RCTV aposta em opositor para voltar ao ar.


Cinco anos após ser fechada pelo governo de Hugo Chávez, emissora lança campanha ‘Nos vemos na democracia
[publicado originalmente em jornal O Globo]



Os equipamentos foram confiscados pelo governo — alguns estão em mau estado e outros se extraviaram. Os pedidos de indenização apresentados pela empresa foram negados pelos tribunais do país, e a audiência da TV aberta venezuelana já não é mais a mesma. Mas nada disso desanima os executivos da RCTV, emissora que saiu do ar ao não ter sua concessão renovada pelo presidente Hugo Chávez há exatos cinco anos e que se tornou um símbolo do debate sobre a ausência de liberdade de expressão na Venezuela. 

Com uma campanha intitulada “Nos vemos na democracia”, a RCTV aposta na vitória nas eleições presidenciais de outubro do candidato da oposição, Henrique Capriles, para voltar ao ar.

Acusada de parcialidade e de ter dado apoio ao golpe que tirou brevemente Chávez do poder em 2002, a emissora foi retirada do ar duas vezes: primeiro da TV aberta e, posteriormente, da TV a cabo (em 2010).

Depois disso, buscou outro modelo de negócios e hoje produz programas para terceiros e transmite o sinal para o exterior. Na Venezuela, só pode ser vista por meio de sua página na internet.

—Vamos voltar para a TV aberta. Esse foi o compromisso do candidato Henrique Capriles, que inclui também a volta das emissoras de rádio fechadas por Chávez. Hoje, a Venezuela é um país sob um regime em que o Executivo controla todos os poderes. Não é assim que funciona um país democrático — critica Hernán Porras, vice-presidente de Imagem e Comunicação da RCTV.

Apesar dos rumores sobre uma piora de seu estado de saúde e da expressiva redução no número de aparições públicas, Chávez lidera as pesquisas de intenção de voto e pode frustrar os planos da emissora.

Os estudantes, que tomaram as ruas para protestar contra o fechamento da rede, em 2007, prometem realizar nova manifestação amanhã na Praça Brión, em Caracas.

Para Carlos Lauría, do Comitê de Proteção a Jornalistas, sediado em Nova York, o fechamento da RCTV foi uma decisão claramente política que reflete o conjunto de restrições à imprensa impostas por Chávez ao longo de seus 13 anos no poder.

— O legado de Chávez é um forte golpe contra o exercício da liberdade de expressão. Ele seguiu o caminho do fechamento de estações de rádio, do aumento de restrições e do controle do fluxo informativo — explica.

O resultado, segundo especialistas, tem sido um jornalismo menos crítico e que encontra cada vez menos respaldo junto ao público. De acordo com relatório do Comitê Certificador de Meios da Associação Nacional de Anunciantes (Anda) e da Federação Venezuelana de Agências de Publicidade, nos últimos cinco anos o investimento publicitário na TV aberta continua em expansão, mas a audiência está em queda.

O governo é o principal anunciante e, segundo críticos, divide as receitas premiando aliados e punindo desafetos.

O momento de forte polarização política no país também contribui para aumentar o clima de hostilidade em relação à imprensa. De acordo com relatório do Instituto Prensa y Sociedad (Ipys), já foram registradas 65 violações contra a imprensa neste ano, entre agressões, ações intimidatórias e restrições legais para coibir o acesso à informação. Em 2011, foram 94.

— Na Venezuela, trata-se de comportamento clássico em ano eleitoral. Nas últimas semanas, recebemos dez denúncias de jornalistas de meios oficiais que relataram agressões feitas por simpatizantes do candidato opositor. Mas a porcentagem é muito mais alta entre os meios privados — ressalta Marianela Balbi, diretora-executiva do Ipys.

Pressões levam ao aumento da autocensura


Foi o que ocorreu em março com a jornalista Sasha Ackerman e o cinegrafista Frank Fernández, da Globovisión, única concessionária de TV que ainda critica abertamente ações do governo. Quando acompanhavam um ato de campanha de Capriles, filmaram a chegada de homens armados e com camisas vermelhas, cor do chavismo, que interromperam a passeata a tiros. Eles apontaram uma pistola para a equipe de TV e roubaram o equipamento e as fitas nas quais o ataque estava registrado.

No ano passado, a Globovisión já fora multada pelo Conatel em US$ 2,16 milhões por sua cobertura de motins em prisões. Oito dos 11 membros da diretoria de Responsabilidade Social deste órgão regulador foram designados pelo Poder Executivo. Segundo Marianela, as ações de pressão do governo não se limitam aos grandes meios de comunicação e atingem, sobretudo, pequenas rádios do interior.

— O Estado pressiona as rádios e condiciona a renovação das concessões ao silêncio dos jornalistas mais críticos. O resultado é que temos agora programações fartas em moda, gastronomia, mas cada vez menos espaço para o noticiário e para opiniões divergentes. Esse cenário levou o país à autocensura — resume.

[postado por Marina Moreira]

Comentários