mundo onde todos estaremos com as mãos abertas, conscientes! Vamos continuar a nossa caminhada”. Quem toparia um convite dela?
O fato é que Berenice é só um exemplo daquilo que enche buracos nesse terreno meio baldio. Isso porque boa intenção não é suficiente para se fazer televisão. A precariedade da programação se impõe e, no geral, mesmo os zapeadores contumazes passam batido por esse pedaço do line up.
A resposta de Carmem Petit
Cara Patrícia Kogut,
Na última sexta-feira (09/03), iniciei a leitura de sua coluna, em "O Globo" (http://oglobo.globo.com/ cultura/kogut/posts/2012/03/ 09/critica-canais- obrigatorios-sao-um-sopao-de- televisao-ruim-435203.asp), atraída pela crítica sobre os canais obrigatórios de TV por assinatura. O texto usava como mote o questionamento, absolutamente genuíno, de um leitor sobre os critérios de programação da TV Comunitária (canal 6 da NET). Entretanto, aquilo que parecia ser uma boa reflexão revelou-se pouco informativo e até mesmo perigoso. Importante lembrar que vivemos em um país com predomínio da TV aberta, majoritariamente comercial, e cujas relações do veículo com a política são pouco questionadas pela imprensa, por razões óbvias.
Sinto-me à vontade para estabelecer esse diálogo pois sou leitora de sua coluna e, algumas vezes, já a utilizei em sala de aula. Compartilho de vários pontos levantados na crítica, porém, acredito que, ao invés de apenas questionar, você poderia ter esclarecido quem é responsável por aquilo que vai ao ar no Canal Comunitário. Mais: poderia ter instigado o leitor a refletir sobre a própria existência de um canal com tal perfil no line up de uma operadora cujos serviços são acessíveis a uma pequena e seleta parcela da população.
Você escreve: a "Lei do cabo impôs às operadoras a distribuição de alguns canais" que, em geral, constituem "um sopão de televisão ruim", levando o leitor a uma ideia equivocada de que eles são dispensáveis.
Sim, eles são obrigatórios e considerados de interesse público pois dão visibilidade a um mundo indispensável para a construção da cidadania. Sim, há muito que melhorar na programação desses canais. No entanto, mesmo que apresentem algo de qualidade (sim, eles fazem), nunca têm o mesmo espaço em colunas de televisão que qualquer produção ruim de uma emissora comercial (sim, mesmo as grandes emissoras produzem porcarias aos montes. Você mesma já se referiu a algumas delas).
O NET Cidade (Canal 14) a que você se refere é o chamado canal eventual obrigatório, previsto na antiga Lei do Cabo que, segundo a própria NET, em institucional disponível na internet, constitui oportunidade de um grande negócio. Assim como o programa "Terceira Visão", citado por você, o canal traz algumas horas de programação de qualidade produzida pela MultiRio. Por que não questionar os responsáveis pelo canal sobre essa diferença de conteúdo?
Como professora universitária e coordenadora de um núcleo de TV que produz programas para o Canal Universitário do Rio (UTV), gostaria de destacar:
1) Sim, temos boas intenções.
2) Sim, pensamos e queremos fazer televisão de qualidade ainda que tenhamos limitações técnicas e financeiras.
3) Sim, gostaríamos que o público não passasse batido pelos canais 4, 6, 8, 9, 10, 11, 12 e pelas TVs públicas (16 e 18) - tarefa inglória já que todos estão concentrados num limbo do line up. Há canais de programação questionável com mais visibilidade.
4) Sim, nos preocupamos em trazer contribuições do meio acadêmico para a sociedade e em formar bons profissionais de comunicação.
5) Sim, queremos ampliar as discussões sobre a programação de TV e melhorar nosso trabalho.
6) Sim, acreditamos que boas intenções não são suficientes para fazer televisão.
7) Sim, queremos esclarecer que TV universitária não é um balaio de gatos até com receitas culinárias.
8) Sim, queremos convidá-la a conhecer melhor o que fazemos.
Um abraço,
Carmem Petit
Postado por Mariana Galvão
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