O novo jeito de ver tevê

Personagens, especialistas e emissoras falam sobre como a internet mudou a forma de ver TV

Marcia Abos,Thaís Britto 
Publicado originalmente em O Globo, Revista da Tevê
Domingo, 29 de julho de 2012, página 12. 
RIO - O roteirista Bruno Rocha, mais conhecido por sua alcunha virtual, Hugo Gloss, fez fama na rede ao interagir com celebridades e, principalmente, comentar a programação televisiva em tempo real no Twitter. O psiquiatra e ex-BBB Marcelo Arantes passa boa parte do seu tempo livre em frente à TV com iPad na mão, twittando freneticamente suas observações sobre novelas, reality shows e telejornais. Os dois são parte dos 43% dos usuários de internet que assistem à TV ao mesmo tempo em que navegam na rede, segundo a pesquisa Social TV, divulgada pelo Ibope Nielsen Online este mês. É a primeira vez que o instituto se debruça sobre a relação entre televisão e internet e, em meio às conclusões, estão a de que, destes consumidores simultâneos, 70% navegam influenciados pela televisão e 80% mudam de canal ou assistem a determinados programas motivados pela rede.
Há ainda outros números e pesquisas comprovando que a internet definitivamente mudou a forma como os espectadores assistem à TV, e eles vêm pipocando no Brasil nos últimos anos. Um estudo da E.life, realizado no Rio e em São Paulo nos dois primeiros meses de 2012, concluiu que assuntos relacionados à televisão são os mais comentados no Twitter nas duas cidades brasileiras. Além disso, uma outra pesquisa do Ibope, de 2011, apontava que a maioria das hashtags mais populares do microblog vinham de atrações televisivas. Com o aumento crescente da penetração dos meios digitais — hoje já são quase 80 milhões os internautas no Brasil —, já é possível dizer que, diferentemente do que muitos alarmistas acreditavam, a internet não tem qualquer intenção de destruir a TV.
— Tem uma frase de que eu gosto muito: “As mídias tradicionais não vão morrer. O que vai morrer é a nossa forma de lidar com elas”. Isso sintetiza esse fenômeno. O nosso jeito de interagir com a TV está passando por uma evolução. Esse é o grande achado da pesquisa, comprovar que as pessoas estão mesmo mais multimídia, abertas a consumir mais de um meio por vez — explica Juliana Sawaia, gerente de Consumer Insight do Ibope Media.
Falando de forma mais técnica, o fenômeno apontado pela pesquisa do Ibope já tem nome: segunda tela. A second screen (o termo foi cunhado em inglês) seria um aparelho eletrônico móvel, como um smartphone, notebook ou tablet, pelo qual o telespectador consiga interagir com o conteúdo da TV e compartilhá-lo com outras pessoas. E a relação vem dando certo: um estudo da Cable & Telecommunications Association for Marketing mostrou, em 2011, que a segunda tela faz com que o telespectador se envolva e preste mais atenção ao conteúdo da televisão. E está todo mundo de olho neste conceito: em entrevista ao jornal “Los Angeles Times”, há cerca de duas semanas, o próprio CEO do Twitter, Dick Costolo, afirmou que o site tem planos de se integrar cada vez mais aos eventos televisivos, como a transmissão das Olimpíadas e programas de TV regulares.
— Essa questão da rede das mídias funciona dessa forma: nenhuma nova mídia que chega sucateia as anteriores, mas reconfigura os papéis. A internet e o computador, como novos meios e ambientes de comunicação, resignificaram o papel da televisão — opina o deputado federal Jean Wyllys.
Apesar da restrição de tempo que o mandato na Câmara dos Deputados impõe, o ex-BBB Jean (no Twitter, @jeanwyllys_real) encontra tempo para fazer parte desta rede de telespectadores-internautas. Foi um fervoroso comentarista nas madrugadas em que o Canal Viva exibia diariamente o programa musical “Globo de ouro”, clássico da década de 1980 (atualmente no ar às 23h, aos sábados), e sempre que pode dá seus pitacos nas tramas de Carminha e Nina em “Avenida Brasil”.
— Sou noveleiro, só não assisto mais porque o mandato me consome — ele conta, explicando que o prazer em “twittar a TV” é o mesmo de fazer comentários com os amigos no sofá, mas numa escala bem mais abrangente.
O popularíssimo @hugogloss, com quase 800 mil seguidores, concorda. Redator do “Caldeirão do Huck”, Bruno passa seus dias de trabalho no Projac, onde há uma TV a cada esquina. E mesmo quando está em casa, não desgruda os olhos da tela. Sentado no sofá com tablet, notebook e telefone a postos, ele faz uma “cobertura” completa da programação.
— Eu escuto muito que sou o controle remoto ambulante das pessoas. Fico frenético e muita gente diz que começou a assistir a alguns programas por minha causa. A gente fica meio que assistindo à TV com todo mundo junto. É como se fosse aquela coisa antiga, quando se juntava a família para ver a novela. Mas agora a gente compartilha o momento com muito mais gente. Sempre assisti a muita TV e, quando não tinha ninguém ao lado para falar, ia para a internet. Acabou se tornando um hábito — conta Bruno/Hugo.
Presente nos dois lados da moeda — de comentarista a comentada —, a atriz Susana Vieira criou seu perfil no Twitter há poucos meses. Mas seu @eususanavieira já virou mais uma das referências da interseção TV e internet. Fã de “Avenida Brasil” e espectadora do reality “A fazenda”, ela ressalta mais um lado na mudança de comportamento do espectador: o retorno imediato.
— A globalização favoreceu o surgimento dessa TV interativa. Com isso, acaba sendo normal trocarmos ideias on-line, através das redes sociais. É uma via de mão dupla, todos podem elogiar uma cena de novela ou criticar. Hoje os telespectadores também são formadores de opinião. Acredito que seja o nosso ibope imediato. Você pode, na hora, saber se o seu trabalho atingiu o resultado esperado — opina a atriz, que já tem 91 mil seguidores no seu Twitter.
A vontade de ter suas observações lidas por muita gente também impulsiona alguns dos twitteiros famosos pela cobertura televisiva. É o caso do psiquiatra Marcelo Arantes (o @dr_marcelo, com 162 mil seguidores) que, após participar do “BBB 8”, ultrapassou seus 15 minutos de fama, agora como comentarista virtual. Antes de se encostar nas almofadas do sofá de seu apartamento, ele tem todo um ritual a seguir: o celular está sempre carregado na hora dos programas de que gosta mais. Dependendo da situação, prefere usar o iPad, no qual, segundo ele, as postagens saem mais rapidamente.
— Eu gosto de me fazer lido. Gosto de me expressar e de saber que aquilo que eu penso sobre a novela, o programa ou a notícia tem algum alcance. É até uma coisa de vaidade. Em geral, pelo que eu vejo, as pessoas que comentam nas redes sociais buscam identificação. Elas querem saber quem concorda, quem discorda, o porquê, enfim, como numa conversa — observa.
A repercussão gerada pela internet acaba, muitas vezes, impactando diretamente o conteúdo da televisão. Uma análise feita pela agência PR Newswire, por exemplo, cita dois casos ocorridos recentemente em reality shows: em “A fazenda”, da Record, em 2011, foi a reação dos twitteiros a uma agressão da lutadora Duda Yankovich o que acabou causando sua expulsão do programa. Fato semelhante aconteceu durante o “BBB” deste ano, quando o participante Daniel foi acusado de estupro na rede: a hashtag #danielexpulso virou trending topic no Twitter e chamou atenção para o caso. “Os internautas passam a ser os ‘vigias’ do público, por onde nada passa em silêncio”, conclui a publicação.
— Esse novo meio faz com que a audiência se expresse: o público sai da era da passividade para a era da interatividade — opina Jean Wyllys, lembrando que esta repercussão pode acabar se revertendo em audiência para a emissora: — Eu mesmo sou um exemplo desse alcance maciço das redes. Nunca tinha ouvido falar e fui obrigado a parar umas duas vezes para assistir ao “Mulheres ricas” porque só se falava disso na internet, foi o hit do verão. É um caso em que, com certeza, a rede trouxe mais público para o programa.
O buzz em torno de “Mulheres ricas”, que foi ao ar na Band no início deste ano, foi espontâneo, mas utilizar essa ligação com internet para aumentar a audiência é um investimento crescente dos canais. Orlando Lopes, CEO do Ibope Media, lembra que eles podem ajudar a aumentar o tráfego nas redes sociais e vice-versa.
— As emissoras brasileiras estão investindo cada vez mais no que chamamos de transmedia storytelling, que é desdobrar uma mesma narrativa em diversos meios, de forma complementar. É o caso da novela “Cheias de charme”, da TV Globo. Ela já é um exemplo do uso adequado da transmídia não só na internet, mas também explorando outros programas da grade da emissora, como o concurso criado no “Fantástico” — ressalta Lopes.
A trama das 19h usa a internet como parte integrante do folhetim. O clipe das Empreguetes, por exemplo, foi lançado no site na novela logo após ser exibido no capítulo na TV. E já foi visto mais de 11 milhões de vezes na rede.
— O mundo hoje é transmídia, por que a novela não haveria de ser? A internet é um dos personagens principais de “Cheias de charme”, e isso foi pensado desde a sinopse. A novela fala dessa mobilidade social, do acesso das pessoas à informação. Como a nossa trama frequentemente passa pela rede, é natural que estendamos esse jogo ao site da novela, promovendo ações transmídia. Outras novelas talvez não tenham tanta ligação com a internet como esta tem, e foi uma oportunidade que quisemos aproveitar de utilizar essa ferramenta a favor da narrativa televisiva — explica Filipe Miguez, autor da trama ao lado de Izabel de Oliveira.
Diretor-geral de Jornalismo e Esporte, além de coordenador do grupo que discute as questões relacionadas à internet na TV Globo, Carlos Henrique Schroder diz que a emissora vem desenvolvendo iniciativas consistentes na internet e ressalta que o “BBB” é uma experiência multiplataforma muito bem-sucedida desde sua origem:
— Em simbiose com a televisão, a internet cria um enorme campo de possibilidades, fortalecendo o papel da TV como mídia preferida do público.
Outra emissora que tem apostado suas fichas na segunda tela é a Band. As versões 3.0 de programas como o “CQC”, “Receita minuto” e, recentemente, o “Pânico”, que estreou seu braço na internet no último dia 15, têm como objetivo não apenas aumentar a audiência, mas fortalecer a fidelidade e estabelecer uma relação mais estreita com o público, segundo o vice-presidente da emissora, Marcelo Meira.
— O conceito de segunda tela é uma tendência. É isso que estamos desenvolvendo no “Pânico 3.0”. Enquanto assiste ao programa na televisão, o telespectador recebe informações complementares pela internet. Fica sabendo em tempo real quantas horas durou aquela gravação ou a marca do sapato que a Sabrina Sato está usando, por exemplo. Além disso, no intervalo, acompanha imagens ao vivo direto dos camarim das panicats. Essas curiosidades sobre os bastidores da TV interessam e mobilizam os internautas — explica Meira.
Apesar dos esforços das emissoras brasileiras para se adaptar a esse novo comportamento do espectador, ainda há muito o que caminhar, na opinião da especialista Daniele Rodrigues. Ela acabou de começar sua pesquisa sobre “produção de sentido na conversão televisão/second screen”, dentro do programa de mestrado em Comunicação Digital na USP, em São Paulo. Segundo ela, ainda há poucos estudos aprofundados e iniciativas realmente eficazes por parte dos canais no que diz respeito à segunda tela no Brasil:
— A maioria das pesquisas que existem acaba falando muito do impacto da tecnologia e do aumento do número das pessoas que têm acesso, mas pouco sobre a forma de absorver a informação e o significado que ela passa a ter. Isso é meio ignorado pela academia e pelo mercado. Não se usa aqui ainda a plataforma como ela poderia ser usada, para ser uma ramificação da TV. Nos EUA, por exemplo, eles já fazem isso muito bem. Há um aplicativo da série “Grey’s anatomy” que dá mais informações sobre aquele episódio enquanto você o está assistindo. Quer dizer, a leitura do espectador que não tem o aplicativo, como eu, é completamente diferente.
Com a tecnologia se desenvolvendo a passos largos, as próximas rotas devem chegar em breve, com, por exemplo, a popularização das smart TVs, aparelhos de televisão com acesso direto à internet. Segundo Orlando Lopes, o Ibope já vem desenvolvendo ferramentas para medir a audiência em três telas: TV, computador e celular.
— O advento da smart TV vai ser uma nova revolução. Antes, previa-se que o consumo de TV iria cair por causa da internet. Agora já se espera um crescimento tanto da audiência da televisão quanto da internet. Os televisores do futuro serão uma plataforma de convergência, uma central de entretenimento, ao levar a internet para dentro deles — acredita o executivo.


Top 5
Mais bombantes da web

#OiOiOi

"Avenida Brasil" sempre foi destaque na rede mas, especialmente desde o decisivo capítulo 100, a trama tem alcançado trending topics diários.

#Empreguetes

O ponto alto da trama das 19h foi o vídeo das Empreguetes, visto 11 milhões de vezes na internet.

A culpa é da Rita!
Imagens juntando bordões de "Avenida Brasil" a brincadeiras da internet como o "Keep calm..." tomaram o Facebook e blogs.

"A Fazenda"
A saída intempestiva de Gretchen do reality show da Record provocou uma enxurrada de mensagens na rede, assim como as torcidas pelas inimigas Nicole Bahls e Viviane Araújo.

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Eventos transmitidos pela TV, como a entrega do Oscar ou os shows do Rock in Rio, ganham cobertura imediata dos telespectadores

MARCIA ABOS E THAÍS BRITTO

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