A intensidade e a supremacia da forma em 'Suburbia'

Luiz Fernando Carvalho realizou obras marcantes no cinema e na TV, com ousadia estética amplamente reconhecida. O compromisso formal articula-se, agora, na série “Suburbia”, com uma leitura reconstrutiva da sociedade carioca, promovendo um resultado soberbo. O roteiro foi escrito pelo diretor com Paulo Lins e Carla Madeira. Os atores e atrizes, quase todos negros, são descobertas notáveis, que jogam por música com alguns talentos veteranos.
De “Cidade de Deus” a “Desde que o samba é samba”, Paulo Lins se dedica a mesclar observação etnográfica com elaboração narrativa ficional. Sua experiência biográfica enriquece a etnografia, transmitindo ao olhar reflexivo um sabor testemunhal, ao mesmo tempo que confere ao testemunho densidade analítica. Por isso, seus escritos são tão ricos e fortes.
Em “Suburbia”, a poesia dos criadores captura a vitalidade da Zona Norte e flagra a urgência de uma sociedade que ferve no fogo do medo e do desejo, no alvoroço das possibilidades, na fricção das contradições, longe do olhar bovino da Casa Grande, que acha feio o que não é clichê, que decalca o futuro nos moldes do passado idealizado, que discrimina e não se crê racista, que ainda sonha o velho sonho americano da prosperidade ilimitada, cujo prazo de validade esgotou-se na matriz.
Quando as cores do subúrbio carioca entram em cena pela primeira vez, no primeiro episódio de “Suburbia”, a luz comove antes que se diga uma palavra, derramando áfricas e mississipis imemoriais em nossa mais remota sensibilidade. No segundo episódio, essa mesma luz invade nossa praia interior como uma onda irresistível de empatia calorosa, aquém de conceitos e significados. Parece triunfar a fantasia de uma civilização fraterna e livre nos trópicos, regida por Eros, no embalo de todos os ritmos e sons, credos e cores. Civilização idealizada da qual sabemos pouco na vida real, embora sua imagem nos interpele.
Se os subúrbios norte-americamos encenaram o paraíso da classe média, que calculava a felicidade pela métrica fetichista do consumo, os subúrbios cariocas armam palcos para múltiplas utopias, das mais torpes e redundantes às mais belas e generosas. Nossos subúrbios entram em cena irradiando a voltagem indomesticável da força vital de seres humanos individuais e incomparáveis, nas tramas complexas de suas relações. Enigmas e potência estão ali, o que cancela ilusões, porque, havendo potência criativa, liberdade e diversidade, é inevitável que bem e mal estejam presentes, e que seja plausível a hipótese de que o futuro nasça envenenado. Por outro lado, quanta vitalidade.
A intensidade é a chave e o sentido, ainda que indizível. Não pode ser representada. Mas pode ser evocada, sensibilizando-se o olhar, encharcando a alma do espectador com a luz e a abertura do espectro das cores, com suas modulações quentes e suas nuances. Intensidade também se experimenta quando a música esculpe o tempo, no contraponto da imagem. Pode também ser evocada, mergulhando-se palavras, regras, conflitos e emoções no Piscinão de Ramos, aquele oceano retrátil que, no segundo episódio, verga a flecha do ódio. A intensidade, por sua ambivalência constitutiva, por sua natural amoralidade, não anula: dobra códigos morais, disciplina, leis, ritos, fronteiras, corpos e papéis. E o passo já é dança. A amizade, quase amor. O convívio beira a guerra.
Desde a entrada em cena hipnótica do subúrbio, no primeiro episódio, até a liquidação das resistências de Vera ao amor entre Clayton e Conceição, no segundo, a imagem oscila entre a estridência de um tom metálico e rutilante, hiperrealista, e a suavidade da aquarela impressionista, quase abstrata, tão forte a impressão de que não há contornos, apenas a emoção de compartilhar um momento em um território. Como costuma ocorrer na estética rigorosa de Carvalho, as escolhas não são arbitrárias. Observe-se a chegada da turma agressiva ao baile funk, no segundo episódio. A estridência das cores esmaltadas do automóvel, da pintura dos olhos e dos adereços do figurino de Jéssica: a realidade superlativa nega a própria solidez e desmancha no ar.
Atente-se para o contraste visual com a festa na praia. A variação não é aleatória, assim como é formalmente precisa a construção de diálogos e polifonias. Um exemplo brilhante é a intervenção da voz em off de Clayton, inaugurando um diálogo confessional com Cicinha, mas que soa, inicialmente, como flashback discursivo convencional, contando a história familiar do rapaz para explicar seu desejo de vingança. A edição surpreendente corta a sequência narrativa para o meio da conversa entre os namorados e redefine o que se viu, emprestando profundidade e dinamismo às cenas finais. A educação sentimental também é nossa. Em “Suburbia”, o alfabeto é sensorial.
Oráculos
Antes de chegar à cidade, Conceição, ainda criança, habita a zona rural degradada, numa família miserável, que sobrevive produzindo carvão, isto é, produzindo a degradação ambiental e de si mesma. O campo não se opõe à cidade por virtudes idílicas. O único patrimônio valioso da família são os laços de afeto, além do cavalo branco e cego que o pai teima em sacrificar, mas acaba salvo pela menina. O animal roseano vê fundo na escuridão daqueles tempos e antevê a noite do futuro, mas oferece o garbo fiel de seu galope e abre caminhos à sua jovem protetora. Ele a leva ao trem que a conduzirá para longe, para depois das fronteiras do mundo cerrado daquele sertão mineiro, cuja natureza parece a mortalha de seu povo escasso, e figura como simples arena para o exercício do princípio de corrosão. A cegueira do cavalo veloz que vê no escuro, e além, dialoga, no segundo episódio, com a personagem Mãe Bia, “que lê pensamento”. A cegueira do animal e a religiosidade da matriarca são oráculos.
Ainda no primeiro episódio, a intervenção de uma intelectual expõe as contradições brasileiras mais agudas, materializadas na perversa instituição que é o emprego doméstico. A proteção maternal traz consigo seu avesso. A sombra da generosidade é o cativeiro inconsciente de si. A marca ostensiva da violência vem com o estupro dentro de casa. O sexo que abre portas para a mulher belíssima cumpre papel de algoz, bloqueando sua passagem e aniquilando perspectivas. Não é o sexo a fonte da violência, por óbvio, mas a cultura machista, associada ao racismo e ao preconceito social. Contudo, sexo remete a natureza, ainda que se realize no campo da cultura. E a natureza está contaminada pelo princípio da corrosão, desde a origem carvoeira. A beleza é sempre a iminência da ruína, ainda que seja sublime e ponte para redenção. Assim como a sociabilidade arejada do subúrbio, morada de contradições e antagonismos, cujo destino não se resolve.
No centro nervoso do labirinto dramatúrgico de “Suburbia”, o sentido se decide pela supremacia da forma, porque é graças ao rigor estético que as múltiplas dimensões narrativas se articulam, ecoando a tensão insolúvel entre polos antagônicos e identificando a potência irruptiva subterrânea na cartografia carioca. Em poucas palavras: o que, na tradição portuguesa, que a saga dos Maias representa, era ruptura da harmonia contida que sustentava a velha ordem aristocrática, aqui, em “Suburbia”, é ritmo e linguagem. O excesso incorporado é matriz de nossa sociabilidade popular, perdendo seu sentido original, portanto, e se convertendo em intensidade, marca e valor culturais que o rigor estético de “Suburbia” nos deixa ver e sentir.
* Luiz Eduardo Soares é antropólogo e escritor.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/revista-da-tv/luiz-eduardo-soares-escreve-sobre-intensidade-da-forma-em-suburbia-6733970#ixzz2CZp8upfG
© 1996 - 2012. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.

Luiz Fernando Carvalho realizou obras marcantes no cinema e na TV, com ousadia estética amplamente reconhecida. O compromisso formal articula-se, agora, na série “Suburbia”, com uma leitura reconstrutiva da sociedade carioca, promovendo um resultado soberbo. O roteiro foi escrito pelo diretor com Paulo Lins e Carla Madeira. Os atores e atrizes, quase todos negros, são descobertas notáveis, que jogam por música com alguns talentos veteranos.
De “Cidade de Deus” a “Desde que o samba é samba”, Paulo Lins se dedica a mesclar observação etnográfica com elaboração narrativa ficional. Sua experiência biográfica enriquece a etnografia, transmitindo ao olhar reflexivo um sabor testemunhal, ao mesmo tempo que confere ao testemunho densidade analítica. Por isso, seus escritos são tão ricos e fortes.
Em “Suburbia”, a poesia dos criadores captura a vitalidade da Zona Norte e flagra a urgência de uma sociedade que ferve no fogo do medo e do desejo, no alvoroço das possibilidades, na fricção das contradições, longe do olhar bovino da Casa Grande, que acha feio o que não é clichê, que decalca o futuro nos moldes do passado idealizado, que discrimina e não se crê racista, que ainda sonha o velho sonho americano da prosperidade ilimitada, cujo prazo de validade esgotou-se na matriz.
Quando as cores do subúrbio carioca entram em cena pela primeira vez, no primeiro episódio de “Suburbia”, a luz comove antes que se diga uma palavra, derramando áfricas e mississipis imemoriais em nossa mais remota sensibilidade. No segundo episódio, essa mesma luz invade nossa praia interior como uma onda irresistível de empatia calorosa, aquém de conceitos e significados. Parece triunfar a fantasia de uma civilização fraterna e livre nos trópicos, regida por Eros, no embalo de todos os ritmos e sons, credos e cores. Civilização idealizada da qual sabemos pouco na vida real, embora sua imagem nos interpele.
Se os subúrbios norte-americamos encenaram o paraíso da classe média, que calculava a felicidade pela métrica fetichista do consumo, os subúrbios cariocas armam palcos para múltiplas utopias, das mais torpes e redundantes às mais belas e generosas. Nossos subúrbios entram em cena irradiando a voltagem indomesticável da força vital de seres humanos individuais e incomparáveis, nas tramas complexas de suas relações. Enigmas e potência estão ali, o que cancela ilusões, porque, havendo potência criativa, liberdade e diversidade, é inevitável que bem e mal estejam presentes, e que seja plausível a hipótese de que o futuro nasça envenenado. Por outro lado, quanta vitalidade.
A intensidade é a chave e o sentido, ainda que indizível. Não pode ser representada. Mas pode ser evocada, sensibilizando-se o olhar, encharcando a alma do espectador com a luz e a abertura do espectro das cores, com suas modulações quentes e suas nuances. Intensidade também se experimenta quando a música esculpe o tempo, no contraponto da imagem. Pode também ser evocada, mergulhando-se palavras, regras, conflitos e emoções no Piscinão de Ramos, aquele oceano retrátil que, no segundo episódio, verga a flecha do ódio. A intensidade, por sua ambivalência constitutiva, por sua natural amoralidade, não anula: dobra códigos morais, disciplina, leis, ritos, fronteiras, corpos e papéis. E o passo já é dança. A amizade, quase amor. O convívio beira a guerra.
Desde a entrada em cena hipnótica do subúrbio, no primeiro episódio, até a liquidação das resistências de Vera ao amor entre Clayton e Conceição, no segundo, a imagem oscila entre a estridência de um tom metálico e rutilante, hiperrealista, e a suavidade da aquarela impressionista, quase abstrata, tão forte a impressão de que não há contornos, apenas a emoção de compartilhar um momento em um território. Como costuma ocorrer na estética rigorosa de Carvalho, as escolhas não são arbitrárias. Observe-se a chegada da turma agressiva ao baile funk, no segundo episódio. A estridência das cores esmaltadas do automóvel, da pintura dos olhos e dos adereços do figurino de Jéssica: a realidade superlativa nega a própria solidez e desmancha no ar.
Atente-se para o contraste visual com a festa na praia. A variação não é aleatória, assim como é formalmente precisa a construção de diálogos e polifonias. Um exemplo brilhante é a intervenção da voz em off de Clayton, inaugurando um diálogo confessional com Cicinha, mas que soa, inicialmente, como flashback discursivo convencional, contando a história familiar do rapaz para explicar seu desejo de vingança. A edição surpreendente corta a sequência narrativa para o meio da conversa entre os namorados e redefine o que se viu, emprestando profundidade e dinamismo às cenas finais. A educação sentimental também é nossa. Em “Suburbia”, o alfabeto é sensorial.
Oráculos
Antes de chegar à cidade, Conceição, ainda criança, habita a zona rural degradada, numa família miserável, que sobrevive produzindo carvão, isto é, produzindo a degradação ambiental e de si mesma. O campo não se opõe à cidade por virtudes idílicas. O único patrimônio valioso da família são os laços de afeto, além do cavalo branco e cego que o pai teima em sacrificar, mas acaba salvo pela menina. O animal roseano vê fundo na escuridão daqueles tempos e antevê a noite do futuro, mas oferece o garbo fiel de seu galope e abre caminhos à sua jovem protetora. Ele a leva ao trem que a conduzirá para longe, para depois das fronteiras do mundo cerrado daquele sertão mineiro, cuja natureza parece a mortalha de seu povo escasso, e figura como simples arena para o exercício do princípio de corrosão. A cegueira do cavalo veloz que vê no escuro, e além, dialoga, no segundo episódio, com a personagem Mãe Bia, “que lê pensamento”. A cegueira do animal e a religiosidade da matriarca são oráculos.
Ainda no primeiro episódio, a intervenção de uma intelectual expõe as contradições brasileiras mais agudas, materializadas na perversa instituição que é o emprego doméstico. A proteção maternal traz consigo seu avesso. A sombra da generosidade é o cativeiro inconsciente de si. A marca ostensiva da violência vem com o estupro dentro de casa. O sexo que abre portas para a mulher belíssima cumpre papel de algoz, bloqueando sua passagem e aniquilando perspectivas. Não é o sexo a fonte da violência, por óbvio, mas a cultura machista, associada ao racismo e ao preconceito social. Contudo, sexo remete a natureza, ainda que se realize no campo da cultura. E a natureza está contaminada pelo princípio da corrosão, desde a origem carvoeira. A beleza é sempre a iminência da ruína, ainda que seja sublime e ponte para redenção. Assim como a sociabilidade arejada do subúrbio, morada de contradições e antagonismos, cujo destino não se resolve.
No centro nervoso do labirinto dramatúrgico de “Suburbia”, o sentido se decide pela supremacia da forma, porque é graças ao rigor estético que as múltiplas dimensões narrativas se articulam, ecoando a tensão insolúvel entre polos antagônicos e identificando a potência irruptiva subterrânea na cartografia carioca. Em poucas palavras: o que, na tradição portuguesa, que a saga dos Maias representa, era ruptura da harmonia contida que sustentava a velha ordem aristocrática, aqui, em “Suburbia”, é ritmo e linguagem. O excesso incorporado é matriz de nossa sociabilidade popular, perdendo seu sentido original, portanto, e se convertendo em intensidade, marca e valor culturais que o rigor estético de “Suburbia” nos deixa ver e sentir.
* Luiz Eduardo Soares é antropólogo e escritor.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/revista-da-tv/luiz-eduardo-soares-escreve-sobre-intensidade-da-forma-em-suburbia-6733970#ixzz2CZp8upfG
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Publicado originalmente em O Globo, Segundo Caderno
Quinta-feira, 15 de novembro de 2012, página 2
LUIZ EDUARDO SOARES
Luiz Fernando Carvalho realizou obras marcantes no cinema e na TV, com ousadia estética amplamente reconhecida. O compromisso formal articula-se, agora, na série “Suburbia”, com uma leitura reconstrutiva da sociedade carioca, promovendo um resultado soberbo. O roteiro foi escrito pelo diretor com Paulo Lins e Carla Madeira. Os atores e atrizes, quase todos negros, são descobertas notáveis, que jogam por música com alguns talentos veteranos.
De “Cidade de Deus” a “Desde que o samba é samba”, Paulo Lins se dedica a mesclar observação etnográfica com elaboração narrativa ficional. Sua experiência biográfica enriquece a etnografia, transmitindo ao olhar reflexivo um sabor testemunhal, ao mesmo tempo que confere ao testemunho densidade analítica. Por isso, seus escritos são tão ricos e fortes.
Em “Suburbia”, a poesia dos criadores captura a vitalidade da Zona Norte e flagra a urgência de uma sociedade que ferve no fogo do medo e do desejo, no alvoroço das possibilidades, na fricção das contradições, longe do olhar bovino da Casa Grande, que acha feio o que não é clichê, que decalca o futuro nos moldes do passado idealizado, que discrimina e não se crê racista, que ainda sonha o velho sonho americano da prosperidade ilimitada, cujo prazo de validade esgotou-se na matriz.
Quando as cores do subúrbio carioca entram em cena pela primeira vez, no primeiro episódio de “Suburbia”, a luz comove antes que se diga uma palavra, derramando áfricas e mississipis imemoriais em nossa mais remota sensibilidade. No segundo episódio, essa mesma luz invade nossa praia interior como uma onda irresistível de empatia calorosa, aquém de conceitos e significados. Parece triunfar a fantasia de uma civilização fraterna e livre nos trópicos, regida por Eros, no embalo de todos os ritmos e sons, credos e cores. Civilização idealizada da qual sabemos pouco na vida real, embora sua imagem nos interpele.
Se os subúrbios norte-americamos encenaram o paraíso da classe média, que calculava a felicidade pela métrica fetichista do consumo, os subúrbios cariocas armam palcos para múltiplas utopias, das mais torpes e redundantes às mais belas e generosas. Nossos subúrbios entram em cena irradiando a voltagem indomesticável da força vital de seres humanos individuais e incomparáveis, nas tramas complexas de suas relações. Enigmas e potência estão ali, o que cancela ilusões, porque, havendo potência criativa, liberdade e diversidade, é inevitável que bem e mal estejam presentes, e que seja plausível a hipótese de que o futuro nasça envenenado. Por outro lado, quanta vitalidade.
A intensidade é a chave e o sentido, ainda que indizível. Não pode ser representada. Mas pode ser evocada, sensibilizando-se o olhar, encharcando a alma do espectador com a luz e a abertura do espectro das cores, com suas modulações quentes e suas nuances. Intensidade também se experimenta quando a música esculpe o tempo, no contraponto da imagem. Pode também ser evocada, mergulhando-se palavras, regras, conflitos e emoções no Piscinão de Ramos, aquele oceano retrátil que, no segundo episódio, verga a flecha do ódio. A intensidade, por sua ambivalência constitutiva, por sua natural amoralidade, não anula: dobra códigos morais, disciplina, leis, ritos, fronteiras, corpos e papéis. E o passo já é dança. A amizade, quase amor. O convívio beira a guerra.
Desde a entrada em cena hipnótica do subúrbio, no primeiro episódio, até a liquidação das resistências de Vera ao amor entre Clayton e Conceição, no segundo, a imagem oscila entre a estridência de um tom metálico e rutilante, hiperrealista, e a suavidade da aquarela impressionista, quase abstrata, tão forte a impressão de que não há contornos, apenas a emoção de compartilhar um momento em um território. Como costuma ocorrer na estética rigorosa de Carvalho, as escolhas não são arbitrárias. Observe-se a chegada da turma agressiva ao baile funk, no segundo episódio. A estridência das cores esmaltadas do automóvel, da pintura dos olhos e dos adereços do figurino de Jéssica: a realidade superlativa nega a própria solidez e desmancha no ar.
Atente-se para o contraste visual com a festa na praia. A variação não é aleatória, assim como é formalmente precisa a construção de diálogos e polifonias. Um exemplo brilhante é a intervenção da voz em off de Clayton, inaugurando um diálogo confessional com Cicinha, mas que soa, inicialmente, como flashback discursivo convencional, contando a história familiar do rapaz para explicar seu desejo de vingança. A edição surpreendente corta a sequência narrativa para o meio da conversa entre os namorados e redefine o que se viu, emprestando profundidade e dinamismo às cenas finais. A educação sentimental também é nossa. Em “Suburbia”, o alfabeto é sensorial.
Oráculos
Antes de chegar à cidade, Conceição, ainda criança, habita a zona rural degradada, numa família miserável, que sobrevive produzindo carvão, isto é, produzindo a degradação ambiental e de si mesma. O campo não se opõe à cidade por virtudes idílicas. O único patrimônio valioso da família são os laços de afeto, além do cavalo branco e cego que o pai teima em sacrificar, mas acaba salvo pela menina. O animal roseano vê fundo na escuridão daqueles tempos e antevê a noite do futuro, mas oferece o garbo fiel de seu galope e abre caminhos à sua jovem protetora. Ele a leva ao trem que a conduzirá para longe, para depois das fronteiras do mundo cerrado daquele sertão mineiro, cuja natureza parece a mortalha de seu povo escasso, e figura como simples arena para o exercício do princípio de corrosão. A cegueira do cavalo veloz que vê no escuro, e além, dialoga, no segundo episódio, com a personagem Mãe Bia, “que lê pensamento”. A cegueira do animal e a religiosidade da matriarca são oráculos.
Ainda no primeiro episódio, a intervenção de uma intelectual expõe as contradições brasileiras mais agudas, materializadas na perversa instituição que é o emprego doméstico. A proteção maternal traz consigo seu avesso. A sombra da generosidade é o cativeiro inconsciente de si. A marca ostensiva da violência vem com o estupro dentro de casa. O sexo que abre portas para a mulher belíssima cumpre papel de algoz, bloqueando sua passagem e aniquilando perspectivas. Não é o sexo a fonte da violência, por óbvio, mas a cultura machista, associada ao racismo e ao preconceito social. Contudo, sexo remete a natureza, ainda que se realize no campo da cultura. E a natureza está contaminada pelo princípio da corrosão, desde a origem carvoeira. A beleza é sempre a iminência da ruína, ainda que seja sublime e ponte para redenção. Assim como a sociabilidade arejada do subúrbio, morada de contradições e antagonismos, cujo destino não se resolve.
No centro nervoso do labirinto dramatúrgico de “Suburbia”, o sentido se decide pela supremacia da forma, porque é graças ao rigor estético que as múltiplas dimensões narrativas se articulam, ecoando a tensão insolúvel entre polos antagônicos e identificando a potência irruptiva subterrânea na cartografia carioca. Em poucas palavras: o que, na tradição portuguesa, que a saga dos Maias representa, era ruptura da harmonia contida que sustentava a velha ordem aristocrática, aqui, em “Suburbia”, é ritmo e linguagem. O excesso incorporado é matriz de nossa sociabilidade popular, perdendo seu sentido original, portanto, e se convertendo em intensidade, marca e valor culturais que o rigor estético de “Suburbia” nos deixa ver e sentir.
* Luiz Eduardo Soares é antropólogo e escritor.
uiz Fernando Carvalho realizou obras marcantes no cinema e na TV, com ousadia estética amplamente reconhecida. O compromisso formal articula-se, agora, na série “Suburbia”, com uma leitura reconstrutiva da sociedade carioca, promovendo um resultado soberbo. O roteiro foi escrito pelo diretor com Paulo Lins e Carla Madeira. Os atores e atrizes, quase todos negros, são descobertas notáveis, que jogam por música com alguns talentos veteranos.
De “Cidade de Deus” a “Desde que o samba é samba”, Paulo Lins se dedica a mesclar observação etnográfica com elaboração narrativa ficional. Sua experiência biográfica enriquece a etnografia, transmitindo ao olhar reflexivo um sabor testemunhal, ao mesmo tempo que confere ao testemunho densidade analítica. Por isso, seus escritos são tão ricos e fortes.
Em “Suburbia”, a poesia dos criadores captura a vitalidade da Zona Norte e flagra a urgência de uma sociedade que ferve no fogo do medo e do desejo, no alvoroço das possibilidades, na fricção das contradições, longe do olhar bovino da Casa Grande, que acha feio o que não é clichê, que decalca o futuro nos moldes do passado idealizado, que discrimina e não se crê racista, que ainda sonha o velho sonho americano da prosperidade ilimitada, cujo prazo de validade esgotou-se na matriz.
Quando as cores do subúrbio carioca entram em cena pela primeira vez, no primeiro episódio de “Suburbia”, a luz comove antes que se diga uma palavra, derramando áfricas e mississipis imemoriais em nossa mais remota sensibilidade. No segundo episódio, essa mesma luz invade nossa praia interior como uma onda irresistível de empatia calorosa, aquém de conceitos e significados. Parece triunfar a fantasia de uma civilização fraterna e livre nos trópicos, regida por Eros, no embalo de todos os ritmos e sons, credos e cores. Civilização idealizada da qual sabemos pouco na vida real, embora sua imagem nos interpele.
Se os subúrbios norte-americamos encenaram o paraíso da classe média, que calculava a felicidade pela métrica fetichista do consumo, os subúrbios cariocas armam palcos para múltiplas utopias, das mais torpes e redundantes às mais belas e generosas. Nossos subúrbios entram em cena irradiando a voltagem indomesticável da força vital de seres humanos individuais e incomparáveis, nas tramas complexas de suas relações. Enigmas e potência estão ali, o que cancela ilusões, porque, havendo potência criativa, liberdade e diversidade, é inevitável que bem e mal estejam presentes, e que seja plausível a hipótese de que o futuro nasça envenenado. Por outro lado, quanta vitalidade.
A intensidade é a chave e o sentido, ainda que indizível. Não pode ser representada. Mas pode ser evocada, sensibilizando-se o olhar, encharcando a alma do espectador com a luz e a abertura do espectro das cores, com suas modulações quentes e suas nuances. Intensidade também se experimenta quando a música esculpe o tempo, no contraponto da imagem. Pode também ser evocada, mergulhando-se palavras, regras, conflitos e emoções no Piscinão de Ramos, aquele oceano retrátil que, no segundo episódio, verga a flecha do ódio. A intensidade, por sua ambivalência constitutiva, por sua natural amoralidade, não anula: dobra códigos morais, disciplina, leis, ritos, fronteiras, corpos e papéis. E o passo já é dança. A amizade, quase amor. O convívio beira a guerra.
Desde a entrada em cena hipnótica do subúrbio, no primeiro episódio, até a liquidação das resistências de Vera ao amor entre Clayton e Conceição, no segundo, a imagem oscila entre a estridência de um tom metálico e rutilante, hiperrealista, e a suavidade da aquarela impressionista, quase abstrata, tão forte a impressão de que não há contornos, apenas a emoção de compartilhar um momento em um território. Como costuma ocorrer na estética rigorosa de Carvalho, as escolhas não são arbitrárias. Observe-se a chegada da turma agressiva ao baile funk, no segundo episódio. A estridência das cores esmaltadas do automóvel, da pintura dos olhos e dos adereços do figurino de Jéssica: a realidade superlativa nega a própria solidez e desmancha no ar.
Atente-se para o contraste visual com a festa na praia. A variação não é aleatória, assim como é formalmente precisa a construção de diálogos e polifonias. Um exemplo brilhante é a intervenção da voz em off de Clayton, inaugurando um diálogo confessional com Cicinha, mas que soa, inicialmente, como flashback discursivo convencional, contando a história familiar do rapaz para explicar seu desejo de vingança. A edição surpreendente corta a sequência narrativa para o meio da conversa entre os namorados e redefine o que se viu, emprestando profundidade e dinamismo às cenas finais. A educação sentimental também é nossa. Em “Suburbia”, o alfabeto é sensorial.
Oráculos
Antes de chegar à cidade, Conceição, ainda criança, habita a zona rural degradada, numa família miserável, que sobrevive produzindo carvão, isto é, produzindo a degradação ambiental e de si mesma. O campo não se opõe à cidade por virtudes idílicas. O único patrimônio valioso da família são os laços de afeto, além do cavalo branco e cego que o pai teima em sacrificar, mas acaba salvo pela menina. O animal roseano vê fundo na escuridão daqueles tempos e antevê a noite do futuro, mas oferece o garbo fiel de seu galope e abre caminhos à sua jovem protetora. Ele a leva ao trem que a conduzirá para longe, para depois das fronteiras do mundo cerrado daquele sertão mineiro, cuja natureza parece a mortalha de seu povo escasso, e figura como simples arena para o exercício do princípio de corrosão. A cegueira do cavalo veloz que vê no escuro, e além, dialoga, no segundo episódio, com a personagem Mãe Bia, “que lê pensamento”. A cegueira do animal e a religiosidade da matriarca são oráculos.
Ainda no primeiro episódio, a intervenção de uma intelectual expõe as contradições brasileiras mais agudas, materializadas na perversa instituição que é o emprego doméstico. A proteção maternal traz consigo seu avesso. A sombra da generosidade é o cativeiro inconsciente de si. A marca ostensiva da violência vem com o estupro dentro de casa. O sexo que abre portas para a mulher belíssima cumpre papel de algoz, bloqueando sua passagem e aniquilando perspectivas. Não é o sexo a fonte da violência, por óbvio, mas a cultura machista, associada ao racismo e ao preconceito social. Contudo, sexo remete a natureza, ainda que se realize no campo da cultura. E a natureza está contaminada pelo princípio da corrosão, desde a origem carvoeira. A beleza é sempre a iminência da ruína, ainda que seja sublime e ponte para redenção. Assim como a sociabilidade arejada do subúrbio, morada de contradições e antagonismos, cujo destino não se resolve.
No centro nervoso do labirinto dramatúrgico de “Suburbia”, o sentido se decide pela supremacia da forma, porque é graças ao rigor estético que as múltiplas dimensões narrativas se articulam, ecoando a tensão insolúvel entre polos antagônicos e identificando a potência irruptiva subterrânea na cartografia carioca. Em poucas palavras: o que, na tradição portuguesa, que a saga dos Maias representa, era ruptura da harmonia contida que sustentava a velha ordem aristocrática, aqui, em “Suburbia”, é ritmo e linguagem. O excesso incorporado é matriz de nossa sociabilidade popular, perdendo seu sentido original, portanto, e se convertendo em intensidade, marca e valor culturais que o rigor estético de “Suburbia” nos deixa ver e sentir.
* Luiz Eduardo Soares é antropólogo e escritor.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/revista-da-tv/luiz-eduardo-soares-escreve-sobre-intensidade-da-forma-em-suburbia-6733970#ixzz2CZor4lbQ
© 1996 - 2012. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
uiz Fernando Carvalho realizou obras marcantes no cinema e na TV, com ousadia estética amplamente reconhecida. O compromisso formal articula-se, agora, na série “Suburbia”, com uma leitura reconstrutiva da sociedade carioca, promovendo um resultado soberbo. O roteiro foi escrito pelo diretor com Paulo Lins e Carla Madeira. Os atores e atrizes, quase todos negros, são descobertas notáveis, que jogam por música com alguns talentos veteranos.
De “Cidade de Deus” a “Desde que o samba é samba”, Paulo Lins se dedica a mesclar observação etnográfica com elaboração narrativa ficional. Sua experiência biográfica enriquece a etnografia, transmitindo ao olhar reflexivo um sabor testemunhal, ao mesmo tempo que confere ao testemunho densidade analítica. Por isso, seus escritos são tão ricos e fortes.
Em “Suburbia”, a poesia dos criadores captura a vitalidade da Zona Norte e flagra a urgência de uma sociedade que ferve no fogo do medo e do desejo, no alvoroço das possibilidades, na fricção das contradições, longe do olhar bovino da Casa Grande, que acha feio o que não é clichê, que decalca o futuro nos moldes do passado idealizado, que discrimina e não se crê racista, que ainda sonha o velho sonho americano da prosperidade ilimitada, cujo prazo de validade esgotou-se na matriz.
Quando as cores do subúrbio carioca entram em cena pela primeira vez, no primeiro episódio de “Suburbia”, a luz comove antes que se diga uma palavra, derramando áfricas e mississipis imemoriais em nossa mais remota sensibilidade. No segundo episódio, essa mesma luz invade nossa praia interior como uma onda irresistível de empatia calorosa, aquém de conceitos e significados. Parece triunfar a fantasia de uma civilização fraterna e livre nos trópicos, regida por Eros, no embalo de todos os ritmos e sons, credos e cores. Civilização idealizada da qual sabemos pouco na vida real, embora sua imagem nos interpele.
Se os subúrbios norte-americamos encenaram o paraíso da classe média, que calculava a felicidade pela métrica fetichista do consumo, os subúrbios cariocas armam palcos para múltiplas utopias, das mais torpes e redundantes às mais belas e generosas. Nossos subúrbios entram em cena irradiando a voltagem indomesticável da força vital de seres humanos individuais e incomparáveis, nas tramas complexas de suas relações. Enigmas e potência estão ali, o que cancela ilusões, porque, havendo potência criativa, liberdade e diversidade, é inevitável que bem e mal estejam presentes, e que seja plausível a hipótese de que o futuro nasça envenenado. Por outro lado, quanta vitalidade.
A intensidade é a chave e o sentido, ainda que indizível. Não pode ser representada. Mas pode ser evocada, sensibilizando-se o olhar, encharcando a alma do espectador com a luz e a abertura do espectro das cores, com suas modulações quentes e suas nuances. Intensidade também se experimenta quando a música esculpe o tempo, no contraponto da imagem. Pode também ser evocada, mergulhando-se palavras, regras, conflitos e emoções no Piscinão de Ramos, aquele oceano retrátil que, no segundo episódio, verga a flecha do ódio. A intensidade, por sua ambivalência constitutiva, por sua natural amoralidade, não anula: dobra códigos morais, disciplina, leis, ritos, fronteiras, corpos e papéis. E o passo já é dança. A amizade, quase amor. O convívio beira a guerra.
Desde a entrada em cena hipnótica do subúrbio, no primeiro episódio, até a liquidação das resistências de Vera ao amor entre Clayton e Conceição, no segundo, a imagem oscila entre a estridência de um tom metálico e rutilante, hiperrealista, e a suavidade da aquarela impressionista, quase abstrata, tão forte a impressão de que não há contornos, apenas a emoção de compartilhar um momento em um território. Como costuma ocorrer na estética rigorosa de Carvalho, as escolhas não são arbitrárias. Observe-se a chegada da turma agressiva ao baile funk, no segundo episódio. A estridência das cores esmaltadas do automóvel, da pintura dos olhos e dos adereços do figurino de Jéssica: a realidade superlativa nega a própria solidez e desmancha no ar.
Atente-se para o contraste visual com a festa na praia. A variação não é aleatória, assim como é formalmente precisa a construção de diálogos e polifonias. Um exemplo brilhante é a intervenção da voz em off de Clayton, inaugurando um diálogo confessional com Cicinha, mas que soa, inicialmente, como flashback discursivo convencional, contando a história familiar do rapaz para explicar seu desejo de vingança. A edição surpreendente corta a sequência narrativa para o meio da conversa entre os namorados e redefine o que se viu, emprestando profundidade e dinamismo às cenas finais. A educação sentimental também é nossa. Em “Suburbia”, o alfabeto é sensorial.
Oráculos
Antes de chegar à cidade, Conceição, ainda criança, habita a zona rural degradada, numa família miserável, que sobrevive produzindo carvão, isto é, produzindo a degradação ambiental e de si mesma. O campo não se opõe à cidade por virtudes idílicas. O único patrimônio valioso da família são os laços de afeto, além do cavalo branco e cego que o pai teima em sacrificar, mas acaba salvo pela menina. O animal roseano vê fundo na escuridão daqueles tempos e antevê a noite do futuro, mas oferece o garbo fiel de seu galope e abre caminhos à sua jovem protetora. Ele a leva ao trem que a conduzirá para longe, para depois das fronteiras do mundo cerrado daquele sertão mineiro, cuja natureza parece a mortalha de seu povo escasso, e figura como simples arena para o exercício do princípio de corrosão. A cegueira do cavalo veloz que vê no escuro, e além, dialoga, no segundo episódio, com a personagem Mãe Bia, “que lê pensamento”. A cegueira do animal e a religiosidade da matriarca são oráculos.
Ainda no primeiro episódio, a intervenção de uma intelectual expõe as contradições brasileiras mais agudas, materializadas na perversa instituição que é o emprego doméstico. A proteção maternal traz consigo seu avesso. A sombra da generosidade é o cativeiro inconsciente de si. A marca ostensiva da violência vem com o estupro dentro de casa. O sexo que abre portas para a mulher belíssima cumpre papel de algoz, bloqueando sua passagem e aniquilando perspectivas. Não é o sexo a fonte da violência, por óbvio, mas a cultura machista, associada ao racismo e ao preconceito social. Contudo, sexo remete a natureza, ainda que se realize no campo da cultura. E a natureza está contaminada pelo princípio da corrosão, desde a origem carvoeira. A beleza é sempre a iminência da ruína, ainda que seja sublime e ponte para redenção. Assim como a sociabilidade arejada do subúrbio, morada de contradições e antagonismos, cujo destino não se resolve.
No centro nervoso do labirinto dramatúrgico de “Suburbia”, o sentido se decide pela supremacia da forma, porque é graças ao rigor estético que as múltiplas dimensões narrativas se articulam, ecoando a tensão insolúvel entre polos antagônicos e identificando a potência irruptiva subterrânea na cartografia carioca. Em poucas palavras: o que, na tradição portuguesa, que a saga dos Maias representa, era ruptura da harmonia contida que sustentava a velha ordem aristocrática, aqui, em “Suburbia”, é ritmo e linguagem. O excesso incorporado é matriz de nossa sociabilidade popular, perdendo seu sentido original, portanto, e se convertendo em intensidade, marca e valor culturais que o rigor estético de “Suburbia” nos deixa ver e sentir.
* Luiz Eduardo Soares é antropólogo e escritor.


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