Microfone estatal a serviço do poder: os presidentes que não saem do ar

 

Chávez, Cristina e Correa usam redes nacionais de TV para impor sua visão

Correspondente

BUENOS AIRES — Os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, Rafael Correa, do Equador, e Cristina Kirchner, da Argentina, têm, pelo menos, duas coisas em comum: conflitos com meios de comunicação de seus países e várias dezenas, em alguns casos centenas, de horas dedicadas a discursos transmitidos por cadeia nacional de rádio e TV. As chamadas cadenas foram a maneira que os três chefes de Estado escolheram para se comunicar com a população, anunciar medidas de governo e, também, atacar opositores. Se no Uruguai, por exemplo, o presidente José Mujica recorreu a esse recurso apenas três vezes desde que chegou ao poder, em março de 2010, somente neste ano, Cristina protagonizou 13 cadenas, o que a levou a ser acusada pela oposição de estar violando a Lei de Serviços Audiovisuais - aprovada pelo seu próprio governo em 2009.
O artigo 75 da Lei 26.522 estabelece que a rede nacional é obrigatória para todos os canais de TV e emissoras de rádio do país “em caso de situações graves, excepcionais ou de importância institucional”. Na última semana, a Casa Rosada usou a rede nacional para transmitir um evento no qual discursaram a presidente e o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, considerado um aliado pelo governo.
- Observamos que a presidente usa, cada vez mais, a rede nacional para agredir jornalistas e demonstrar que ela controla a informação - disse ao GLOBO a deputada opositora Laura Alonso, autora de um projeto de lei para anular o artigo 75 da lei de mídia.— Cristina está matando lenta e sutilmente a democracia argentina.
Em seus discursos, a presidente critica, com nome e sobrenome, jornalistas, empresários ou qualquer pessoa que expresse uma opinião que lhe desagrade. Recentemente, ela chegou a mostrar a foto do dono de uma imobiliária que tinha concedido entrevista ao jornal “Clarín”, na qual afirmara que o mercado imobiliário estava paralisado em consequência das restrições para comprar dólares. Furiosa, Cristina disse publicamente que tinha pedido à Receita Federal local que investigasse a situação tributária do corretor.
Intelectuais alinhados com o governo defendem a estratégia comunicacional da Casa Rosada, argumentando que é a única maneira de “enfrentar a asfixia informativa e falsidades publicadas pelos menos de comunicação”.
- Usar a rede nacional é uma maneira de romper o cerco à informação e explicar o que o governo está fazendo - disse o escritor Ricardo Foster.

Chávez voltou com mesmo fôlego
Pioneiro nessa prática, Hugo Chávez, depois de vários meses longe dos microfones por conta de sua saúde, voltou nas últimas semanas às cadenas mostrando o mesmo fôlego de épocas passadas. Na última terça-feira, o líder bolivariano aproveitou a inauguração de um hospital para falar durante mais de três horas.
- As cadenas sempre aumentam em épocas eleitorais - comentou o jornalista Óscar Lucien, autor do livro “Cerco vermelho à liberdade de Expressão”, no qual dedicou todo um capítulo à utilização da rede nacional.
O jornalista constatou que, entre 1999 e 2010, Chávez realizou 2.125 cadenas, falando um total de 1.460 horas. Opositores já recorreram ao Tribunal Supremo de Justiça contra a resolução da Comissão Nacional de Telecomunicações que exige a todos os canais de TV e emissoras de rádio a transmissão dos discursos presidenciais, mas a iniciativa não prosperou.
O presidente equatoriano é outro fanático das cadenas. De acordo com a Fundamedios, uma organização de defesa da da liberdade de expressão, entre 2007 e este ano, Correa utilizou 1.336 vezes a rede nacional. Como na Argentina, a lei permite a utilização do recurso em casos excepcionais. No entanto, Correa, como Cristina, transformou o recurso em sua melhor arma política. Algumas de suas vítimas já o denunciaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
- O presidente já dedicou nove cadenas a nos criticar, somente isso nos faz pensar que as elas são um mecanismo que faz parte de um poderoso aparelho de propaganda oficial - disse Cesar Ricaurte, da Fundamedios.

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