Governo quer usar faixa de TV para novo leilão de 4G



Publicado originalmente na Folha de São Paulo, Mercado
Domingo, 05 de agosto de 2012, paginas B1, B4 e B5


Frequência de 700 MHz, hoje de uso exclusivo das TVs abertas, tem alcance superior e maior capacidade de atendimento
Governo quer leilão no ano que vem, mas uso efetivo em grandes centros urbanos será possível só em 2016  
VALDO CRUZ
JÚLIA BORBA
DE BRASÍLIA


A disputa entre as empresas de telecomunicações e as emissoras de TV vai ganhar um novo round com a decisão do governo de leiloar outra frequência para uso de banda larga móvel 4G (quarta geração) no país.
A faixa de 700 MHz é hoje de uso exclusivo das TVs abertas para transmissão de seus sinais (do canal 2 ao 69), mas será leiloada pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para as teles explorarem banda larga com custo mais baixo.
O ministro Paulo Bernardo (Comunicações) revelou à Folha que o governo pretende colocar a banda de 700 MHz em leilão no próximo ano.
Seu uso efetivo nos grandes centros urbanos, porém, será possível só em 2016, quando for completada a transição da TV analógica para a TV digital.
Em regiões metropolitanas como São Paulo e Rio de Janeiro, a frequência está sendo totalmente utilizada para convivência conjunta de canais de TV nos sistemas analógicos e digital.
Após o processo de transição, a faixa de 700 MHz terá vários espectros liberados por conta da desativação do sistema analógico, que ocupa mais espaço, permitindo seu uso para internet móvel. Nas demais regiões do país, já há espaço disponível para uso imediato de internet móvel.

EFICÁCIA
A banda larga de 700 MHz de 4G é mais eficaz que a leiloada pelo governo em junho, pois cobre maior área e demanda menos uso de antenas e já está sendo operada nos EUA e na Europa.
O problema é que, hoje, 90% das residências do país têm aparelhos analógicos para recepção da chamada TV aberta, na faixa de 700 MHz.
Para dar espaço ao serviço de internet, o governo terá de apertar o passo da transição da tecnologia e também aumentar o número de pessoas com televisores preparados para receber TV digital.
Quando a substituição do modelo antigo pelo digital for concluída, o governo terá condições de oferecer na cidade de São Paulo, por exemplo, quatro novas faixas para uso de banda larga.
Segundo Bernardo, a faixa de 700 MHz permitirá lançar um programa de universalização do serviço de banda larga em 2014. No fim do mandato de Dilma, o governo espera que 70% dos domicílios do país tenham internet.
As teles têm grande interesse em que o projeto saia do papel o quanto antes.
Com alcance superior ao das demais frequências, a faixa de 700 MHz tem maior capacidade de atendimento, com custo menor para as empresas. A banda larga de 4G em 2,5 GHz precisa de 15 vezes mais antenas que na faixa de 700 MHz, e a do 3G (1,9 GHz), 7 vezes mais.

O LADO DAS EMISSORAS
As TVs, do seu lado, alertaram o governo para o fato de que é preciso cuidado na adoção da medida a fim de evitar perda não só para elas como para a população.
Segundo um representante do setor, usar a faixa de 700 MHz para banda larga antes de o país estar totalmente preparado para a TV digital pode levar a uma situação de que parcelas da população não tenham condições de sintonizar a TV aberta.
A última disputa entre teles e emissoras de radiodifusão foi pelo controle da TV paga no país. As teles tinham restrições de operar o serviço no Brasil, derrubadas a partir deste ano depois de anos de resistências das TVs.
As emissoras sempre pediram certa cautela ao governo nas regulações das atividades que envolvem os dois setores. Alegam que sua receita é só 10% da das teles, dominadas pelo capital estrangeiro.



Ganho virá com qualidade e preço, dizem especialistas


Frequências de 700 MHz e 2,5 GHz combinadas dariam reforço à área de cobertura das operadoras de telefonia
Governo também pode leiloar outra faixa, a de 3,5 GHz, que é cara e serviria para atender áreas como estádios DE BRASÍLIA


O consumidor também deve se beneficiar do duelo entre as teles e empresas que oferecem banda larga.
De acordo com o consultor de telecomunicações Eduardo Tude, o ganho virá, principalmente, da melhoria de cobertura que será puxada pela expansão da rede 4G na faixa de 700 MHz.
"O benefício para o usuário não é tanto a redução de preços, mas a qualidade superior que será oferecida."
Em áreas de grande densidade, como a região central de capitais, as operadoras precisam de maior capacidade de rede para atender a demanda da população, seja no tráfego de voz ou de dados.
Para evitar congestionamentos de rede, seria vantajoso para as operadoras de telefonia trabalhar em frequências diferentes, reforçando a capacidade de cobertura.
"Ter a frequência de 2,5 GHz combinada com a de 700 MHz é uma boa solução para melhorar o serviço."
Já Eduardo Levy, representante das teles e diretor-executivo do Sinditelebrasil, afirma que a redução de preços também será atrativa.
"Essa frequência é a mais adequada, mais simples e exige menos antenas. Portanto, custa menos para as empresas e, consequentemente, será um serviço mais barato para o consumidor", afirmou.
O governo ainda tem na manga a possibilidade de leiloar a frequência de 3,5 GHz, que está sendo discutida há nove anos pela Anatel.
De acordo com a agência, há um grupo de estudos tratando de readequar as condições de uso do espectro, que vai indicar quando será realizado o leilão. A expectativa é que a disputa seja aberta no fim deste ano.
Diferentemente da tecnologia de 700 MHz, que também está sendo analisada por técnicos da agência para viabilizar o uso da frequência para banda larga, a tecnologia de 3,5 GHz é cara.
Combinada com as outras faixas, ela serviria só para dar suporte ao serviço das empresas de telefonia móvel em áreas extremamente demandadas, como nas proximidades de estádios e shoppings.
Para o governo, o interesse por essa opção de frequência existirá em razão de grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo, em 2014.

IMPASSE
Especialistas acreditam que uma das possíveis soluções para o impasse entre as teles e as emissoras sobre a faixa de 700 MHz está na intervenção prévia do governo.
Ao licitar os lotes, o preço mínimo cobrado poderia ser fixado abaixo do valor real. Em compensação, o governo exigiria das empresas ganhadoras investimentos em projetos da TV digital.
Modelo semelhante foi adotado nos leilões da frequência de 700 MHz nos EUA.
(JULIA BORBA E VALDO CRUZ)

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