As joias da coroa




Publicado originalmente em  O Globo, Revista da TV
Domingo, 19 de agosto de 2012, página 12


Novelistas comentam renovação gradual no time de escritores do horário nobre e dizem que é preciso ter ambição e saber lidar com egos para chegar lá
O que o celebrado João Emanuel Carneiro, responsável pelo sucesso de "Avenida Brasil", tem a ver com o criticado Mano Menezes, comandante da seleção de futebol? A resposta vem do próprio autor, de 42 anos, caçula do time mais restrito (e cobiçado) da TV brasileira, o dos novelistas do horário nobre da Globo.

João Emanuel Carneiro diz que "escrever novela é prazeroso e árduo ao mesmo tempo"

"Todo autor quer agradar ao maior número possível de pessoas. Caso contrário, exerceria outra função. Novela é paixão nacional. E todo mundo é um pouco técnico da seleção brasileira e autor de novela. Com isso, a pressão só aumenta. Agradar a milhões de pessoas não é tarefa nada fácil", assegura.

Como a meta é alcançar muitos, o clube das 21h é privilégio para poucos. O grupo não chega a dez integrantes, mesmo com a já anunciada escalação de Walcyr Carrasco para o próximo ano.

Uma renovação mais lenta do que a vista nas faixas das 18h e 19h. Composto pelos medalhões Manoel Carlos, Silvio de Abreu, Gilberto Braga, Ricardo Linhares, Aguinaldo Silva, Benedito Ruy Barbosa e Gloria Perez, esse time não sofria uma alteração desde a entrada de João Emanuel, em 2008, com "A favorita".

Apontado como um dos responsáveis por dar novo vigor à telenovela, o pai de Carminha e Nina reconhece que nem tudo é glamour, afirma que "escrever novela é prazeroso e árduo ao mesmo tempo" e lista dedicação, entrega e disciplina como características fundamentais a quem sonha com a função. Ter sido colaborador de um autor veterano também ajuda.

"Eu já supervisionei e já fui supervisionado. É uma boa escola para ambos os lados. Como autor principal, é preciso cumprir metas de trabalho", opina João, que foi colaborador de Maria Adelaide Amaral e Euclydes Marinho".

Estreantes
Em alta na Globo depois de "Cordel Encantado" (2011), Thelma Guedes e Duca Rachid, ambas de 50 anos, mostraram ser capazes e têm chances de chegar lá. Preparam uma trama para as 18h ("O pequeno Buda"), mas já apresentaram um pré-sinopse para as 21h.

"Tivemos a ideia e queríamos ´registrá-la´. Mas não há definição. Quem decide se a gente muda de horário e quando isso vai acontecer é a emissora", despista Duca.

Aos 79 anos, Manoel Carlos quer escrever sua última novela com uma protagonista chamada Helena

A Globo não confirma se a dupla está na lista de espera para o horário, mas em nota de sua Central de Comunicação diz que "a busca pela inovação e renovação é uma dinâmica constante da TV Globo" e que os autores que se revezam nas faixas das 18h e das 19h têm talento para chegar ao horário nobre.

Quase um chefe
Veterano com títulos campeões de audiência como "Senhora do destino" (2004) e "Fina estampa" (2011), Aguinaldo Silva, de 68 anos, diz que há mais em jogo do que supõem os telespectadores. Para ele, além do talento, é preciso "vocação para comandar e gerenciar um grande projeto comercial como é a novela das 21h".

"Não basta ser um gênio da escritura, é preciso escrever e, ao mesmo tempo, ter sangue frio, coragem para tomar decisões inarredáveis, lidar com dezenas de egos, ter a cabeça no lugar, capacidade de suportar todo tipo de insultos... E claro, ser muito ambicioso... E impiedoso se necessário", declara, enfático.

Achou pouco? O autor vai além ao listar suas atribuições. "Não dá para hipnotizar 40 milhões de pessoas e ao mesmo tempo bancar o modesto e o bonzinho", desafia.

Sacrifício
Thelma e Duca nem chegaram ao horário nobre, mas já sabem o tipo de sacrifício que um folhetim representa. "A gente já pensa na nova novela enquanto escreve a que está no ar. Se uma ideia surge é um desassossego até colocá-la de pé. E, quando entramos no ar de novo, é um ano inteiro de confinamento. A família sofre, os amigos sentem saudades, o corpo e a cabeça padecem", desabafa Duca.

Walcyr Carrasco escreve agora "Gabriela" para a faixa das 23h e engatilha trama para as 21h

Com sucessos às seis e sete, Walcyr Carrasco tem uma ideia do que o espera em 2013. O autor irá escrever a trama que sucederá "Salve Jorge". A novela de Glória Perez estreia em outubro, depois de "Avenida Brasil". "Os capítulos das 21h são mais longos e a dedicação é maior", admite Carrasco.

Ele sentiu essa pressão ao ser chamado para terminar "Esperança" (2002). À época, Benedito Ruy Barbosa, o titular da trama das oito (o antigo horário de exibição), enfrentou problemas de saúde. Desde então, o autor, agora com 81 anos, não escreveu mais para as nove. Carrasco, que agora, aos 60 anos, faz o remake de "Gabriela" para as 23h, tinha vontade de voltar à faixa nobre como titular. "O desejo havia, mas eu nunca tinha apresentado um projeto para o horário", explica.

Consagrado por novelas como "O salvador da pátria" (1989), Lauro César Muniz chegou ao hoje disputado horário da Globo na década de 1970, numa época em que Janete Clair reinava praticamente sozinha naquela faixa. "O melhor momento de um autor é mesmo estar no horário nobre da Globo, mas não sinto vaidade por ter estado lá", garante.

Lauro deixou o canal em 2005. Agora, se dedica a "Máscaras", sua terceira trama na Record. O autor garante que essa será sua última investida no gênero. "É um trabalho extenuante. Tenho 74 anos. A minha próxima novela seria com 76. Não terei condições", avalia.

Hoje, agradar ao público das 21h é mais difícil do que antes, segundo Gilberto Braga, que entrou para o time de elite com "Dancin´Days" (1978), depois de ter tido sucesso às 18h. "Há mais concorrência e o espectador está mais exigente. Novela não é romance ou tela de pintura. Você escreve para agradar".

O novelista, de 65 anos, agora supervisiona o texto de "Lado a lado", o novo folhetim das seis, de João Ximenes Braga e Cláudia Lage - ele é ex-colaborador do próprio Gilberto, e ela, de Manoel Carlos. Para o criador de "Vale tudo" (1988), esse é o caminho. "Para chegar ao horário nobre primeiro você deve trabalhar como colaborador. Depois ser o cabeça, às seis ou sete, com supervisão".— enumera.
Ele lembra como entrou no time: — Quem apostou em mim foram Daniel Filho (diretor), Boni (ex-todo-poderoso da Globo), Janete Clair e Dias Gomes (autores). Lançar um autor de 33 anos neste horário era uma temeridade. Ricardo Linhares, hoje com 50 anos, foi o mais novo autor de uma novela das nove quando, aos 27 anos, assinou “Tieta” (1989), com Aguinaldo e Ana Moretzsohn. — Ganhei experiência colaborando e me tornei autor. No total, já fiz mais de 15 novelas. Nesses anos, já vi de tudo: veteranos serem esquecidos, novatos explodirem e depois desaparecerem — lista Ricardo, que se prepara para assinar o remake de “Saramandaia” para a faixa das 23h, no ano que vem.
Aguinaldo Silva, que entrou para o horário das oito na década de 1980 depois de ter sido convidado por Boni para escrever “Partido alto” (1984), com Gloria Perez, se preocupa com a renovação entre os seus.
— Não sou adepto do “depois de mim, o dilúvio”. Por isso tento ajudar na formação de novos autores que possam substituir à altura os grandes de agora — diz ele, que já ministrou duas edições de uma Master Class para descobrir
novos nomes. Depois de 13 novelas, Aguinaldo, jornalista por formação, diz ainda “estar novelista”.
— Mesmo assim, fazer parte deste seleto time me honra. Isso, é claro, sem falar no dinheiro que me rende. E na fama. Eu não posso me queixar — assume,
sincero, o autor. A compensação financeira é proporcional à pressão sofrida. A Globo não divulga o valor médio recebido por seus autores. Mas quem já fez parte daquele quadro, como Lauro César Muniz, afirma que o salário de um “autor top”, em sua época, era muito mais de R$ 1 milhão por ano. Isso, sem
considerar o merchandising e outros benefícios.
— Claro que o salário varia em função da experiência. O Gilberto Braga merece
ganhar mais que o João Emanuel — provoca Lauro César.
Para Manoel Carlos fazer parte do time significa “maior salário e maior responsabilidade”.
Ele é titular das nove desde “Água viva” (1980), feita em parceria com Gilberto Braga.
— Cada um vê esse trabalho sob determinada ótica. Quem está nele sabe bem o que o espera. E quanto vai ganhar com isso. Fica quem quer — diz Maneco,
como também é conhecido.
Aos 79 anos, ele quer fazer projetos de menor duração. Mas já planeja o próximo folhetim.
— Parar de escrever novelas não é um desejo novo. Pretendo que seja a última com o personagem Helena, criado em 1981 para a Lilian Lemmertz. Quero fechar o ciclo tendo a Julia Lemmertz no papel da mãe. Com cinco tramas exibidas às nove, Silvio de Abreu, de 69 anos, prepara seu retorno ao horário das sete com o remake de “Guerra dos sexos”.
— Entrei para o horário das nove contra a minha vontade. Não via vantagem em fazer histórias mais dramáticas — recorda o autor, que estreou às nove com “Rainha da sucata” (1990), a pedido de Boni. Nos bastidores, Silvio é apontado como um autor prestativo.
— Eu me senti inseguro em “Sete pecados” (2007) e pedi ajuda ao Silvio. Ele
viu a novela e debateu comigo ideias e rumos dos personagens, numa atitude
de fraternidade que, se algum colega precisar, oferecerei — garante Walcyr.

Mas nem tudo são flores. A relação de Walcyr e Aguinaldo, por exemplo, ficou estremecida depois que o segundo alegou ter visto em “Morde & assopra” (2011) um mesmo conflito entre mãe e filho criado para “Fina estampa” (2011).
Aguinaldo chiou, mas ainda defende a união do grupo.
— O fracasso de um autor do horário nobre é um prejuízo que atinge a todos os outros. Ciumeira há em todas as profissões, mas torcer contra o colega, bater
tambor para que ele fracasse, isso eu acho besteira — diz.

Próxima titular do horário, com “Salve Jorge”, Gloria Perez, de 63 anos, começou como colaboradora de Janete Clair, nos anos 1980. Ela também rechaça conflitos entre os novelistas.
— Torcer contra o sucesso do outro seria, no mínimo, uma estupidez. Os autores de um horário se beneficiam da audiência alavancada e se prejudicam
quando ela está baixa — opina Gloria.


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