Novo secretário pretende levar projetos lucrativos de cinema, TV, música e artes em geral para a RioFilme, que segue presidindo, e deixar que a pasta cuide de iniciativas sem apelo comercial
Publicado originalmente em O Globo, Segundo Caderno
Segunda-feira, 26 de novembro de 2012, página 1
CRISTINA TARDÁGUILA
A menos de um mês de tomar posse na
Secretaria municipal de Cultura, o jornalista Sérgio Sá Leitão recebeu sinal
verde do prefeito Eduardo Paes não só para continuar à frente da RioFilme,
empresa municipal de distribuição, apoio e fomento ao cinema, subordinada à
pasta, como também para transformá-la no mais poderoso ente público financiador
de cultura da cidade. Vem aí a “RioFilme 2.0”.
Sá Leitão conta que a empresa que
administra desde 2008 deixará de atuar exclusivamente em cinema para, já em
2013, se dedicar a projetos culturais voltados para a TV. A ideia de expansão,
que inclui uma possível mudança de nome, ainda precisa passar pela Câmara de
Vereadores, mas, se aprovada, dará à secretaria — por meio da RioFilme — a
chance de abocanhar parte do filão que foi aberto em setembro com a aprovação
da Nova Lei da TV Paga (aquela que hoje obriga canais por assinatura a exibir
pelo menos 70 minutos de conteúdo nacional em horário nobre por semana).
Os planos de Sá Leitão vão além. O
jornalista, que deve substituir o produtor gaúcho Emilio Kalil à frente da
secretaria até meados de dezembro, adianta que, até 2016, a RioFilme terá ao
menos outras oito “unidades de negócio”, incentivando projetos de artes
cênicas, artes plásticas, música, literatura, games, design, moda e
arquitetura. Cada uma terá uma “superintendência própria” na nova RioFilme.
— Na minha secretaria, vamos trabalhar
na forma de dois “guichês” — explica, reproduzindo o sinal gráfico das aspas
com as mãos. — Um funcionará na RioFilme e cuidará de projetos culturais,
reembolsáveis, que visem ao lucro e estejam voltados a um número expressivo de
espectadores (ainda a ser definido). O segundo guichê funcionará na
própria secretaria de Cultura e ficará responsável por incentivar produções sem
ambições comerciais, que tenham cunho exclusivamente artístico ou que sejam
encampadas por produtores de primeira viagem.
E o orçamento inicial para fomento nos
dois “guichês” será idêntico no ano que vem: R$ 50 milhões para cada um,
adianta Sá Leitão.
— Com isso, a RioFilme sai do patamar
dos R$ 30 milhões previstos neste ano, e a secretaria, dos R$ 25 milhões
destinados a fomento em 2012. Ambas vão para R$ 50 milhões.
Mas, como exigirá dos projetos
comerciais apoiados pela RioFilme uma contrapartida financeira (seja em
participação na bilheteria ou na venda de anúncios comerciais, por exemplo), Sá
Leitão sabe que, em pouco tempo, os valores movimentados pela empresa municipal
serão mais robustos do que os da secretaria.
— Não há dúvidas disso — reconhece. —
Com o tempo, a RioFilme terá um orçamento maior porque vai contar com a receita
dos projetos incentivados. Mas a lógica é clara: é dinheiro da indústria
cultural sendo revertido para ela, exatamente como já fazemos hoje com o
cinema.
Ao defender o crescimento da RioFilme,
que completa 20 anos em 2012, o futuro secretário lança mão de um discurso
apoiado na necessidade de desburocratizar a máquina pública.
— Precisamos ganhar agilidade — diz. —
Na secretaria, o trâmite para liberação de dinheiro é muito longo. Hoje, entre
a hora em que alguém pede apoio e a hora em que efetivamente recebe o dinheiro
passam-se de três a nove meses. É uma gestação! Quero uma cultura competitiva
no Rio, e esse cenário não condiz com isso.
Vozes críticas a essa transferência de
poderes lembram que, com investimentos geridos por uma empresa pública, os
critérios de financiamento costumam ficar mais brandos, e os editais deixam de
ter o mesmo nível de restrições imposto pelos orgãos tradicionais.
Sá Leitão rebate:
— Isso não procede. A diferença é que a
empresa pública pode ter participação direta nas receitas dos projetos
investidos. E pode reinvestir em novos projetos, criando um ciclo virtuoso. Na
verdade, (nesse cenário) há mais controle. E mais transparência. A
RioFilme obedece às mesmas normas e é fiscalizada pelos mesmos órgãos de
controle da administração direta. Além disso, obedece também à Lei das
Sociedades Anônimas. Tem Conselho de Administração e Conselho Fiscal. Faremos
tudo por edital.
Outra mudança na futura gestão da
secretaria é que só haverá comissão avaliadora de projetos dentro da própria
secretaria. Os projetos que tramitarem pela RioFilme obedecerão a um único
critério para obter incentivo: o do desempenho obtido no ano anterior.
— Não haverá mais critérios subjetivos
para análise de projetos culturais comerciais. As comissões avaliadoras,
compostas por especialistas externos, se restringirão aos projetos tramitados
no “guichê” da secretaria — explica. — O apoio a projetos comerciais terá um
fomento automático, com base no desempenho que o proponente obteve no ano anterior.
Para mim, é o fim do dirigismo cultural, tão criticado. E o prefeito já
reafirmou que temos total independência em relação à temática dos projetos.
Em troca de dar apoio financeiro — que
pode chegar a 25% do valor do projeto —, a nova RioFilme exigirá que os
projetos comerciais cumpram pelo menos dois requisitos. Eles deverão ter
empresas cariocas como proponentes majoritários e precisarão invistir na cidade
duas vezes o valor apoiado.
— A ideia é estimular o mercado: do
aluguel de equipamentos à formação de pessoal especializado. Só assim daremos
corpo à indústria cultural carioca. Quero que ela seja competitiva como a
francesa ou a argentina, por exemplo.
Para dar vazão ao que planeja, Sá
Leitão fará lobby na Câmara — onde Paes tem ampla maioria. Quer ver aprovada
ainda neste ano a Lei do ISS, que destina 1% do imposto para a cultura. Mas
também diz que negociará na própria prefeitura, para onde encaminhou uma
solicitação de aumento de pessoal na RioFilme. O futuro secretário alega que
mais profissionais são indispensáveis para cumprir o que está previsto no Plano
Estratégico do Rio entre 2013 e 2016.
— Com 30 funcionários, conseguimos
tocar 116 projetos, mas obviamente a equipe está operando no limite. Agora é
preciso crescer para dar conta dos desafios que temos pela frente. Devemos
chegar ao patamar de 45 pessoas.
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