A regra é clara



Nova série nacional da HBO, "(fdp)"coloca personagem tradicionalmente controverso no centro da trama: o juiz de futebol


Publicado originalmente em O Globo, Revista da TV
Domingo, 26 de agosto de 2012, página 4

Thaís Britto

Juarez Gomes da Silva é o que se pode chamar de um homem atrapalhado. Ético, sério e correto, se dá mal em escala desproporcional em relação a cada pequeno deslize. Na única vez em que traiu a mulher — em circunstâncias um tanto fora do controle — acabou sendo descoberto e ainda conseguiu passar uma DST para ela. Mas o grande azar de Juarez está mesmo na escolha profissional. Seu emprego é, talvez, aquele em que os deslizes são absolutamente indesculpáveis: juiz de futebol. Os altos e baixos do árbitro em casa e no trabalho estão na trama de “(fdp)”, nova série em 13 episódios que a HBO estreia neste domingo, às 20h30m.
— O árbitro é o anti-herói perfeito. É a única profissão em que o cara chega no local de trabalho e, de cara, as pessoas já não gostam dele. Na série, ele é xingado no supermercado, no bar e até pelo amigo que torce por um time que ele prejudicou — explica Giuliano Cedroni, autor do argumento e diretor artístico da Pródigo Filmes, que realizou a série.
Cada um dos episódios tem dois elementos de linguagem fixos. Eles começam com uma espécie de delírio de Juarez: num deles, imagina apitar uma final de Copa do Mundo e, no fim da partida, é ovacionado por jogadores e torcedores. E terminam com o árbitro sendo xingado. Sempre de “fdp” e sempre por uma pessoa diferente — uma delas, aliás, a própria mãe. O ator Eucir de Souza, que vive o protagonista, confirma que a rotina de xingamentos é verdadeira: sobrou até para ele.
— Quando o juiz entra em campo duas horas antes do jogo, para testar as traves, se já houver alguém na arquibancada, vai xingar. Eu mesmo fui xingado várias vezes enquanto acompanhava o (hoje ex-árbitro) Sálvio Spínola, que foi o consultor da série — conta Eucir, que descobriu segredinhos dos bastidores: — O juiz e os assistentes ficam sempre no mesmo hotel. Lá, eles já fazem uma reuniãozinha informal, mas descem todos de roupa e mala igual. É um verdadeiro ritual, de ordem, limpeza e organização. Já o vestiário do árbitro é horrível: um banheirinho num canto, uma coisa minúscula.
A história de “(fdp)” começou há quatro anos, quando a HBO buscava entre as produtoras brasileiras — e até algumas sul-americanas — um projeto sobre futebol. A Pródigo, que já tinha a intenção de fazer um documentário sobre árbitros, acabou adaptando a ideia para transformá-la numa série de ficção, com roteiro de José Roberto Torero. Quando a trama começa, Juarez está em seu melhor momento profissional: depois do bom desempenho apitando a final do Campeonato Paulista, ele é chamado, pela primeira vez, para atuar numa partida da Libertadores da América. Enquanto isso, em casa, enfrenta o inferno com o processo de divórcio após a traição. Ao longo dos episódios, confusões levam o trabalho ladeira abaixo, enquanto ele vai, aos poucos, reconquistando a esposa, Manuela (Cynthia Falabella). Na jornada, ele terá a companhia do melhor amigo, o bandeirinha Carvalhosa (Paulo Tiefenthaler, de “Larica total”). E de outros famosos do mundo da bola que aparecem em situações um tanto inusitadas, entre eles os jogadores Dentinho e Neymar (que interpreta um faz-tudo), o jornalista Juca Kfouri e o craque Rivelino (na pele de um padre).
A experiência nesse meio o fez entender muito melhor as motivações dos árbitros, conta Eucir. O ator, que nunca foi fã de futebol, se acostumou a assistir a partidas à época das gravações, no ano passado, e acabou cultivando o hábito.
— Não tem como ir ao estádio numa semifinal da Libertadores e não se envolver. A pergunta que mais ouço em relação aos árbitros é por que diabos o cara escolhe essa profissão. Hoje eu entendo: os caras são apaixonados por aquilo. E, normalmente, são péssimos jogadores — diz, rindo.
Apesar de não se importarem com os xingamentos, alguns usam o jogo de cintura para evitar essas situações. Um dos juízes com quem conversou, conta Eucir, disse que na hora de entrar em campo espera a chegada do time da casa. Assim, os aplausos superam as vaias e os palavrões. Para o ator, seu grande momento de revelação foi quando encontrou um paralelo entre atores e juízes de futebol.
— O que é o trabalho do ator? É criar um personagem no qual as pessoas se projetem. Elas te amam, te odeiam, têm raiva... O juiz tem um pouco disso. As pessoas não o xingam só quando ele prejudica o seu time: é apenas porque ele é juiz — opina o ator, indo além na análise; para Eucir, não xingar não é solução: — Ele está ali representando a ordem, que a gente sempre quer quebrar. É como um professor ou um guarda. É normal ter raiva dessas figuras. Se elas deixam de existir, a sociedade perde.


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