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Canais de notícias 24 horas dos EUA investem na polarização política, republicana ou democrata, e empurram a CNN para o 3º lugar



Publicado originalmente na Folha de São Paulo
Domingo, 23 de setembro de 2012, página A22

RAUL JOSTE LORES


"A América esquerdista está escandalizada, mas o que Romney falou é verdade, que 47% dos americanos dependem do governo e por isso votarão no Obama." Assim começou o telejornal mais visto dos canais noticiosos americanos, do apresentador Bill O'Reilly, da Fox News.
"Temos um Estado-babá, o país está quebrado e tem muita gente aí que não trabalha duro, esperando dinheiro do governo", emendava, no programa da última terça.
A mesma notícia, mas no segundo canal mais visto entre os de notícias 24 horas, o MSNBC: "Brutal, degradante. O candidato republicano Romney despreza milhões de americanos desempregados, aposentados ou com problemas de saúde", dizia a apresentadora Rachel Maddow, do programa mais visto da emissora pró-democrata.
Além de Washington, em poucos lugares a polarização violenta da política americana é tão nítida quanto nos canais de 24 horas de notícias.
O espectador escolhe seu lado, republicano ou democrata, e se torna audiência cativa da Fox ou da MSNBC. O eleitorado partidarizado tem derrubado a antiga líder de audiência CNN para um distante terceiro lugar.
Para analistas políticos, essa é uma das razões para que a eleição esteja tão acirrada -mesmo as maiores gafes de Romney não são percebidas como gafes para quem só se informa pela Fox. E o desgaste de Obama parece menor para quem só vê a MSNBC, braço da rede NBC, que pertence ao grupo Comcast.
Criada em 1996, a Fox News superou a CNN em audiência em 2002, oferecendo uma visão de mundo conservadora, que ficava à margem da grande mídia americana, situada nas liberais Nova York e Los Angeles. Seu sucesso acabou inspirando a MSNBC a usar a mesma tática para agradar a um eleitorado mais à esquerda.
Já na CNN, é comum que o seu âncora mais popular, Anderson Cooper, convide comentaristas conservadores e de esquerda para debaterem seus pontos de vista.
A fórmula nos canais de maior sucesso é outra. Um painel de comentaristas conservadores interage (e concorda) com os apresentadores da Fox e cria a narrativa conservadora para qualquer assunto. Recentemente, comentaristas chamaram a emboscada ao embaixador na Líbia de "fiasco" e disseram que a Casa Branca "fica dando voltas para não admitir que foi um ato terrorista".
Entre os comentaristas da emissora está a candidata a vice-presidente em 2008, Sarah Palin. Ela ganha US$ 1 milhão por ano para participar de programas da emissora. Um ex-pré-candidato republicano, Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas, ganhou seu próprio programa de entrevistas na Fox, emissora que pertence ao empresário Rupert Murdoch.
"Enquanto os EUA estavam sendo atacados, Romney não quis dar uma pausa e não esperou para fazer seu próprio ataque. Fizeram campanha com nosso embaixador morto", comentou Maddow, sobre o mesmo atentado.
Os eleitorados cativos também respondem pela gangorra da audiência entre os três canais. Na convenção democrata, no início do mês, a MSNBC obteve 4,1 milhões de espectadores no primeiro dia. O número foi a 5 milhões no discurso de Bill Clinton, tido como o melhor do evento.
A CNN teve 3,9 milhões, e a Fox amargou um terceiro lugar, com 2,4 milhões (parte do eleitorado conservador preferiu fugir do noticiário ou deixou a TV desligada).
Já na convenção republicana, no final de agosto, a Fox teve 6,9 milhões de espectadores no primeiro dia, enquanto CNN e MSNBC tiveram 1,5 milhão cada.
"O jornalismo americano está cada vez mais europeu. Lá, a norma é que você se alinhe com um movimento ou partido e que os espectadores ou leitores ganhem uma versão da notícia que afirma ou reforça suas opiniões preestabelecidas de acontecimentos", diz o colunista do "New York Times" Frank Bruni, que trabalhou como correspondente na Itália.
"Para ter uma visão mais equilibrada, eu tinha que ler três ou quatro jornais e triangular os diferentes ângulos dados. Estamos ficando assim", acrescenta.

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