Chupa, Carminha!

 

"Avenida Brasil" atingiu a maior audiência da TV em 2012 quando assumiu seu lado mais "mexicano"

Publicado originalmente na Folha de São Paulo, Ilustrada

Domingo, 14 de outubro de 2012, página E6

MAURÍCIO STYCER

Depois de 168 capítulos, Tufão finalmente se convenceu de que foi traído, enganado e roubado por Carminha durante 12 anos. No momento mais aguardado, quando a vilã levou um tapa na cara, houve registros em diversos bairros de São Paulo de pessoas que correram à janela para gritar, como em dia de jogo do Corinthians: "Chupa, Carminha!".
A audiência de "Avenida Brasil" neste dia (8/10) foi a maior alcançada por um programa na televisão em 2012. Apesar das muitas qualidades da novela, é interessante observar como este resultado foi atingido justamente quando ela assumiu seu lado mais "mexicano".
O melodrama de João Emanuel Carneiro se construiu, com muita eficiência, em torno de um trio comum: Carminha, a completa inescrupulosa, Tufão, o ingênuo quase boçal, e Nina, a vingadora obcecada.
Diferentes fatores fizeram de "Avenida Brasil" uma novela atraente, festejada não apenas pelo público de sempre, mas também por parte da elite econômica.
Fomos todos convidados a compartilhar do alto astral, da sinceridade, da sem-cerimônia e da língua dos habitantes do Divino, um bairro de subúrbio dos sonhos, onde ricos e pobres vivem em total harmonia, sem conflitos sociais ou raciais.
O texto muito bem escrito, sempre atualizado com as piadas e gírias "da hora" no Twitter, levou o público não apenas a se divertir, mas a se sentir "parte" da história.
O ritmo de seriado, sempre com muita ação, suspense e bons "ganchos" para os capítulos seguintes, amarrou o espectador na poltrona.
Um ótimo elenco colocou em movimento este universo colorido do Divino. Caprichando em umas poucas caretas e grunhidos, Adriana Esteves conquistou milhões de fãs como Carminha.
Gostei mais de Marcos Caruso (Leleco), Isis Valverde (Suelen), Claudia Protásio (Zezé), Juliano Cazarré (Adauto) e, em especial, Murilo Benício (Tufão).
O ator conseguiu dar substância ao mais implausível dos personagens, o ex-jogador de futebol milionário, com passagem pela França, mas incapaz de ver que a mulher o enganava dentro da própria casa.
A direção foi louvada pela capacidade de colocar em cena cinco ou seis atores falando ao mesmo tempo em torno da mesa da mansão de Tufão e por permitir a improvisação dos mais talentosos.
Por volta do centésimo capítulo, Nina já havia reunido elementos e provas suficientes para desmascarar Carminha e se vingar da madrasta. A novela estava pronta para terminar, mas faltavam ainda 80 capítulos.
A vingadora passou a dizer, então, que não podia mostrar as provas ao bom moço, sob risco de chocá-lo, e que precisava fazer com que a vilã fosse embora da mansão. "Avenida Brasil" degringolou.
Nina perdeu espaço na novela e quase sumiu. Carminha, que sempre agiu com o propósito de se dar bem na vida, começou a cometer maldades sem sentido.
Uma trama mais complexa, que envolvia um jogador de futebol gay e sua mãe evangélica, ex-atriz pornô, ficou sem sentido. O único núcleo da zona sul se mudou para o Divino e passou a protagonizar piadas com galos e panelas de feijão.
Foi neste contexto, de uma novela esticada, sem a complexidade inicial e atropelando a lógica, que "Avenida Brasil" bateu seu recorde. Para além dos números, deixa a sensação de que poderia ter sido muito melhor.

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