Bom dia, Professora Helena

 

Novela do SBT vira fenômeno entre crianças, que reproduzem seu universo na sala de aula

Publicado originalmene na Folha de São Paulo, Cotidiano
Domingo, 14 de outubro de 2012, página C4

JAIRO MARQUES


Tiaras coloridas, bandanas na cabeça, expressões como "é tão romântico", debates sobre malcriações e desigualdade social tomaram as salas de aula do ensino infantil.
A regravação da novela "Carrossel", exibida pelo SBT e que vem mantendo audiência acima dos 10 pontos no Ibope, na Grande São Paulo, desde a estreia, em maio, é fenômeno entre as crianças.
"Parece um pouco a escola de verdade. Tem professora boazinha, aluno bagunceiro, gente pobre e rica. Mas tem mais tragédia, coisas que dão medo. Ainda bem que na minha escola não tem", afirma Sofia Crispim Soares, 7.
Editoria de Arte/Folhapress
Na escola municipal Professor Laerte José dos Santos, em Osasco, onde estuda, alunos podem debater e brincar sobre o universo de "Carrossel". "Às vezes, se animam demais e preciso tomar as rédeas", diz a professora Daniela Cristina Dândalo Freire.
Ela diz observar se as crianças se incomodam quando recebem apelido de um personagem. "Caso isso aconteça, é momento de interferir."
O pior caminho para a escola, afirma Ângela Soligo, doutora na Faculdade de Educação da Unicamp, é vetar o tema. "Aquilo que é de interesse da criança precisa ter espaço dentro da escola."
Segundo Soligo, cabe ao professor transformar as experiências dos alunos "em boas práticas como o incentivo à leitura, a reflexão sobre temas abordados na trama."
Na sala de Maria Joaquina, ou melhor, de Lívia Akemi Schiavon Tokiwa, 5, no colégio Esperanto, no Tatuapé, todos têm o álbum de figurinhas da trama. A professora Fabiana Gomes foi apelidada de "professora Helena", a protagonista de "Carrossel".
"Gosto do álbum e da tiara da Marcelina, mas queria ser a Maria Joaquina. Ela sempre faz as coisas primeiro e é a mais inteligente", diz Lívia.
Para a professora, "Carrossel" tem ajudado. "Aproveito para promover debates de valores sobre o que assistiram."
Segundo a presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Quézia Bombonatto, a motivação para o diálogo provocada pela novela é positiva. "Mas é preciso diferenciar para a criança o que é a situação imaginária da novela e o que é a realidade dela", diz.


Análise: Com um adulto por perto, 'Carrossel' pode ser ótima

LAURA MATTOS
EDITORA DA "FOLHINHA"

Duas polêmicas, pelo menos, rondam o atual sucesso de "Carrossel", do SBT.
A primeira é o fato de a novela infantil fazer merchandising, inclusive com as crianças do elenco.
O próprio Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) condena que se use o apelo de um personagem do universo infantil para vender produtos diretamente. Quando esse personagem é também uma criança, tanto pior.
Mas os alunos da Escola Mundial tornaram-se galinhas dos ovos de ouro. Além da propaganda embutida na novela, faturam com licenciamento e bombam a audiência de todo o canal --hoje mesmo Larissa Manoela/Maria Joaquina vai cantar no "Domingo Legal"...
A falta de freio do SBT com o uso das crianças nesse novo baú da felicidade é um prato cheio para quem defende que a autorregulamentação não é suficiente para evitar abusos. E não são poucos os projetos de lei propondo controle do governo na publicidade infantil.
Uma outra controvérsia é menos política e ronda conversas de professores e pais. Crianças estão imitando o comportamento dos personagens. Se for um gesto meigo de Cirilo, ótimo, mas se for uma birra de Maria Joaquina, aí complica.
Tanto essa questão quanto a da publicidade só reforçam algo que parece consenso entre especialistas em mídia e criança: é preciso sentar ao lado dos filhos no sofá.
Com um adulto ao lado para dizer que a sandália da marca tal não é boa só porque Maria Joaquina usa ou que ela não deveria tratar Cirilo mal só porque ele é pobre, "Carrossel" pode ser um ótimo programa. Assim como qualquer infantil, aliás.

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