[publicado na Revista O Globo, por Natalia Castro]
A espinha dorsal é a fiel àquela escrita por Gilberto Braga,
em 1978: duas mulheres que disputam uma filha. A discoteca permanece como um
dos cenários de destaque na história, assim como a presença dos personagens
fundamentais para o desenrolar da trama. Mas param por aí as semelhanças entre
a nossa “Dancin’ days” e o remake português, exibido desde o dia 4 de junho na
emissora portuguesa SIC.
Para começar, a história brasileira foi contada em 174
capítulos, enquanto a lusa terá quase o dobro: 322. Embora a ex-presidiária
vivida por Sonia Braga continue com o mesmo nome, Julia Matos, sua irmã, a
socialite Yolanda Pratini (Joana Fomm) virou Raquel Corte Real. E Marisa, papel
da então jovem Gloria Pires, foi nomeada Mariana. Como explica Guilherme Bokel,
diretor executivo de produção internacional de Globo, as mudanças são
necessárias. E inevitáveis.
- Uma adaptação bem feita, mais que uma simples
transposição, precisa ser atualizada temporalmente – frisa.
Líder do horário das 22h com média de 17 pontos de
audiência, “Dancin’ days” corrobora uma tendência forte do mercado de novelas:
as coproduções. A ideia é aproveitar uma sinopse já existente, mas sem que ela
seja apenas uma cópia da original. Uma produção talhada para atender às
demandas culturais de onde ela será exibida, mas com o know how brasileiro.
- A barreira cultural é muito importante, afinal, por mais
que a temática seja universal, temos que entender quem é que está do outro lado
da tela – diz Bokel.
Portanto, além dos nomes, os autores têm permissão para
alterar figurinos, trilha sonora, época em que se passa a trama, profissões dos
personagens... Segundo Bokel, Yolanda e Marise, de “Dancin’ Days” não são nomes
populares na “terrinha”. E a criação de novos núcleos, ele afirma, foi
providencial, já que a original tem muito drama, e os portugueses preferem o
humor, especialmente em tempos de crise. Pelas mãos do executivo e sua equipe
passam todos os capítulos da novela, escrita, agora, por Pedro Lopes. E não
adianta: se a ideia não passar pelo crivo brasileiro, não sai do papel.
- A minha maior preocupação foi me concentrar na trama sem
me deixar distrair pela imagem datada dos anos 70 – revela Pedro, que esteve no
Rio, onde conversou com Gilberto Braga: - A maior lição que tirei foi a de não
cair na tentação de tornar uma das irmãs vilã – atesta.
A primeira experiência na área foi uma adaptação de “Vale
Tudo” – “Vale todo” – em 2002, gravada em estudos cariocas. Não foi
bem-sucedida, mas serviu como aprendizado.
- Ver “Vale tudo” em espanhol, passada no Rio é
inverossímil. Reconhece Bekel.
Em 2008, ciente do modus operandi, a Globo produziu “El Clon”,
versão de “O clone”, de Gloria Perez, com a mexicana Telemundo. Foi gravada em
Miami, onde a trama se passou – e ficou no ar de fevereiro a outubro de 2010,
nos EUA e no México. Já foi vendida a
mais de 50 países.
- Ela tem uma forte história de amor no estilo “Romeu e
Julieta”. Os mexicanos, especialmente, gostam de enredos assim. Eles preferem
personagens maniqueístas e sofredores – afirma Bokel.
Em seguida, veio “Entre el amor y deseo” – “Louco amor”,
também de Braga, - para TV Azteca. Outra experiência de coprodução foi “Laços
de sangue”, uma história original escrita por Pedro Lopes e supervisionada por
Aguinaldo Solva para TV portuguesa. A novela teve até participação de Susana
Vieira como Lara Romero, sua personagem em “Lara com Z”.
- Somos parceiros da SIC há mais de 20 anos, e eles
detectaram a necessidade de exibir produtos locais. Em Portugal, nossas novelas
só perdem apara o que é feito por eles – conta Bekel, que levou uma equipe
brasileira para montar alguns cenários da trama.
No momento, há três parcerias em vista. A mais imediata é “Fina
estampa”, de Aguinaldo Silva. A trama que fez sucesso aqui na faixa das 21h
será coproduzida com a Telemundo e gravada em Miami, com estreia prevista para
março. Clássico de Silvio de Abreu, “Rainha da Sucata” ou “La reina de la
chatarra”, já tem 20 capítulos prontos, supervisionados pelo autor, e está em
fase de negociação com o México. E a série “Os normais”, de Fernanda Young e
Alexandre Machado, está negociação com uma emissora chilena.
- É uma atração com formato peculiar. Temos que encontrar
uma dupla que tenha a mesma química da Fernanda Torres e do Luiz Fernando
Guimarães. Buscamos um brasileiro que resida no Chile para contextualizar as
piadas. A tradução não pode ser literal – pondera Bokel.
Para alcançar visibilidade, os produtos nacionais são oferecidos
em feiras mundiais e fazem parte de um catálogo com cerca de 16 opções e um
trailer esmerado. “Fina estampa”, por exemplo, chamou a atenção o perfil
batalhador de Griselda (Lilia Cabral). Ela funcionou também porque os mexicanos
amam a figura da mãe, destaca Bokel. Já o mordomo Crô (Marcelo Serrado) terá que ganhar contornos ainda mais
caricatos, quase pueris. Após o contrato, Aguinaldo já se reuniu com os autores.
- Os mexicanos são bem conversadores. Os portugueses, não.
Poderíamos exibir um beijo gay tranquilamente lá – diz Bokel.
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