Dublagem de seriados na TV paga indica o futuro do setor

Canais dizem que a medida atende à classe C; fãs se organizam para protestar

[Publicado originalmente no Jornal O Globo por Cristina Tardáguila em 22 de abril de 2012]

RIO - No último dia 10, por volta das 21h, quem é fã de seriado americano se acomodou diante da televisão para ver a estreia da badalada "The firm", no canal AXN. Era o primeiro episódio da primeira temporada da produção que, desde o fim do ano passado, dá nova vida aos personagens do best-seller "A firma", de John Grisham, e angaria bons índices de audiência nos Estados Unidos. A ansiedade dos fãs brasileiros era grande, mas a surpresa foi ainda maior. O capítulo estava dublado, e o canal não ofereceu a opção de áudio em inglês acompanhado de legendas em português.Cinco dias mais tarde, às 22h de domingo, a situação se repetiu. O fã de "Once upon a time" só pôde ver em português a reprise do primeiro capítulo da série. Em pleno horário nobre, a Sony não ofereceu a seu assinante a opção de escolher o áudio original com a legenda em português.

Imagem do seriado The Listener

Assim, quase que instantaneamente, uma avalanche de queixas tomou a internet. Nas redes sociais, ganhou força o movimento #DublagemSemOpçãoNão — ativo desde o ano passado, quando o grupo Sony anunciou que as novas séries de seus canais viriam dubladas — e engrossou a lista de assinaturas na petição pública que exige que os canais pagos "garantam o direito de escolha e ofereçam os mesmos programas com áudio original e legendas em português". Naquela noite, o documento já contava com mais de seis mil assinaturas.

‘Público mais amplo’

Alberto Niccoli Junior, responsável pelo AXN e pela Sony, diz estar ciente das queixas, mas explica a posição:

— O áudio dublado representa um valor adicional para um grande público que quer desfrutar de uma programação de alta qualidade em seu idioma. Como as condições técnicas para oferecer múltiplas possibilidades de áudio não estão completamente disponíveis no Brasil, optamos por iniciar o processo de dublagem a fim de atender a um público mais amplo.

É a TV paga se alinhando a outros setores econômicos e se preparando para atender à classe C, movimento considerado irrefreável pela Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA).

— A classe C já tem uma capacidade de compra significativa, e seu afluxo impõe um inegável aumento da dublagem — diz Alexandre Anneberg, presidente da entidade. — Estamos falando de uma classe que gosta e exige produtos desse tipo, e ter os dois serviços encarece bastante, exatamente num momento em que a pressão é por preços cada vez mais baixos.

Atualmente, pouco mais de 270 municípios em todo o país contam com serviços de TV a cabo. Mas a Anatel e a Ancine devem regulamentar até meados do ano a lei 12.485, aprovada em setembro de 2011, permitindo que o mercado cresça exponencialmente. E, ao que tudo indica, a direção é a de um país que pede mais português.

— A TV paga já penetrou bem nas classes A e B. O potencial agora está na C e na D — justifica Anthony Doyle, vice-presidente da Turner no Brasil e responsável por canais que há tempos apostam em dublagem, como TNT e Space.

Segundo Doyle, pesquisas da empresa indicam que assistir à televisão ainda é, no Brasil, um programa de família:

— Por isso, a programação tem que se expandir nessa direção: com conteúdo familiar, que seja fácil de consumir.

Entre os nove canais mais vistos da TV paga brasileira em 2011, seis dispensam legendas.

— Nós só queremos que haja opção para todos: nem só legenda nem só dublado — defende Bruno Carvalho, criador do movimento #DubladoSemOpçãoNão, da petição pública e do blog Ligado em Série. — E hoje em dia isso é tecnicamente possível de ser feito.

A Sky atesta. Diz que a operadora é capaz de disponibilizar todas as opções de áudio desde que elas sejam oferecidas pelo canal.

Carvalho e os cerca de 30 blogueiros que o acompanham já conquistaram uma vitória: a Sony abriu na grade de seis reprises de "The firm" um horário para a versão legendada. Acontece às quartas-feiras, às 22h.

— Fizemos um movimento para mostrar que há demanda e que nos sentimos lesados em nosso direito de consumidor quando os canais fazem trocas sem nos consultar, e continuamos pagando o mesmo valor.

‘O preço da distribuição de renda’

Para o Procon do Rio de Janeiro, a petição pública dos fãs da legenda já tem "força considerável" e pode levar a uma proposta de estratificação dos custos por parte da entidade. Assim, pagaria mais caro quem quisesse as legendas.

Paulo Barata, do Universal Channel, vê outra solução:

— Ao se optar pela dublagem, é importante oferecê-la como um benefício, com possibilidade de escolha, seja por meio de opções de horário ou do mecanismo de seleção de áudio.

O antropólogo Everardo Rocha, da PUC-Rio, faz uma leitura radical do embate:

— É mais um caso do confronto entre o dinheiro novo e o dinheiro velho. A perda da legenda é o preço que vamos pagar por ter uma melhora na distribuição de renda, mas nós deveríamos nos orgulhar disso.

Segundo Rocha, a TV paga e o Brasil como um todo vivem "um processo de acomodação, de rearrumação". Um dos frutos disso é a democratização do acesso à cultura:

— E tem mais: se aqueles que se incomodam com a dublagem estivessem verdadeiramente preocupados com o eruditismo, teriam lutado para ver "Gladiador" em português. Nossa língua está muito mais próxima do latim do que o inglês.

[Postado por Mariana Galvão]

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