Para as massas

Globo aposta suas fichas na classe C e aponta as tendências na forma como pretende explorar o novo cenário do mercado de mídia.

[Publicada originalmente pela Revista Tela Viva, em Março de 2012, por Ana Carolina Barbosa]



No início do mês de março, a Globo realizou, em São Paulo, seu evento anual para o lançamento da programação de 2012. Na festa, destinada ao mercado publicitário, anunciantes e imprensa, foram apresentados diversos novos programas e apontados outros ainda sem lançamento oficial. 0 que se pôde concluir é que o maior grupo de mídia do país está mais atento à crescente classe C e seu agora poderoso poder de consumo. Esta atenção se reflete claramente na programação. "Desde os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, a economia tem conseguido se estabilizar do ponto de vista da inflação e do câmbio. A classe emergente é de mais de 110 milhões, absorve mais de 50% de todo o consumo", disse Octávio Florisbal, diretor geral da emissora.

Segundo o executivo, a classe C "está mais aberta ao consumo de mídia", com acesso a TV paga e Internet. Além disso, tem mais acesso ao lazer fora de casa, sobretudo nos finais de semana. "Há mudanças comportamentais que precisamos acompanhar", disse Florisbal. Mesmo com essa dispersão na atenção da audiência, a Globo trabalha com a meta de reconquistar os 19 pontos de audiência no horário das 7h00 às 24 hOO. Em 2011, disse Florisbal, a média ficou em 18 pontos. "Mas chegamos aos 19 pontos de segunda a sexta". Para a emissora, "um ponto de audiência, assim como um ponto percentual no share publicitário, é muito importante". Ele diz que a audiência passou por poucas mudanças desde 1997. O total de aparelhos ligados se manteve estável. A Globo perdeu neste período três pontos de audiência, que, segundo o executivo, migraram para o que o Ibope aponta como "outros canais", ou seja, a TV por assinatura. "A perda percentual é compensada pelo crescimento no número de lares no Brasil", completou (veja matéria de capa desta edição).

A busca pela audiência e pela atenção do novo perfil do público se reflete nas novidades de programação apresentadas, recheadas de elementos populares, como a música e os ambientes, como as novelas "Amor, Eterno Amor", "Cheias de Charme" e "Avenida Brasil"; a macrossérie "Gabriela" e a série "Louco por Elas". Foi anunciada também a volta do humorístico "Casseta e Planeta" à grade. Os jornalistas Pedro Bial e Fátima Bernardes ganharão programas de variedades.

0 núcleo de esporte ganhou uma mascote animada, para aproximar mais o conteúdo do público, e apresentou a cobertura de uma série de eventos, incluindo as hoje populares lutas de UFC, mas não mencionou os Jogos Olímpicos de Londres, cujos direitos de transmissão a Record detém. Florisbal garantiu que a Globo fará uma cobertura "com toda a dignidade". "Temos que prestar serviço aos nossos telespectadores", observa. O executivo conta que serão seguidas as recomendações do COI, que autoriza as redes que não detêm os direitos de transmissão a exibir entre 2 e 3 minutos diários de imagens.

Outra mudança importante é que a programação infantil deve ser eliminada da grade de segunda a sexta, restringindo-se aos sábados, com preferência para o conteúdo nacional. Além de "Sítio do Picapau Amarelo", produção da Mixer, a emissora exibe também a "Turma da Mônica". "Em alguns mercados internacionais, não há conteúdo infantil na TV aberta. Tanto do ponto de vista de audiência quanto do mercado publicitário é muito restrito", observou Florisbal. "Decidimos reduzir a presença do infantil em TV aberta, sabendo que em TV paga vai bem. O SBT será favorecido, pois ainda mantém esta faixa nas manhãs e vai muito bem. Nós, a Record e outras redes procuramos o público adulto neste horário", disse.

Rede

Ainda no evento, a Globo acabou apontando algumas tendências que vão além da grade de programação. Segundo Florisbal, no triênio 2012 2014, a Globo deve ver "a consolidação das plataformas digitais". No mesmo evento do ano anterior, o executivo havia anunciado um projeto de afiliação, semelhante ao da televisão, na Internet. Desta forma, cada emissora tem um portal local, com conteúdo regional, junto ao conteúdo nacional. 0 projeto, diz o executivo, deve estar completo até o final deste ano.

Ainda na área digital, Florisbal diz que a Globo vê grande potencial na mobilidade. Ele cita estudos que apontam que, até 2016, 100 milhões de celulares no Brasil serão smartphones. A emissora já cogita, inclusive, a criação de uma rede com afiliadas também nesta plataforma, diz o executivo. No entanto, "por razões estratégicas", não foram dados detalhes de como a Globo deve explorar esta mídia.

Outra novidade apontada no evento é uma proposta da emissora para que parte da cobertura nacional de TV digital se dê através do satélite. Florisbal afirmou que é necessária uma rediscussão do plano de digitalização da TV aberta para contemplar 4 mil cidades, que abrigam 30% da população nacional. Segundo ele, a retransmissão de TV digital nestas localidades não é economicamente viável. A proposta da Globo é usar o satélite, com conteúdo gerado por emissoras regionais.

Algumas afiliadas da Globo, como a RPC, do Paraná, a RBS, do Rio Grande do Sul, e a TV Anhanguera, de Goiás, já estão transmitindo o sinal local HD via satélite, pelo sistema HD Sat Regional. Mas pela primeira vez a Globo fala em usar o satélite não apenas para antecipar a chegada do sinal HD às praças, mas também como substituto do sinal terrestre em alguns locais.

Segundo Florisbal de 2008 a 2011, a Globo digitalizou 50 geradoras e 20 retransmissoras, responsáveis pela cobertura de 50% da população e do potencial de consumo. A meta é, até 2014, ter 122 geradoras e 300 retransmissoras digitais, cobrindo 70% da população até a Copa do Mundo.

Tecnologia

A Globo demonstrou no evento dois importantes experimentos tecnológicos que fez durante a cobertura dos desfiles do Carnaval no Rio de Janeiro. Em parceria com a Sony, a emissora captou os desfiles em ultra alta definição, tecnologia conhecida como 4K. Além disso, pelo quarto ano consecutivo, a Globo também fez a captação em 3D.

Segundo Raymundo Barros, diretor de engenharia da Rede Globo, a captação em 4K, com definição quatro vezes maior que a alta definição da TV digital, foi feita com duas câmeras F65, da Sony. Estas câmeras contam com sensores 8K, embora o processamento do sinal seja em 4K. Barros explica que a Globo já tem know how e estrutura de captação com câmeras com sensores de 35 mm, usadas atualmente nas captações externas de dramaturgia. Além disso, conta também com um workflow 4K para a área de efeitos.

"A F65 tem seu espaço no cinema. A Sony quer encontrar a forma de trabalho para o equipamento também em televisão", explica Barros. Para isto, a Globo foi convidada a produzir um curta-metragem sobre o Carnaval, que será exibido pela primeira vez durante a NAB 2012, em abril. O material captado pela câmera de cinema digital foi editado em 24 quadros por segundo com varredura progressiva. O curta será finalizado em 60 quadros por segundo, também com varredura progressiva. Isto está sendo feito pela própria Sony, no Japão, uma vez que não há estrutura para fazer isso no Brasil.

Para o diretor da Globo, este tipo de experiência é fundamental, uma vez que "a evolução da TV não para no HD". Segundo Barros, não há um padrão para transmissão em 4K, mas a tecnologia deve chegar à TV aberta em alguns anos.

Já a captação em 3D foi responsabilidade do diretor de engenharia multimídia José Dias. Este foi o segundo ano em que as imagens em 3D foram transmitidas em parceria com a Net. Segundo Dias, foram usadas seis câmeras estereoscópicas, três delas montadas em "rigs", duas handicam (uma Panasonic e uma Sony) e uma For-A super slow motion. Na maior parte da avenida, no entanto, as imagens em 3D foram geradas com a conversão de imagens HD.

Dias conta que a Globo produzirá um curta, contando a história dos desfiles de Carnaval, desde o início da montagem dos carros e das alegorias, até o desfile. Este conteúdo será exibido em salas 3D Imax.

Espectro

No longo prazo, a Globo não deve abrir mão de colocar essas novas tecnologias disponíveis para seus telespectadores da TV aberta. Ainda que hoje não haja tecnologia economicamente viável para isso, dificilmente a emissora optará por ser uma geradora de sinais para empresas de TV por assinatura. Ou seja, essas novas tecnologias devem ser utilizadas como argumento pela Globo para reivindicar mais espectro, ou pelo menos a manutenção do espectro atual.

Coproduções e presença internacional

Na área internacional, ficou clara a tendência em oferecer formatos e coproduções. Como exemplo, a Globo coproduzirá a novela "Fina Estampa" com a. Telemundo. Outro projeto de coprodução também está em andamento com a TV Azteca no México. Os mercados de língua portuguesa e de língua hispânica têm sido os principais focos da equipe internacional.

Em relação ao canal internacional, a Globo também procura ampliar sua atenção nos mercado lusófonos. No ano passado, o canal abriu escritório em Portugal e, segundo Florisbal, há planos de ter um escritório também em Angola, onde o canal da Globo tem forte presença, inclusive com programas locais.

Incentivo

A Globo deve anunciar novas atrações produzidas por produtores independentes com recursos do Artigo 3"A, a exemplo do que aconteceu com a animação "Sítio do Picapau Amarelo", produção da Mixer. que a emissora estreou este ano. "A TV Globo e a Globo Filmes querem aproveitar o máximo possível do 3"A", afirmou Octávio Florisbal, diretor-geral da Globo.


[Postado por Mariana Galvão]

Comentários

  1. Toda vez que leio sobre esta dedicação especial da televisão à (aparentemente recém-descoberta) classe c, sempre surge em mim a mesma dúvida. Se historicamente uma emissora como a Globo vem garantindo certo predomínio de mercado, é natural concluir que, desde antes, já se antigia uma ampla fatia de público e, sobretudo, do público popular. Digo isso, porque, no caso brasileiro, a maioria está para além da elite - ou seja, nos grupos menos escolarizados, menos bem localizados em dimensão econômica e por aí vai. De certo modo, portanto, a classe c já era uma conquista da Globo, mesmo quando a programação desta emissora não falava diretamente - vide "Cheias de Charme", "Esquenta", afins - para ela. Enquanto canais de características diferentes - SBT, Band - apesar da linguagem mais assumidamente popular, não obtiveram semelhante sucesso.

    Esta repentina mudança de posicionamento da maior emissora de tv do país - elegendo, agora, um novo público-alvo declaradamente - é uma estratégia em nome do temor a quê? Que motivos levam uma líder de audiência a mudar, ainda que pelas beiradas, um formato e uma linguagem vitoriosos? Tudo isso são ecos do crescimento, nas camadas populares, do acesso à tv paga?

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  2. Olá, pessoal
    Eu faço minhas as suas perguntas, Bernardo. Eu tenho feito algumas investigações sobre esse furor com a classe C me questiono da mesma forma do motivo da Globo estar reformulando alguns de seus programas, como as novelas (incluindo Malhação).
    Eu acho primeiramente que o acesso à TV paga das camadas populares é sim um dos motivos. Desconheço como isso se dá no interior do país, mas se considerarmos que o público do sudeste é importante - pois a maioria dos discursos da novela tratam sobre coisas daqui - então recuperar esse pessoal é importante. O Gatonet não é brincadeira, de fato, ele está presente em várias casas, até mesmo nas mais pobres. Em Senador Camará, bairro da Zona Oeste, o negócio custava só R$ 20,00 e tinha um mundo de canais.
    Pois bem, creio que o termo "classe C" seja uma jogada linguística, pra colocar na boca do povo (e da imprensa) um jeito de chamar atenção para esse processo, como dito na matéria, vem ocorrendo desde a estabilização do Real em meados dos anos 90.
    Ou seja, de fato, milhares de brasileiros estão experimentando agora outro tipo de vida. Eu posso ver aqui perto de casa: a quantidade de shoppings - sempre com uma discreta lojinha da Nobel, cheia de livros de autoajuda e infanto-juvenis na vitrine - é absurda. E eu moro na Zona Norte do Rio, onde pessoal é pobre, gente. E são shoppings enormes em Guadalupe (agora são 2 lá); Campo Grande, Bangu e por aí vai.
    Eu acredito que no meio desse processo (ainda que minha análise tenha sido pequena e com certeza, cheia de brechas) a televisão não pode permanecer a mesma. Acho que a Globo, assim como a Record que, aliás, foi pioneira no horário nobre a trazer a favela para um núcleo significativo (acho que foi em Vidas Opostas) e todas as outras emissoras, com maior ou menor sucesso, em novelas ou programas jornalísticos, estão experimentando mudanças nos formatos. Acho que seria muita burrica da Globo não chamar a atenção para si que é do "povão", enquanto outros setores da economia fazem o mesmo. E continuar com programas que mesmo populares, estão completamente distantes de um imaginário popular e mais ainda, com fórmulas cansativas e com criatividade em nível baixo é arriscar-se levianamente. Pessoal liga o Gatonet e vai ver seriados a vontade.

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