O céu é o limite



No ar em diversas produções e de olho nos grandes papéis, crianças começam cada vez mais cedo a se aperfeiçoar na carreira, com aulas de dança, canto e interpretação

Publicado originalmente em O Globo, Revista da TV
Domingo, 26 de agosto de 2012, página 12

Natalia Castro

RIO - Ocorrida no Rio, no dia 30 de julho, a première do longa “Part of me”, sobre a vida da cantora Katy Perry e que contou com a presença da estrela americana, marcou um momento especial na vida de Ana Karolina Lannes. Não apenas pela chance de estar frente a frente com uma de suas artistas preferidas. Mas ali, em meio à multidão de desconhecidos, a atriz vivenciou a situação com a qual sonhara a vida inteira. Enquanto atravessava o tapete vermelho, Ana foi ovacionada com gritos e demonstrações de carinho. Naquele instante, realizou que seu trabalho como a Ágatha de “Avenida Brasil” estava sendo reconhecido.
— Sempre quis ouvir as pessoas gritando meu nome! Eu gosto de ser valorizada. Porque entrar numa novela é fácil. Difícil é se manter e ser querida por todos. E eu estou me esforçando para isso — afirma, do alto de seus 12 anos.
O desejo de Ana é compartilhado por milhares de crianças — talentosas ou não — que se esforçam em testes e mais testes para conseguir uma ponta que seja em frente às câmeras. E para alcançar o almejado status de protagonista do horário nobre, o empenho é demasiado. Na agenda, junto às aulas de interpretação, estão cursos de balé, sapateado, canto, dança, dublagem. Desde cedo, aprendem a importância da alimentação regrada. A disciplina é essencial para que a voz funcione, a preguiça não atrapalhe a performance e a escola não fique em segundo plano. Para estar em “Carrossel”, por exemplo, é obrigatório que as notas sejam altas. E embora atuar continue sendo condição sine qua non para que a criança ganhe destaque na TV, no teatro ou no cinema, os atores mirins querem expandir seus domínios.
Por isso, quando “Avenida Brasil” terminar, em outubro, Ana Karolina já tem um plano de carreira traçado. Após férias na Disney, retorna a São Paulo com uma lista de metas. A primeira é perder os quilinhos de Ágatha. A segunda é ingressar na Escola Superior de Artes Célia Helena.
— Eu quero me aperfeiçoar para poder dar aos atores o que eles me dão. Quero ter técnica para chorar, para rir... Que nem a Adriana Esteves — planeja, com a maturidade de quem está há seis anos na profissão e participa da quarta novela — já fez “Duas caras” (2007), “Ciranda de pedra” (2008) e “Tempos modernos” (2010).
No ar em “Carrossel”, no SBT, Larissa Manoela tem bagagem. Aos 11 anos, a Maria Joaquina da história já figurou no elenco de “Corações feridos”, também no SBT, e na minissérie “Dalva & Herivelto”, na Globo. No teatro, fez o musical “A noviça rebelde”; no cinema, “O palhaço”, dirigido por Selton Mello. Natural de Guarapuava, município com menos de 200 mil habitantes no interior do Paraná, a atriz diz que já nasceu “com o dom”. O que faltava era apenas oportunidade.
— Até eu ser descoberta, em um supermercado, pelo Projeto Passarela, uma empresa gerenciadora de modelos da minha cidade — relembra.
Que fique claro que o tal dom de Larissa não se restringe apenas à atuação. A menina é eclética, como se define. Cantora, já tem música na trilha sonora de “Carrossel”, vai gravar mais duas para o próximo álbum da novela e planeja, em breve, gravar um CD solo. Cansou? Ainda tem mais: faz dublagens, locuções e cantajingles. Balé e sapateado, ela já fez. Hoje em dia, anda meio sem tempo até para um curso de interpretação. Tudo por conta das gravações.
— Com certeza vou ser atriz até bem velhinha, porque amo o que faço — assere Larissa, que cita Selton como uma das referências da profissão, além de Claudia Raia — “Por ser uma atriz completa” —, Penélope Cruz e Johnny Depp.
Larissa leva tão a sério seu trabalho que chegou a passar mal depois de gravar cenas em que Maria Joaquina maltrata Cirilo (Jean Paulo Campos).
— Tem cenas em que eu me envolvo demais para desempenhar bem meu papel. Porque quando atuo, imagino a mim mesma em cena. Mas, na vida real, a Larissa Manoela não se deixa influenciar por maldades — diz, dando entrevista como uma profissional.
O profissionalismo, aliás, é um dos itens fundamentais para quem quer ser um bom ator, ela avisa. E também a dedicação, a humildade e a simplicidade. E embora saiba que o mercado está bastante competitivo, não se abala:
— O que for para ser seu ninguém tira — filosofa, segura dos planos do “Papai do Céu”.
Com 9 anos, Jean Paulo Campos, o Cirilo de “Carrossel”, tem um currículo mais modesto. Mas nem por isso deixa de sonhar com o futuro. Participou como figurante em “Amor e revolução”, e pretende dar um passo de cada vez. Por enquanto, sua intenção é fazer mais um personagem em alguma outra novela. E ser conhecido como é o ator Will Smith.
— Estou me aperfeiçoando com ajuda dos diretores e dos atores adultos que me ensinam muito — pondera ele.
Disciplina é fundamental para aguentar o trabalho
Para chegar ao elenco de “Carrossel”, Larissa, Jean, Maísa e cia passaram por cinco etapas de testes. Nas gravações, os 16 alunos da Escola Mundial contam com um staff à sua disposição. Há pedagoga, pediatra, psicóloga e nutricionista. As profissionais passam o dia acompanhando os atores, que gravam durante a semana das 14h às 20h e, ocasionalmente, aos sábados. E ficam atentas para que nenhuma dor de cabeça ou qualquer adversidade atrapalhe o rendimento das crianças em cena.
— Faço o auxílio das crianças. Ajudo nas lições do colégio, nos estudos para as provas... — explica Carolina Benvindo, pedagoga que há quatro meses convive com o grupo.
Segundo ela, a presença de uma pessoa qualificada no estúdio ajuda a trazer confiança e segurança. Além dela, que fica com os atores, há outra pedagoga que ajuda nas questões dos pais. Carolina se diz impressionada com a disciplina do elenco.
— Essas crianças realmente são diferentes. Já sabem, desde cedo, organizar seus afazeres e são bem responsáveis com os estudos. Até porque uma das condições para estar na novela é que tenham boas notas — esclarece.
Já a pediatra Camila M. M. de Oliveira está pronta para qualquer atendimento. Além disso, orienta as mães quanto a datas de vacinação. Ela diz que a ideia é que o médico habitual das crianças seja mantido. Camila, que costuma passar quatro horas no estúdio, desempenha uma função mais pontual.
— Eu percebo que eles já se cuidam bastante. Preocupam-se com a voz, com a alimentação, com a saúde. O que faço é tratar a patologia na hora, caso seja necessário — conta.
E devido a tantas responsabilidades, as crianças precisam se alimentar direito. Tarefa que cabe a Bruna Mello. E com a nutricionista não tem moleza. Batata frita e refrigerante? Nunca. Repetir o prato? Nem pensar. Tudo em prol do bom rendimento dos pimpolhos. À mesa do elenco de “Carrossel”, há diariamente arroz e feijão, algum tipo de carne magra e legumes e verduras. Três vezes por semana eles comem fruta de sobremesa. Num dos dias é a vez da gelatina. E na sexta, finalmente, eles estão liberados para comer um doce. Mas não qualquer um. Uma bola de sorvete ou um picolé de frutas está de bom tamanho.
— Não dou batata frita porque sei que eles comem no fim de semana. Refrigerante tem açúcar e cafeína, o que os deixa agitados. E eles não repetem porque já dou a quantidade necessária — ensina ela, que há pouco tempo introduziu o arroz integral e fica de olho em alimentos que façam bem para a voz, como a maçã, já que muitos deles cantam.
Para incentivá-las a comer bem, Bruna faz um sistema de pontuação. Também quebra a cabeça para preparar saladas divertidas, que estimulem o apetite. Afinal, agradar às crianças não é tão fácil assim.
— O Jean começou a comer saladas por causa do formato divertido. E criança adora esse sistema de pontos, dizer que tirou nota máxima porque comeu tudo — comenta.
Do elenco de “Cheias de charme”, Bia Passos já está acostumada com uma alimentação regrada desde muito pequena. É o que conta sua mãe, Adriana Passos Petrentchuk. De tão atenta aos hábitos da filha, ela tem um despertador para que a menina não perca o horário das refeições.
— Desde bebês, cuido para que ela e o irmão tenham gosto por frutas e saladas. Hoje, me sinto orgulhosa ao ver como comem bem — conta a mãe.
Com o ritmo de gravações não tão puxado — ela é Manuela, filha de Lygia (Malu Galli) e Alejandro (Pablo Felini) — Bia janta impreterivelmente às 18h. Às 22h, já está dormindo. A não ser quando tem uma festinha do pijama. Bia também trabalha desde cedo. Com seis meses, já fazia comerciais.
— Às vezes me chamam de “A rainha da publicidade” — entrega, vaidosa.
Bia canta, dança, e toca violino. O balé, começou com 2 anos. Em sua trajetória, tem até participação em concurso de miss. Este ano, foi musa mirim do carnaval do Salgueiro. Mas a mãe ressalta que não faz pressão.
— Ela é precoce, tem olhar crítico para as artes. Cuido muito da cabecinha dela para que preserve essa meiguice. Ela faz hidratação nos cabelos e gosta de maquiagem, mas não pode passar nada na pele. Sempre tive medo que ela ficasse artificial — avisa. —Nesse meio já vi muitos casos de crianças infelizes, despreparadas, que estão ali por pura pressão dos pais.
Apesar das responsabilidades, a inocência da idade se traduz no sonho de vida de Bia.
— Quero ser feliz — diz ela: — Estou com o leque aberto para novos desafios. A cada oportunidade nova, pinto um pedaço dele — planeja.
Diretor de “Detetives do prédio azul”, do Gloob, André Pellenz conta que a escolha do trio protagonista formado por Cauê Campos, Leticia Pedro e Caio Manhente foi baseado no carisma e na capacidade técnica de fazer vários episódios:
— Vejo as crianças de hoje com muita consciência do que estão fazendo. Ou seja, estão ali porque querem e sabem o que as espera. Para uma criança com vocação, o que é bem diferente de talento, o set de gravação é parte de sua vida.
Durante as filmagens, André contou com o apoio da coach Luisa Thiré. A ação da profissional consiste em preparar os atores para que absorvam o personagem de forma natural, de acordo com a vontade do diretor.
— O mais difícil é conquistar as crianças para que elas confiem na gente. E temos, claro, que agir como mães, psicólogas. Temos que brincar, distrair, incentivar — enumera.
E Luisa alerta que, devido à inexperiência, nem sempre as crianças estão prontas para lidar com certas frustrações.
— Vivenciei o caso de uma menina que estava cotada para o elenco de uma novela das 19h. Ela contou para todos os amigos. Só que o papel não rolou. A criança ficou tão frustrada que não queria nem mais ir à escola. O pai me ligou desesperado — relembra Luisa, que só deixou o filho, Vitor, atuar aos 14 anos: — O mercado é cruel, e a gente sabe disso.
Há 11 anos lidando com crianças, a coach Rosana Garcia endossa a teoria de Luisa. Hoje trabalhando com Vinícius Moreno, o Florianinho de “A grande família”, ela — que começou na TV com 5 anos e ficou conhecida como a Narizinho, do “Sítio do Picapau Amarelo” — diz que procura fazer um trabalho naturalista, sem a intromissão dos pais e dos professores de teatro. Ela conta que muitas vezes tem que podar maneirismos de atores que já chegam sabendo de tudo:
— Eu prefiro a criança mais crua do que a cheia de vícios. E temos que cortar as asas das que já se acham divas, mostrar que a profissão é instável e que o sucesso pode não durar.
Outra preocupação de Rosana é fazer a criança entender que o que ela ouve ou vê em cena faz parte da brincadeira.
— Tenho um código com o diretor: quando a cena envolve brigas ou discussões violentas, a gente tira a criança de perto. E geralmente, quando acabam de atuar, as atrizes mais velhas fazem questão de chamar a criança e dar um beijo e um abraço carinhoso — explica.
No caso de “Avenida Brasil”, Ana Karolina Lannes afirma que consegue abstrair bem os impropérios que Ágatha ouve da própria mãe.
— Eu sei que faz parte da ficção. E Adriana é muito legal. Outro dia fez uma cena em que tinha que dar um tapa em alguém e não quis que eu estivesse por perto. Ela disse que não se sentiria bem — relata a menina. — No meu colégio começaram a me chamar pelos apelidos feios da Ágatha. Mas conversei com os colegas, e eles entenderam que não era para fazerem isso.
Desempenhando a função de coach pela primeira vez, Andrea Bacellar, de “Malhação”, sustenta que o essencial é que as crianças sejam tratadas com verdade.
— Na hora da gravação é “estou brincando disso agora. Não sou eu, é alguém que finjo ser” — conta.
E Rosana alerta para a principal questão: que os pais tenham cuidado no excesso de esperanças que depositam nos filhos:
— Nos testes, eles dizem que atuar é um sonho. Mas daí a virar profissão é outra história. A carreira é difícil.
 

Comentários