As histórias de cinco mulheres que nem esperavam conquistar um papel na TV, mas foram selecionadas para a série 'Subúrbia', que estreia nesta quinta, com elenco de novos nomes, quase todos negros.
Publicado originalmente em O Globo, Revista da TV
Domingo, 28 de outubro de 2012, página 12
ZEAN BRAVO
ZEAN BRAVO
As histórias de cinco mulheres que nem esperavam conquistar um
papel na TV, mas foram selecionadas para a série que estreia nesta
quinta, com elenco de novos nomes, na Globo
Nada
de Pão de Açúcar ou Cristo Redentor. Em sua primeira vez no Rio, há
cinco anos, Erika Januza, mineira de Contagem, não deu a menor bola para
os cartões-postais cariocas. Produzida e maquiada, partiu para seu
passeio mais esperado, o Projac. Queria tirar uma foto na portaria
principal do centro de produções da TV Globo, em Jacarepaguá. Ao ser
barrada por um segurança, contentou-se em posar no meio da rua para não
perder a viagem. Hoje, aos 27 anos, a jovem, que até meados de 2012
trabalhava na secretaria de uma escola em sua cidade, abre um sorriso ao
relembrar sua história.
— Daquela outra vez, saí do Projac
toda sem graça. Agora, ao ter minha entrada autorizada, comecei a chorar
e liguei imediatamente para a minha mãe — relembra.
Passar
por aquela roleta usando um crachá com sua foto e seu nome gravados teve
todo um significado para Erika, que já se “achava velha” para iniciar
uma carreira diante das câmeras. Mesmo sem qualquer experiência como
atriz, ela estreia quinta-feira, às 23h50m, como protagonista de
“Subúrbia”. Dirigida por Luiz Fernando Carvalho, a série semanal, de
oito episódios, apresentará um elenco quase todo formado por novos
rostos na TV como Erika, Ana Pérola, Alice Coelho, Tatiana Tibúrcio e
Dani Ornellas, as cinco apostas que ilustram esta reportagem.
—
Este elenco vai ter uma grande importância e se destacará justamente
pelos nomes desconhecidos. Além disso, os atores são, em sua maioria,
negros. Acho que nunca se viu isso na Globo — aponta o produtor de
elenco Nelson Fonseca, que trabalha com Luiz Fernando (diretor conhecido
por revelar talentos), desde “Hoje é dia de Maria” (2005).
Foi
Nelson quem primeiro enxergou em Erika “o carisma, a força e o olhar”
necessários para que ela fosse a intérprete de Conceição. Na série
escrita por Luiz Fernando em parceria com Paulo Lins (autor de “Cidade
de Deus”), a protagonista deixa uma vida de miséria no interior de Minas
para tentar a sorte no Rio. E acaba brilhando nos bailes funk do
subúrbio em meados da década de 1990.
LEGAL A ÉRIKA
O
produtor afirma que Erika já chamou a atenção quando apareceu para um
primeiro teste na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, em abril.
—
Quando vimos aquela negra linda, ligamos a câmera. Fiz uma entrevista e
fiquei louco para mostrar o teste ao Luiz Fernando. Erika sempre foi
uma das principais opções para a personagem — diz Nelson.
Luiz Fernando, que começou a rodar a série em julho, endossa a afirmação:
—
Erika é uma princesa negra, cheia de meiguice com seus passos de
gazela, os olhos exalando romantismo, surgindo como uma anunciação na
praça de Belo Horizonte. Foram apenas alguns milésimos de segundo, e eu
disse: “é Conceição que surge”.
Depois de participar de
concursos — já foi eleita Musa do Carnaval em Belo Horizonte em 2011—,
Erika quase não mandou a foto que garantiu a sua seleção para o teste
por julgar que não conseguiria nada.
CONCEIÇÃO
Na
trama, Conceição (vivida por Débora Nascimento quando criança) é
acolhida por uma família no subúrbio carioca depois de chegar de Minas.
Lá, se envolve com Cleiton (Fabrício Boliveira). Ao virar estrela dos
bailes, acaba se tornando rival de Jéssica. Eleita Miss Subúrbio duas
vezes, a gostosona do pedaço não gosta nada de dividir o seu espaço com a
mineira.
A antagonista, namorada do bandido Tutuca (Flávio
Rocha), também ficou com uma não-atriz, a ex-gari Ana Pérola, de 26
anos. A carioca de São João de Meriti usou o macacão da Comlurb durante
cinco anos e nunca cogitou virar atriz. Conhecida no mundo do samba, é
passista da Império Serrano, já concorreu ao título de Mulata do Góes,
concurso promovido pelo colunista de O GLOBO, Ancelmo Góes, e participou
do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris” (2011), de Walmor
Pamplona.
Foi descoberta pela produção de elenco de “Subúrbia” num intervalo do seu trabalho como gari.
—
O produtor quis tirar uma foto, mas eu estava de cabelo preso e de
macacão. Disse para me procurar no baile do Viaduto de Madureira. E não é
que ele foi me procurar? Quando cheguei para o teste, só tinham
mulheres bombadas, com coxas que pareciam toras... — relata Ana, que
também se apresenta em shows como passista.
Por não serem atrizes profissionais, o diretor de “Subúrbia” desenvolveu um método diferente para as novatas.
—
A Ana, por exemplo, trouxemos para a sala de ensaios sem compromisso.
Disse apenas que iríamos desenvolver um trabalho durante uma semana. Não
queria um teste formal. Ela dividiu seus dias entre varrer ruas e
ensaiar. Essas pessoas não sabem o que é um teste para atrizes. Não
queria prepará-las para um teste. O trabalho tinha a ver mais com a
coragem do que com teorias dramáticas — avalia o diretor.
Para
achar os 40 atores do elenco central, os produtores de elenco também
foram buscar novos nomes em grupos como Nós do Morro, AfroReggae e a
Companhia dos Comuns. Pinçada deste último, Tatiana Tibúrcio, de 35
anos, fará Amelinha, uma das filhas de Seu Aloysio (Haroldo Costa) e Mãe
Bia (Rosa Marya Colin), o casal que adota Conceição.
Carioca
do Flamengo, ela mora no Engenho de Dentro, é formada pela Escola de
Teatro Martins Pena, trabalha como atriz há 12 anos e criou o projeto
Negro Olhar, um ciclo de leituras dramatizadas com autores e artistas
negros.
— Minha base é o teatro, mas precisei criar meu espaço
de trabalho. Por mais que se fale em democracia racial, o mercado não é
tão aberto assim. Com essa série, o Luiz está levando para a TV um
outro padrão de beleza. Sou bonita do jeito que sou. E isso não é
panfletário. É na medida — aponta Tatiana, que já trabalhou como
vendedora de loja e fez pequenas participações em novelas como “Sinhá
moça” (2006).
Integrante do Nós do Morro desde 2005 e do grupo
de rap Pérolas Negras, Alice Coelho, 16 anos, é outra promessa. Criada
no Vidigal, ela foi estudar teatro para “perder a timidez”.
—
Lia o texto o tempo todo para não errar nas gravações. Precisei me
acostumar com as câmeras na minha frente — admite a falante Alice.
Aos
35 anos, Dani Ornellas é mais experiente. Criada em Duque de Caxias e
formada pelo Tablado, atuou em filmes como “Cidade de Deus” (2002) e “As
filhas do vento” (2005) e novelas como “A padroeira” (2001). Também
apresentou o programa “Nota dez: A cor da cultura”, no Canal Futura.
—
“Subúrbia” será a maior e melhor oportunidade para mostrar o meu
trabalho. Também considero a série como um lançamento — diz Dani
Apesar do entusiasmo em apresentar novos rostos, Luiz Fernando não enxerga um futuro para todo o elenco na TV:
—
Infelizmente muitos vão voltar para o lugar de onde vieram, um espaço
de exclusão. A nossa TV não tem dramaturgia nem programas sobre essas
pessoas. Gostaria de fazer uma segunda temporada.
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