Nova direção

 Luiz Fernando Carvalho diz que precisou se reinventar para tirar de seu elenco um jeito de interpretar mais próximo da realidade

Publicado originalmente em O Globo, Revista da TV
Domingo, 28 de outubro de 2012, página 14

ZEAN BRAVO

Reconhecido pelo trabalho autoral na TV, Luiz Fernando Carvalho, de 52 anos, estava trabalhando em um novo projeto quando recebeu a encomenda de uma série para entrar no ar ainda este ano. Ao se decidir por Subúrbia, “uma história de amor e drama social permeada de sensualidade e violência”, que estreia nesta quinta-feira na Globo, o diretor de Hoje é Dia de Maria (2005) e A Pedra do Reino (2007) sentiu uma necessidade de, em suas palavras, experimentar “um despojamento e uma desconstrução”. Rodada em 50 locações no subúrbio do Rio, a produção lança quase 40 novos nomes, como Débora Nascimento e Erika Januza, que dividem o papel da protagonista, Conceição.

Por que você resolveu falar sobre o subúrbio? Qual a sua relação com esse universo?

Luiz Fernando Carvalho. Subúrbia é uma ideia antiga, há mais de dez anos penso nesse universo. Trabalhava sobre outro texto quando me foi pedido um projeto para entrar no ar neste ano. Abri a gaveta e me deparei com as anotações de Betânia. Explico melhor: Betânia era uma “mãe preta” que tive por mais de 25 anos. Começou a trabalhar aqui em casa como faxineira, mas logo se tornou fundamental na minha vida, pela carga de afeto que nutríamos um pelo outro. Negra, analfabeta, mas cheia de vida e inteligência, vez por outra rememorava sua trajetória de vida, fazendo isso com riqueza de detalhes enquanto preparava meu almoço ou arrumava a casa. Eu ali, diante de tantas memórias fascinantes, comecei a anotá-las sem ter a noção do que um dia faria com aquilo. Este ano, quando abri a gaveta e dei de cara com os escritos, eles já eram em si uma sinopse. A ideia antiga então ganhou um personagem central. Depois corri para o Paulo Lins e o convidei para escrevermos juntos. Nasceu Subúrbia.

Nos últimos meses, o telespectador conviveu com o subúrbio de Avenida Brasil. Como será o da série?


Não devemos comparar. São histórias e olhares diferentes, são segmentos diferentes. No fundo, talvez se complementem. Você poderá até se perguntar onde foi parar aquele universo de Subúrbia, e quem sabe encontrará algumas respostas em Avenida Brasil. Mas Subúrbia é outra coisa, é um universo particular, trata-se de uma família de negros, onde a memória ainda tem um refúgio. Apesar de todas as contradições já presentes naquela década (a trama se passa nos anos 1990), o subúrbio é como um espaço congelado no tempo, onde as coisas parecem ter uma certa perenidade. A tradição ainda está em seus moradores, em seus códigos de conduta, em seu poder de conviver em meio às diferenças.


Por que você escalou um elenco formado quase todo por novos nomes?

No cerne do meu trabalho está a oportunidade de lidar com o humano, com gentes dos mais diferentes pontos de origem. O elenco de Subúrbia me ensinou como evitar a caricatura, o pitoresco, a paisagem humana pintada de um ponto de vista puramente externo, excludente e falso. No meu dia a dia das gravações transpirou um esforço para entender o outro. O encontro com cada um foi o que mais me iluminou na travessia, me fazendo ver os significados mais profundos e verdadeiros da realidade que nos cerca.

O que esses novos rostos trazem para a TV?

Uma boa dose de verdade, um modo de atuar tão próximo e incorporado à realidade deles que fica impossível separar o que é vida real do que é personagem. Nem chamaria de interpretação. É algo realmente cheio de urgência e frescor. Pedi que não interpretassem, que simplesmente vivessem. Assim foi. Preparei-me para rodar as cenas de forma muito simples e rápida, repetindo o mínimo possível as tomadas para que o elenco não mecanizasse, me aproximando como um documentarista dos acontecimentos vividos por eles. No meu modo de sentir, a TV só tem a ganhar com esses talentos.

Quais são as suas maiores apostas neste elenco?


Eu tenho que dizer que estamos lançando mais de 40 atores. Isso talvez seja inédito. Mais surpreendente ainda é o fato de serem, na sua maioria, negros. Inédito também é o fato de termos tentado erguer, finalmente, uma dramaturgia criada para retratar esses personagens. Não faltam excelentes atores negros no país. Quem diz isso é, no mínimo, preguiçoso. Falta é espaço. O que faltam são textos, uma dramaturgia sem clichês, sem panfletos, mas em tudo fundamental para o entendimento da formação do povo brasileiro. E em Subúrbia nada teria sido possível sem o rigor e a sensibilidade de profissionais como Paulo Lins e Nelson Fonseca, só para citar dois. Foi uma convergência sem igual essa minha com o Paulo.

Comentários