Análise: Periguetes e peruas são clássicos do estilo nacional




VIVIAN WHITEMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Publicado originalmente na Folha de São Paulo, Ilustrada
Domingo, 12 de agosto de 2012, página E4
 
A explosão do "look suburbana" não é só mais um fenômeno fashion lançado por uma novela de sucesso. Se as roupas e acessórios das personagens Suelen e Olenka (com seu singelo pingente "love" dourado) estão entre os mais copiados pelas mulheres Brasil afora, o motivo vai além de modismo passageiro.
O que ocorre é que "Avenida Brasil", com seus roteiristas ousados e figurinistas de primeira linha, soube captar de forma ampla e perspicaz a ascensão da classe C no país --tão comentada, mas pouco compreendida em suas nuances menos óbvias.
As gatas do Divino personificam o sexy que sempre serviu como uma das caricaturas do estilo brasileiro. Porém, o fato de ser considerada cafona por parte de certa elite fashion não impediu que esse look de sensualidade aberta virasse uma das faces do Brasil no exterior.
O sexy justo, estampado, usado com acessórios chamativos, sempre fez sucesso em subúrbios e periferias. E mais: sempre foi adaptado para os guarda-roupas das ricas com um "upgrade" de grifes, materiais e padrões.
Periguetes, estilo Suelen, e peruas (emergentes, como Carminha, ou "de família") andam lado a lado e são figuras clássicas do estilo nacional, gostem ou não os pretensos donos da elegância.
Assim, ocorre um movimento duplo. De um lado, as maiores grifes do circuito Nova York-Milão-Paris estão chegando ao Brasil. E trazem na bagagem uma imagem da brasileira totalmente fundamentada em palavras de ordem como sexy e chamativa.
Essas mesmas palavras de ordem dão o tom da nova gama de produtos e grifes feitos para atender à classe C, que deu nova movimentação à economia fashion local.
PONTO DE FUSÃO
E qual é o ponto de fusão? O fato é que grifes estrangeiras e brasileiras de luxo estão trabalhando com um tipo de imagem parecido com o focado pelas marcas populares.
Na verdade, isso sempre aconteceu em certa escala, mas agora, graças às atuais configurações e necessidades do mercado, esse movimento ficou menos disfarçado.
Como sempre ocorre, porém, a classe A e suas marcas não gostam de admitir que a realidade e sobretudo o olhar das classes mais pobres são os elementos mais influentes na consolidação de qualquer coisa que possa ser delineada como estilo local.
Assim, as Suelens chegam às grandes revistas e catálogos com um verniz irônico, de quem diz: as ricas e elegantes estão agora "brincando" de ser suburbanas. O que, novamente, não é novidade e ocorre em ciclos na moda.
Mas o buraco do umbigo enfeitado com cintinho dourado é mais embaixo desta vez. A moda brasileira, inclusive a de luxo, não pode mais ignorar as variações dessa imagem sexy-espevitada-perua que agrada à maioria das clientes com dinheiro.
O minimalismo clássico e outras correntes conceituais distantes dos trópicos são para o gosto de poucas consumidoras e não sustentam grandes negócios no Brasil.
O mercado decretou e a novela registrou: outros acessórios e modelitos surgirão, mas o estilo dos subúrbios chegou ao topo da moda para ficar.


De designers a camelôs, vilã Carminha está na moda


KEILA JIMENEZ
COLUNISTA DA FOLHA
 
Em quem você pensa quando ouve o hit "Eu Quero Tchu, Eu Quero Tchá"? Se respondeu "Carminha", bem-vindo ao time de clientes potenciais dos produtos "made in" vilã surtada de "Avenida Brasil".
Além do fã-clube nas mídias sociais, Carminha (Adriana Esteves) é uma lançadora de tendências.
Suas roupas, seus acessórios, seu cabelo, até a música que ela canta em cena estão entre os itens mais procurados pelo público na Central de Atendimento ao Telespectador da Globo.
Nos comércios populares, Carminha reina absoluta. O "T" de Tufão que ela carrega no peito até quando chifra o marido já tem réplicas de várias cores na rua 25 de março, em São Paulo.
Mas o líder de mercado é o pingente de madrepérola com a imagem de Nossa Senhora. É vendido na versão oficial, do designer Renato Castro, por R$ 569,90, na Globo Marcas. Há também versões que vão de R$ 35 a R$ 200 em sites e camelôs. Os vendedores bradam ter o famoso "colar da Carminha".
A bolsa dourada com as iniciais da marca Michael Kors também é bem procurada em versão falsificada no Saara, centro comercial no Rio.

TCHU TCHÁ
Bastou o celular de seu amante Max (Marcelo Novaes) embalar uma ligação dela com "Eu Quero Tchu, Eu Quero Tchá" para a música virar o "toque do celular da Carminha" nos sites de downloads na web.
Para o público, a vilã é fashion. Os figurinos comportados, com looks em branco total ou combinados com peças claras, conquistaram uma legião de seguidoras, as "wannabe Carminha".
A camisa é a peça principal no guarda-roupa. A preferida do público é uma branca, com pérolas. Na internet há tutorais de moda que dão dicas inspiradas no glamour de Carmem Lúcia e ensinam a customizar roupas como as dela. A bruxa malvada da vez é "total white", é nude, tá na moda.

Análise: Trilha de 'Avenida Brasil' quer pegar espectador pelo que ele tem de infantil


MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO

"Oi oi oi/ Oi oi oi."
"Eu quero tchu/ Eu quero tchá/ Eu quero tchu tchá tchá tchu tchu tchá."
"Ai ai aiaiaiai, assim você mata o papai/ Ai ai aiaiai, que boca gostosa eu quero mais."

Qualquer que seja o público que a Globo pretenda atingir e representar em "Avenida Brasil", ele se expressa basicamente por onomatopeias. Ao menos na música.
Quem se dedicar a ouvir todas as faixas das duas trilhas nacionais da novela (já lançadas pela Som Livre) há de ver esse recurso se repetindo várias e várias vezes.
É a regra mais básica da "música que pega": botar no refrão alguns sons que, de tão primitivos, fisgam o ouvinte pelo corpo --sem que seja necessário qualquer processamento anterior do cérebro.
Embrulhados em arranjo dançante, esses sons criam uma música que já tem uma coreografia embutida. Batem tão imediatamente que conquistam de pronto até crianças com menos de um ano.
É isso: a música de "Avenida Brasil" quer pegar o ouvinte pelo que ele ainda tem de mais ingênuo, mais infantil.
Mas espera. Música infantil com versos tão sexuais como "Faz carinha de safada/ Me excita, ah que tesão", cantados por MC Koringa?
Bem, nada muito diferente do que o grupo É o Tchan já fazia em 1995. E, na ocasião, Carla Perez virou quase a Xuxa de tanta criança em volta imitando, admirando.
O sucesso da trilha é inegável e talvez a Globo imagine estar simplesmente se dando bem ao adotar essa música "chiclete", considerada "produto inferior" por parte da elite brasileira.
Não é bem assim. Do funk carioca ao tecnobrega, é dessa energia sexual primitiva que se apoia parte da música mais pulsante feita hoje.
Ao usar de tamanho oportunismo para compor sua trilha sonora, a emissora nem sequer imagina a ousadia que vem a reboque da estratégia.

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