Pop cult 90




Publicado originalmente em O Globo, Segundo Caderno
Segunda-feira, 20 de agosto de 2012, página 2

Felipe Hirsch

Algumas séries de humor para TV nos dão a sensação de que vivemos em um mundo habitado por pessoas realmente inteligentes e melhores, a despeito de Putins, Bushs e Assads. As geniais criações de Larry David, por exemplo. “Seinfeld” e “Curb your enthusiasm” salvam minha vida. Não há dia em que não testemunhe uma situação já contada ou, pelo menos, que se enquadraria nos dois programas. Não há melhor época do ano do que as noites livres que passo assistindo, um atrás do outro, aos capítulos da temporada lançada. Não é todo ano.
Larry David conseguiu o que queria desde os tempos de “Seinfeld”: gravar uma temporada a cada, pelo menos, dois anos. Larry David é outro judeu do Brooklyn, como Woody Allen (esse que lança uma obra incrível por ano). Mas sua personalidade o levou a um universo próprio, clássico. “CYE” é um seriado quase todo improvisado, acredite. Muito da juventude de LD em Hell’s Kitchen, como motorista de limusine ou técnico de reparos de um canal a cabo, se refletiu em suas séries. Até seu vizinho, Kramer, foi parar em “Seinfeld”. A reunião do elenco de “Seinfeld” na sétima temporada de “Curb your enthusiasm” é um show à parte. A sabedoria de realizar a tão sonhada reunião, em um outro programa, com os atores como personagens, e não os personagens de “Seinfeld”, é de se levantar para bater palmas. Confesso que me vesti camufladamente e fui um stalker inofensivo em uma passagem por Pacific Palisades, na Califórnia. Em um restaurante natureba de Santa Monica fui informado que LD frequentava o local e me arrastei por horas comendo meu hambúrguer de beterraba até a decepção de não vê-lo por perto.
Isso nos leva aos Beatles da comédia. Um título sensacionalista pra tentar explicar tudo o que eles inventaram. E eles inventaram tudo. É claro que estou escrevendo sobre o Monty Phyton, o maior grupo criador já reunido para um projeto na TV. Não estou exagerando. Eles justificam a invenção do eletrodoméstico. Se num dia de histeria da Carminha alguém tiver dúvida, lembre-se deles. E aqui fica uma dica que pode parecer sem importância, mas que faz toda a diferença: eu posso afirmar que, se você conhece Monty Phyton só pelos seus filmes, e muitos só os conhecem dos filmes, você não conhece nada sobre Monty Phyton. Foi na televisão que eles criaram tudo. Foi na televisão, entre 1968 e 1974, que eles montaram seu Flying Circus (“Circo Voador”). Michael Palin (meu preferido, todos levantem as mãos nos seus preferidos), Terry Jones, Eric Idle, Terry Gilliam, Graham Chapman (o único morto e, segundo os próprios, o melhor deles) e o fascinante John Cleese, que ainda achou fôlego criativo pra nos anos seguintes emplacar outra série, “The Fawlty Towers“, eleita pelos críticos a melhor série inglesa de todos os tempos. Pythonesque virou adjetivo. Eles são responsáveis por metade da justa fama que os ingleses têm de fazer o melhor humor do mundo. São amigos de Oxford e Cambridge que resolveram se dedicar a mudar o mundo com seu humor e não com uma rede social montada pra escolher o melhor seio da universidade. É certo que tinham suas importantes influências, Spike Milligan entre elas. Mas o que fizeram, e é claro que é impossível descrever em uma coluna suas inovações, é a base de tudo, acreditem, tudo o que parece ainda hoje original ou até revolucionário na TV, no cinema ou em qualquer outro lugar. Dos créditos e animação às críticas à BBC que os transmitia, do completo desprezo por punchlines à quebra completa das formas e linguagens até e desde então conhecidas, quando ouvimos o clássico anúncio “e agora para algo completamente diferente” viajamos para um mundo melhor de sonhos surreais, repletos de esquetes feitos por homens e homens crossdressing falando em falsete, cantando canções incríveis, nos provando o improvável, o impossível. Você fala spam por causa deles. No céu, sete asteroides carregam seus nomes. E, convenhamos, é melhor que falsas estrelas no chão.
Eu tenho um amigo que vê e revê as temporadas do “Saturday night live” de 1975 a 1978. Lá estavam John Belushi (vestido de samurai com Frank Zappa, por exemplo), Dan Aykroyd no auge, Chevy Chase, Bill Murray juntos. Eu vejo e revejo “The Muppet Show” (os episódios com Steve Martin, Peter Sellers e Nureyev são imbatíveis). Tenho lá minhas fotos do lado do Manah Manah e do Cozinheiro Sueco na exposição dos trabalhos de Jim Henson. As comédias de Mike Leigh para a TV. As criações de Dennis Potter para a BBC: “The singing detective” (essa eu ganhei do Isay Weinfeld) e “Pennies from heaven”. “Arrested development” é incrível e foi eleita a melhor entre os americanos. “Simpsons” e “Family guy” me farão trocar o canal na hora da declaração de Putin sobre a sentença de dois anos de prisão para as garotas do Pussy Riot.


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