Quando a narrativa transmídia vira ouro


[publicado originalmente em Segundo Caderno - O Globo, por André Miranda]





De tudo o que a produtora Os Alquimistas vem fazendo hoje, talvez só fique faltando mesmo transformar pedra em ouro. O resto — de dar a um autor clássico como Nelson Rodrigues uma nova roupagem a inaugurar no Rio em 2013 um grande centro de pensamento sobre a indústria do entretenimento — eles fazem, ou ao menos compreendem que há infinitas possibilidades para o futuro da atividade milenar de se contar uma história. Com clientes como Marvel, MTV, Televisa, Coca-Cola ou Apple, Os Alquimistas vêm se tornando uma referência em narrativas transmídias, integrando produtos, marcas, enredos ou pessoas em diferentes formatos e plataformas.

A empresa foi criada em 2009 depois do encontro entre o brasileiro Maurício Mota e o americano Mark Warshaw. Meses antes, Mota havia sido convidado para dar uma palestra no Massachusetts Institute of Technology (MIT), o mais reconhecido instituto de tecnologia dos EUA, sobre um game voltado para a criação de histórias que desenvolvera. Foi lá que ele conheceu Warshaw, produtor responsável pelas narrativas transmídia de séries de sucesso como “Heroes” e “Smallville”.

— Os maiores cases de transmídia na TV no mundo foram desenvolvidos pelo Mark — diz Mota. — Primeiro, nós lançamos um blog chamado Os Alquimistas Estão Chegando, que reunia gente de todo o mundo para falar de narrativa transmídia. Nós tínhamos a bênção do Henry Jenkins (professor americano, autor de “Cultura da convergência”) e rapidamente nos tornamos reconhecidos. Aí resolvemos não ficar apenas discutindo, mas lançar algo de concreto. A empresa nasceu assim.

A questão, para Os Alquimistas, é que a natureza de seu negócio envolve poucos elementos de fato concretos. A narrativa transmídia é um termo que define ações que possibilitam contar a mesma história em diferentes suportes, como cinema, TV, internet, celular, tablet ou o que mais for inventado. O limite, segundo Mota, depende do investimento que uma companhia queira fazer e da imaginação.

— As pessoas costumam achar que a narrativa transmídia só serve para ficção científica e fantasia. Isso está errado. Tudo depende de uma criação colaborativa — afirma Mota. — “Smallville” fez tanto sucesso na internet porque deram carta branca para o Mark trabalhar. Havia uma série de TV, que era a nave-mãe do projeto. A partir dela, surgiram outros produtos integrados, de maneira orgânica, com liberdade para estender a história, mas sempre respeitando a nave-mãe. É assim que funciona.

Hoje, Os Alquimistas têm escritórios no Rio, em Los Angeles e em Londres, onde trabalham mais de 20 pessoas. Entre elas está Flourish Klink, americana que, quando adolescente, fundou a maior comunidade de fãs de Harry Potter no mundo. Na empresa, Flourish usa a vasta experiência adquirida em seus 23 anos de vida para liderar a Divisão de Cultura do Fã.

— Nós trabalhamos para atrair e falar com os fãs, seja de uma série, de um filme, de um livro ou de uma marca — explica Mota. — Uma coisa é você ter um milhão de amigos no Facebook. Outra é você criar estratégias para que aqueles amigos propaguem o conteúdo que você gera para suas próprias redes. Exibir é bom, propagar é melhor ainda.

São muitas as frentes de trabalho da empresa. Para a Marvel, eles desenvolveram um piloto de um reality show, ainda inédito, voltado para o público adolescente e que, claro, envolve os super-heróis da editora. Com a Apple, vêm se reunindo para pensar em narrativas específicas para o iPad. Seu primeiro trabalho será em torno do best-seller infantil “Flotsam”, de David Wiesner. Os Alquimistas estão criando o que chamam de “livro dinâmico”, aproveitando as possibilidades do tablet.

Também com a Apple, a empresa de Mota e Warshaw prepara a chegada dos livros de Nelson Rodrigues para o iPad. Nesse caso, a iniciativa é ainda maior: neto de Nelson Rodrigues, Mota obteve autorização da família para elaborar o projeto Cem Vezes Nelson, a ser lançado em agosto, mês em que se celebra o centenário do autor. A ideia é, durante cinco anos, contar histórias de Nelson Rodrigues de cem formas distintas. Um aplicativo de celular, por exemplo, vai permitir que se mande por mensagem frases de seus livros. Já a série de crônicas “A vida como ela é” vai ser adaptada para vídeos do YouTube.

— Queremos rejuvenescer a marca do Nelson, em várias línguas. Estamos propondo a artistas que eles respondam a uma pergunta: o que Nelson faria hoje se estivesse vivo? — diz Mota.

Outro grande projeto dos Alquimistas é a inauguração, em 2013, do Centro para o Futuro do Entretenimento, no Cais do Porto, no Rio. Liderado por Henry Jenkins, ele vai reunir pensadores de mídia e entretenimento de todo o mundo em torno da ideia de se criar novas práticas para setores como cinema, televisão ou games. A ESPM-RJ e a Petrobras serão algumas das empresas parceiras.

[postado por Marina Moreira]

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