[publicada em TELA VIVA #224 - março 2012]
Incertezas dificultam a adequação da programação da TV por
assinatura à Lei do Serviço de Acesso Condicionado (Lei 12.584/11)
Até o fechamento desta edição, não havia saído o regulamento
final Ancine para a Lei 12.584/11, que cria o Serviço de Acesso Condicionado
(SeAC). Sem este regulamento, cuja consulta pública terminou no início de
março, ainda restam dúvidas em relação ao tamanho da adaptação necessária para
que o setor esteja de acordo com a nova lei. No entanto, é possível prever
algumas mudanças que devem acontecer no line-up das operadoras.
No final de 2011, o diretor de programação da Net Serviços,
Fernando Magalhães, minimizou o impacto das cotas de programação na Lei
12.584/11. No seminário “Os efeitos da nova lei da TV por Assinatura”,
promovido por TELA VIVA, Magalhães disse que, na prática, o impacto da nova
regra é administrável. “Por enquanto, vamos ter que aumentar a distribuição de
alguns canais já distribuídos pela Net”, disse. No prazo de três anos admitiu
que terá de acrescentar “cinco ou seis canais” ao line-up.
Vale lembrar, a lei 12.584/11 determina que nos canais de
espaço qualificado (leia box no final da matéria), no mínimo 3h30 semanais dos
conteúdos veiculados no horário nobre deverão ser brasileiros e integrar espaço
qualificado, e metade deverá ser produzida por produtora brasileira
independente. Em relação à cota de canais, pela lei, em todos os pacotes
ofertados aos assinantes, a cada três canais de espaço qualificado existentes
no pacote, ao menos um deverá se canal brasileiro com canal qualificado. Além
disso, da parcela mínima de canais brasileiros de espaço qualificado, pelo
menos um terço deverá ser programada por programadora brasileira independente.
As cotas de canais e conteúdo são reduzidas a 1/3 no
primeiro ano de vigência da lei e a 2/3 no segundo ano.
Mudanças
Uma varredura nos pacotes ofertados pelas maiores operadoras
do serviço de TV por assinatura mostra que, já no primeiro ano, algumas
mudanças devem acontecer nos line-ups. Na maior parte dos pacotes de entrada
estão presentes canais da Globosat que devem ser considerados qualificados para
cumprir a cota de canal brasileiro. No entanto, não há nos pacotes de entrada
nenhum canal que veicule, no mínimo, doze horas diárias de conteúdo audiovisual
brasileiro produzido por produtora independente. Pela lei, são necessários pelo
menos dois canais com esta característica nos pacotes. Esta regra deve beneficiar
a Globosat, com o seu Canal Brasil, disponível na maioria dos grandes
operadoras, mas não em todos os pacotes, e também o CineBrasilTV e o
recém-lançado Box Brasil TV.
Além disso, esta saber qual será o critério adotado para
definir “controladora, controlada ou coligada”. Isto porque um terço dos canais
brasileiros de espaço qualificado deverá ser programado por programadora
brasileira independente. Segundo a lei, o que caracteriza este tipo de
programadora é: não ser controladora, controlada ou coligada a empacotadora ou
distribuidora; não manter vinculo de exclusividade que a impeça de
comercializar, para qualquer empacotadora, os direitos de exibição ou
veiculação associados aos seus canas de programação.
A Ancine, na proposta de alteração na IN 91, reduziu os
elementos de caracterização de controle que já existiam na regulamentação a
ponto de considerar controlador apenas o “titulas de direitos de sócio que lhe assegurem
, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e poder de
elegera a maioria dos administradores.” Segundo a agência, foi um movimento para
alinhar conceito ao da Lei das S/A. Até então, a IN 91 previa não só esse
elemento de caracterização de controle como também direito de veto, voto em
separado e impedimento à verificação de quórum qualificado.
A proposta de minuta da Ancine para regulamentar a lei,
adota uma definição de controle considerada inadequada e muito flexível por
entidades de defesa da democratização das comunicações. Há setores dentro do
governo que não concordam com essa flexibilização. A Secretaria do Acompanhamento
Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE), em duas contribuições à consulta
pública da Ancine para instruções normativas que regulam a SeAC, manifestou-se
em linha com que já haviam sugerido entidades de defesa da democratização das
comunicações. Para a SEAE, a Ancine não adota um caminho adequado do ponto de
vista concorrencial ao recuar nas regras de controle. Para a secretaria, este
recuo em relação aos níveis atuais considerados para interesse nos vínculos
societários relevantes tem impactos nas relações verticais entre fornecedores
ou potenciais fornecedores de serviços da cadeia da TV paga.
Na prática, o critério usado para definir se uma empresa é
ou não controlada ou coligada é o que vai decidir se uma programadora como a Globosat,
por exemplo, será considerada programadora independente. Se o critério for
alterado na Instrução Normativa, será necessário contemplar outras
programadoras, além da Globosat e Newco, braço de programação de TV paga de
grupo Bandeirantes.
Já há programadoras se movimentando para se adequar à regra
e ocupar o espaço. O canal Climatempo, por exemplo, quer aumentar número de
produções nacionais em sua grade para se enquadrar como canal qualificado de
conteúdo nacional e independente. Embora já produza programas e documentário
(tem cerca de 50 títulos e sua grade), o canal pretende ampliar sua base de
conteúdos voltados, sobretudo, a questões ligadas à sustentabilidade e meio
ambiente, conta Carlos Magno, presidente da empresa. Com isso, o canal se
apresenta como opção para o atendimento das cotas de programação nacional
previstas na nova lei, e busca aumentar sua distribuição. Hoje o Climatempo
está na Sky e em algumas operadoras de cabo. “Parece que a lei foi feita sob
medida para nós, porque podemos atender exatamente aos requisitos que estão
colocados”, diz Magno.
Outra regra diz que todo pacote que leve um canal brasileiro
de jornalismo deve oferecer um segundo canal da mesma categoria. O canal
Globonews, por exemplo, está grande parte dos pacotes de entrada das operadoras.
A regra favorecerá a Newco, com a BandNews, que não conta distribuição tão expressiva quanto a de seu
concorrente.
Oferta e procura
Ao minimizar os efeitos das cotas, Fernando Magalhães acaba apontando
um problema para as operadoras nos próximas nos. O fato é que as grandes
operadoras não têm, pelo menos hoje, onde buscar “cinco ou seis” canais
brasileiros adicionais. Em entrevista a TELA VIVA, Antonio João Filho, diretor
executivo da Embratel responsável pela operação de TV por assinatura Claro TV,
firmou que se as regras entrassem em vigor hoje, faltariam canais.
Este é um dos pontos atacados pela Sky na dura campanha que
fez na mídia contra a Lei 12.485/11 e a proposta de regulamentação. A operadora
apontou em sua campanha que a “lei estabelece que conteúdo esportivo e os canais de esporte não são
válidos para cumprir a cota de conteúdo nacional e de canal nacional”. Segundo
a operadora, isso criará uma restrição à veiculação de esportes, prejudicando
que o esporte nacional.
No line-up SD da Sky, os canais se os canais esportivos e
noticiosos fossem considerados qualificados, mais 12 canais entrariam na conta,
dos quais sete são gerados no Brasil. Se apenas os esportivos fossem
considerados qualificados, sete entrariam na conta, sendo apenas dois estrangeiros.
Portanto, em ambos os casos a operadoras sairia com um “crédito” nas cotas. O
fato é que esta qualificação está na própria lei e, portanto não se trata de
uma decisão que possa ser revogada por um agente regulador.
Repetição
Além da definição de controle, que pode alterar a composição
dos pacotes de programação, outra questão pendente do regulamento tira o sono
de programadoras e produtores: o índice de repetição dos conteúdos nacionais
aptos a cumprir as cotas.
A repetição de programas é praxe na TV por assinatura. Os
canais reproduzem diversas vezes o mesmo conteúdo ao longo do mês para alegadamente
dar chance a todos os assinantes de assistirem a determinado programa em
horário s alternativos.
A Ancine propôs originalmente que os conteúdos pudessem ser
repisados até dez vezes para efeito de cumprimento de cotas. Os programadores
acham pouco. “O mínimo seria de 20 vezes, que é a média dos canais”, contou um
programador a TELA VIVA. Isso garantiria que o investimento feito em filme ou
série pudesse ser diluído em diversas reprises, contando para o atendimento das
cotas (a Ancine não vai determinar o número total de repetições considerado
para cumprimento da cota).
Um produtor ouvido pro esta reportagem pensa o oposto: “Não
deveriam permitir nenhuma repetição. Se permitirem dez reprises, estão diminuindo
o total de horas produzidas por dez.” queixa-se. “Se a ideia da lei é estimular
a produção, não pode repetir. Senão o total de horas produzidas anualmente será
insignificante”, conclui.
Vale destacar, a Ancine, além de propor um número máximo de
reprises, lançou um questionamento à sociedade em sua condita pública sobre a
melhor maneira de regular as reprises. A agência também cogita liberar o número
de reprises, mas restringir o período em que uma mesma obra possa ser usada para
cumprimento de cota em uma mesma programadora.
O produtor também lembra que a lei trata igualmente coisas
diferentes, e que a regulamentação deveria fazer a diferenciação de gêneros de
conteúdos. “A cota deveria ser diferente para ficção, animação e programas
documentais ou de não ficção, como os realities, porque os custos e os prazos
de produção são completamente diferentes”, disse. “Se for igual, os
programadores vão priorizar a produção não ficcional, que é muito mais barata”,
completa.
Uma solução seria ajustar o número de repetições por gênero
de programa, permitindo mais reprises, por exemplo, de conteúdos mais
elaborados e caros, como séries animadas.
Exceções
Em evento promovido pela associação NeoTV, que representa pequenos
e médios operadores de TV por assinatura, o presidente da Ancine, Manoel
Rangel, foi questionado por pequenos operadores sobre como a agência trataria
os canais locais controlados e operados pelas atuais concessionárias de TV a
cabo. Pela lei, a partir do dia 12 de março, esses canais não podem mais
pertencer a uma operadora e precisariam ser transferidos para alguma outro
proprietário que não seja empresa de telecomunicações. Os operadores lembraram
que estes canais não só são importantes para suas operadoras e para as
localidades como foram estimulados pela lei anterior, de 1995 (Lei do Cabo). O
presidente da Ancine reconheceu a importância dos canais locais e seu papel
junto às comunidades, mas disse que a Ancine ainda não tem uma reposta sobre
como será o tratamento nesses casos em que o controle pertença as própria
empresas exploradoras do serviço, e que estudará uma solução pata flexibilizar
a regra, dede que não entre em conflito com alei, “Por uma leitura mais ortodoxa
da lei, estes canais não poderiam mais existir desta forma”, disse.
Outro aspecto tratado por Rangel diz respeito ao dispositivo
previsto em lei e na regulamentação proposta pela Ancine que dá à agência de
cinema a prerrogativa de suspender em casos excepcionais cotas de programação.
Rangel disse que esse dispositivo será acionado apenas em casos de exceção e
que se levará em conta, além das questões técnicas que estejam sendo colocadas
como justificativa para a dispensa de cotas, também o tamanho e o tempo de
operação dos canais e programadoras solicitantes. “Um canal novo, ainda
pequeno, pode ter as obrigações suspensas por um tempo até que se estabeleça”,
afirmou.
Ancine
Finalmente, uma grande preocupação de toda a cadeia, e
talvez o único ponto em comum entre
produtores e programadores, é a capacidade que a Ancine terá de processar todos
os pedidos, emitir a tempo os certificados necessários e fiscalizar o
cumprimento de todas as exigências.
“A agência ainda é muito lenta e burocrática”, disse um produtor
a TELA VIVA. “Às vezes leva seis meses para emitir um certificado, ou dois meses
só para enviar uma solicitação de documentação ou esclarecimento. Como
vai fazer quando houver esse multiplicação dos
pedidos para produção de TV, que além de tudo é um mercado dinâmico, que
exige velocidade e planejamento?”, questiona.
A Ancine vem reiteradamente afirmando que está estruturando
e se preparando para a nova demanda que virá com a aplicação da lei. Os relatos
de produtores e programadores ouvidos pela reportagem ainda não reflete estas
mudanças. A realidade será conhecida nos próximos meses, quando os regulamentos
estiverem na rua e a fiscalização começar pra valer.
DEFINIÇÕES DA LEI
12.485/11
Espaço Qualificado
É o espaço total do canal de
programação, excluindo-se conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e
ventos esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos
eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual veiculado
em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e programas de
auditório ancorados por apresentador.
Canal de Espaço Qualificado
É o canal de programação que,
no horário nobre, veicule majoritariamente conteúdos audiovisuais que
constituam espaço qualificado.
Canal Brasileiro de Espaço Qualificado
É o canal de espaço qualificado
que cumpra os seguintes requisitos, cumulativamente:
a)
Ser programado por programadora brasileira;
b)
Veicular majoritariamente, no horário nobre,
conteúdos audiovisuais brasileiros que constituam espaço qualificado, sendo
metade desses conteúdos produzidos por produtora brasileira independente;
c)
Não ser objeto de acordo de exclusividade que
impeça sua programadora de comercializar, para qualquer empacotadora
interessada, os direitos de sua exibição ou veiculação.
Programadora Brasileira Independente
É a programadora brasileira que
atenda os seguintes requisitos, cumulativamente:
a)
Não ser controladora, controlada ou coligada a
empacotadora ou distribuidora;
b)
Não manter vínculo de exclusividade que a
impeça de comercializar, para qualquer empacotadora, os direitos de exibição
ou veiculação associados aos seus canais de programação.
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