A narrativa transmídia

Este é o quinto da série de resumos dos seminários realizados pela turma de TV e Vídeo 2012.1. O presente trabalho foi produzido por Thiago de Castro Sobral, João Pedro G S Martelletto e Ingrid Abreu Lima.


A narrativa transmídia

Em nosso trabalho, utilizamos a série The Walking Dead, de Robert Kirkman, para ilustrar o conceito de narrativa transmidiática. Segundo Henry Jenkins, “a narrativa transmidiática refere-se a uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das mídias. Uma estética que faz novas exigências aos consumidores e depende da participação ativa de comunidades de conhecimento.” (Jenkins, 2006)



Por convergência, Jenkins se refere ao “fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos”. Nesse sentido, os diversos meios de comunicação convergem para contar uma mesma história, que, por sua, vez se valerá das potencialidades e especificidades de cada meio para se desenvolver. Isto não significa, portanto, que as diversas mídias irão se algutinar num único receptor; pelo contrário, o que vemos são estes se proliferando em formas como celulares, tablets, notebooks, etc. A convergência se dá na cooperação dos múltiplos mercados midiáticos que passaram a produzir produtos complexos que exigem maior participação dos consumidores.

Se há tempos a ideia de “público passivo” já havia caído por terra, agora, mais do que nunca, este espectador é encarado como figura ativa na sua relação com o produto midiático. Mais do que isso: este espectador é trazido também ao papel de produtor de conteúdo. Através das evoluções tecnológicas dos últimos tempos que permitiram maior participação dos consumidores, este espectador, organizado em comunidades, é capaz de interferir no decorrer das narrativas. Segundo Jenkins, “a convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros”

É neste sentido que Pierre Lévy elabora o conceito de “inteligência coletiva”. Aplicando-se o pensamento do filósofo francês a ideia de narrativa transmídia, destaca-se a participação ativa dos espectadores na criação de conteúdos e desenvolvimento da trama. A narrativa transmidiática tem como essência a criação de um universo. Este universo é regido por regras próprias onde não só os personagens agirão, mas os próprios fãs percorrerão pelos meandros destes mundos como caçadores  de informações. Portanto é uma característica da narrativa transmídia deixar “laços sem nó”, ou seja, deixar lacunas no meio do caminho que devem ser preenchidas pelos espectadores mais curiosos. Estes enigmas funcionam como um quebra-cabeças, o qual tem suas peças espalhadas pelos diversos meios em que a narrativa se expande. De repente, a história de um personagem secundário na série de TV, por exemplo, pode ganhar relevo nos videogames, ou o passado de outros personagens podem ser explorados em webséries. São muitas as possibilidades de desenvolvimento. O mais interessante, no entanto é a mobilização dos fãs para desenvolver a trama. Estes se reunem em comunidades, fóruns, blogs... todos empenhados em juntar as peças. Cada participante contribui com seus conhecimentos para construir um conhecimento maior: há aqueles que entendem de vídeo destrincham os episódios quadro-a-quadro, outros contribuem com suas referências literárias, e há aqueles que se arriscam em formulações filosóficas. O conhecimento é mesmo construido de forma colaborativa de modo a saciar o desejo de entretenimento dos consumidores. Segundo Lévy:

“É uma inteligência repartida em todas as partes, valorizada constantemente, coordenada em tempo real, que conduz a uma mobilização efetiva das competências. Agregamos a essa definição essa ideia indispensável: o fundamento e o objetivo da inteligência coletiva é o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas e hipostasiadas.Uma inteligência repartida em todas as partes: esse é o nosso axioma de partida. Ninguém sabe do todo, todo mundo sabe de algo, todo o conhecimento está na humanidade. Não existe nenhum reservatório de conhecimento transcendente e o conhecimento não é outro senão o da gente.”

Os conteúdos transmidiátivos não-oficiais



Nem sempre um os produtos transmídia surgem de maneira "oficial". Na era das culturas participativas, as possibilidades de interrelações dos consumidores de audiovisual com os produtos só aumenta. Produzir e distribuir um conteúdo próprio que se relaciona com alguma obra se tornou uma moleza.
Bom, para refletirmos sobre essa nova perspectiva, vamos começar do começo: uma peça midática que comunica algo pode estabelecer três formas de leituras com seu receptor. A mais simples delas é a relação semiótica - é a relação que você está estabelecendo neste momento com o meu texto, que está sendo lida e interpretada. A segunda delas é a enunciativa, você pode estar lendo esse artigo e comentar com um amigo o que acha do que estou tentando falar. E, por fim, você pode estabelecer uma relação textual com esse trabalho: você deixa registrada sua leitura. Imagine que, se estivéssemos em 1980, esse meu texto poderia estar sendo publicado num jornalzinho universitário e caso você quisesse estabelecer uma relação textual comigo teria que escrever uma carta para a redação do jornal - você realmente teria que estar empenhado em falar comigo. Já hoje, para produzir um texto, você simplesmente clica no botão "add comment" e deixa registrado seu pensamento sobre o que acabou de ler.

Michel de Certeau, um historiador psicanalista francês, dizia que o espectador da televisão ou do cinema não poderia estabelecer jamais uma relação textual com um audiovisual. Ele poderia ter esse tipo de relação com um livro, que pode ser facilmente rabiscado, mas na televisão e no cinema, nós não podemos interferir no texto. Certeau nunca chegou a ver a internet e foi contagiado pelo discurso simplista e clichê de que o espectador televisivo é passivo. Já Henri Jenkins com suas teorias modernosas diz que o espectador escreve nas margens do texto televisivo. O espectador pode participar e criar em cima do texto e criar os seus próprios subprodutos transmidiáticas.

Mas não são só produtos audiovisuais que os fãs criam a partir de séries ou filmes. Quadrinhos e até livros são lançados para discutir o tema. O vídeo do site Know Your Meme nos dá um pouco do histórico a respeito dessa produção e mostra que esse fenômeno é muito mais antigo do que pensamos:

Como podemos ver, os produtos criados por fãs tem um público bastante específico que são os próprios fãs. Nesse último vídeo, quando há uma referência a uma série que desconhecemos, é difícil entender onde está a graça e o texto simplesmente parece absurdo. Assim, os fanfilmes estabelecem uma relação muito parecida com a ideia de subprodutos que existe dentro de uma narrativa transmidiática: existe um produto principal, uma nave-mãe. 

O que é interessante nesse universo de fanfiction e fanfilms é que as narrativas criadas pelas comunidades de fãs possuem dois objetivos principais: expandir ou modificar a história original. Isso justifica a criação de produtos transmidiáticos pelos próprios estúdios que inventam os filmes e séries televisivas: a narrativa audiovisual é sempre incompleta e existe um desejo em explorar cada brecha do roteiro para cada vez mais poder adentrar nos universos ficcionais que nos parecem maravilhosos.


Bibliografia

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2a Ed. São Paulo: Aleph, 2006.
LÉVY , Pierre. Inteligência Coletiva. Ed. Loyola ,São Paulo, 1998.
MACHADO, Arlindo. Fim da televisão?. In Revista. Ed. Abril, Porto Alegre, 2011.
GOSCIOLA, Vicente. Narrativa Transmídia: a presença de sistemas de narrativas integradas e complementares na comunicação e na educação. Universidade de Sorocaba, 2011.
MATSUZAKI, Luciano. Olhares da Rede. Momento Editorial, 2009

[Postado por Mariana Galvão]




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