Uma parceria de sucesso reinventada 30 anos depois



Sílvio de Abreu, Jorge Fernando e 'Guerra dos sexos', que estreia hoje

Publicado originalmente em O Globo, Segundo Caderno
Segunda-feira, 1º de outubro de 2012, página 6

TATIANA CONTREIRAS

RIO - Quando “Guerra dos sexos” estreou no horário das 19h, em 1983, na TV Globo, Jorge Fernando era — nas palavras do próprio — “um jovem diretor que queria provar que tinha um talento”. Já Silvio de Abreu se define como “mais pretensioso” naqueles tempos. A trama, então estrelada por Fernanda Montenegro e Paulo Autran, trazia em si a intenção (não tão oculta) de Silvio de criar um novo gênero nas novelas brasileiras. E a cena em que Fernanda Montenegro e Paulo Autran despejam o café da manhã um no outro — até hoje lembrada — é apenas um indício de que a parceria entre diretor e autor, revisitada na nova versão da trama que estreia segunda-feira, às 19h, na TV Globo, foi tão bem-sucedida quanto a proposta inicial do folhetim.
— Queria deixar as novelas mais descontraídas. Entendia que cada capítulo deveria ser um espetáculo diário, sem tempos mortos. Convenci Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, então todo-poderoso da emissora) a entregar a direção a Jorge Fernando e Guel Arraes, sabendo que com eles viria uma renovação, e, felizmente, não errei — conta o autor. — Jorge e eu somos inquietos, e isso nos aproxima muito. Esta é nossa oitava parceria: tivemos grandes sucessos como “Cambalacho”, “Rainha da sucata”, “A próxima vítima”; e outros menores, como “Deus nos acuda” e “As filhas da mãe”. Mas nunca deixamos de buscar o novo. E essa inquietação nos aproxima não só no trabalho, mas em conversas sobre peças, livros, filmes, música e tudo o que engloba o mundo artístico que amamos.
Nova versão seria um longa
Aos 26 anos, Jorge Fernando queria se firmar na Globo. E achou na trama de Silvio de Abreu o espaço para afiar seu estilo, hoje reconhecido dentro e fora da emissora, e aprender com o autor, também diretor e que vinha do cinema.
Silvio fez teatro e estreou na televisão em 1967, na TV Excelsior. Depois de virar assistente de direção de Carlos Manga, dirigiu seu primeiro longa, “Gente que transa”, em 1974. Em 1977, foi convidado pela TV Tupi para escrever novelas. E um ano depois voltou à Globo, onde havia atuado, então já como novelista.
— Conheci o ator Jorge Fernando antes de conhecer o diretor. Quando dirigia o programa “Teatro 2”, na TV Cultura de São Paulo, abri testes para um personagem jovem na peça “Hoje é dia de rock”, de José Vicente. Jorginho se apresentou entre outros candidatos, e eu o aprovei. Depois, nos encontramos na Globo, quando ele e Guel eram assistentes de Roberto Talma em “Jogo da vida”, uma das minhas primeiras novelas. Eu e Jorginho gostamos de atores. Vou ao Projac, vejo as gravações. Ficar em casa, posando de rei, não é comigo. Gosto da estiva — brinca Silvio.
Para Jorge Fernando, o sucesso da parceria tem uma explicação simples:
— O autor é o dono do projeto. O diretor tem que contar aquela história da melhor maneira possível e mais próxima da cabeça do autor.
A volta de “Guerra dos sexos” à TV começou, na verdade, como um projeto de filme encomendado pela própria emissora a Silvio, que assinaria o roteiro. Jorge Fernando dirigiria o longa. A proposta não vingou. Mas o autor gostou da ideia de revisitar a obra e pensou em dar à novela uma versão atualizada.
— Reescrevi tudo, por isso reluto em chamar de remake. Reescrevi não só por causa dos atores, mas porque as palavras também mudaram muito. A língua escrita não se transforma tanto, mas a falada sim. Novela não é literatura — defende Silvio.
Para Jorge Fernando, foi difícil se desapegar do original, que ainda reunia Tarcisio Meira e Gloria Menezes:
— Ler a história, apesar de repaginada, e esquecer a primeira versão levou de seis a sete meses. E também havia a minha parceria com o Guel Arraes. Apesar de ele estar ausente aqui, a figura dele e tudo o que me passou estão na minha cabeça. Depois de “Guerra dos sexos”, muita coisa foi feita em cima da novela. Foi um gênero que se consagrou, e nós mesmos demos continuidade a ele. Mas a vinda dos novos atores trouxe frescor. Agora já me desapeguei.
— Sei que vão dizer que a novela de 1983 era melhor — afirma Silvio. — Não era! A produção hoje é melhor, Jorginho é melhor diretor, eu sou melhor autor. Temos Irene Ravache e Tony Ramos, que são os melhores hoje e nunca fizeram esse tipo de comédia, de jogar torta na cara um do outro. Esse espírito da comédia encanta o elenco atual. Temos Gloria Pires e Edson Celulari. Ela fazendo comédia no cinema não é novidade (a atriz estrela os filmes da franquia “Se eu fosse você”), então tem naturalidade. E Edson é excelente comediante — avalia o autor.
‘Humor só de efeito não dá certo’
Para Jorge Fernando, não só os tempos são outros como o público que consome humor está diferente.
— O humor simplesmente de efeito já não dá mais certo. Para achar algo engraçado, o público tem que viver o drama dessa pessoa — diz o diretor.
Autor do seleto grupo das 21h, Silvio não titubeia ao dizer que o horário das 19h lhe dá mais liberdade, mas que o trabalho — e a exigência por audiência — são os mesmos.
— Não há receita de sucesso: você pode fazer uma produção vagabunda, e o público gostar. Não tenho noção de como ele é hoje, quero descobrir. E não acredito que a classe C só se interesse por ela. “Guerra dos sexos” é uma novela sofisticada e vem depois das Empreguetes. “Cheias de charme” é uma excelente novela. Será que vou conseguir esse sucesso? Estou há 37 anos com a mesma mulher, minha filha vive bem com o marido, não é drogada. Sou um senhor comum. Mas, quando escrevo, sou Deus. Tem gente que não tem imaginação, a minha é muito grande.
Nesses quase 30 anos, a dupla reconhece outras mudanças:
— Com os reality shows, tudo virou realidade — diz Silvio. — Eles direcionam o público a não aceitar mais a ficção. Mas esse é o meu interesse. Agora, em 1983, não havia celular. Hoje, não posso ignorá-lo. A novela começa com um comentário no Twitter. É outro mundo, e temos que nos adaptar a ele.
Influenciado pela screwball comedy — gênero cinematográfico dos tempos da Grande Depressão americana, caracterizado por situações muitas vezes farsescas e que invariavelmente conduzem ao riso —, Silvio diz que continua levando suas referências para as novelas. Mas também se atualiza.
— Comédias adolescentes, com escatologia, estão na moda, só que minha linha é outra.

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