Lei da TV Paga: conversa entre canais, produtoras e Ancine para acertar o cumprimento da cota de produções nacionais

 

Os canais de televisão por assinatura agora precisam exibir uma hora e dez minutos de produção nacional no horário nobre

Publicado originalmente no jornal O Globo, Segundo Caderno, pág 2

Sábado, 29 de dezembro de 2012

Maria da Luz Miranda e Thaís Britto.

Desde setembro, os canais de televisão por assinatura têm de exibir uma hora e dez minutos de produção nacional no horário nobre. A obrigatoriedade, prevista pela Lei 12.485, conhecida como a Lei da TV Paga, é progressiva e deve chegar a três horas e 30 minutos em 2014.

No balanço do primeiro ano, as ações foram comedidas — e as conversas, exaustivas. De um lado da mesa, os canais; na outra ponta, as produtoras; e, entre um e outro, a Ancine. Em 2012 quase ninguém quis tomar a iniciativa. Houve canais que pedissem dispensa do cumprimento das cotas.

Houve aqueles que, na corrida contra o tempo, não titubeassem em lançar uma programação contínua de filmes nacionais — sempre os mesmos... Quiproquós à parte, os contratos enfim começam a sair das gavetas, e os novos programas, a aparecer na tela. Fora a polêmica, apenas o imenso impacto da lei na programação.

Os canais precisam das produtoras, que precisam da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual para ajudar a bancar séries e documentários. A velha queixa da demora na liberação de recursos não é pontual. É quase unanimidade para quem está com projetos na mão. Dos R$ 55 milhões destinados à linha específica para produções televisivas, apenas R$ 8,5 milhões foram liberados ainda em 2012, segundo a Ancine. O resto do montante ficou para o ano que vem.

Diretor da Ancine, Manoel Rangel diz que a regulamentação e a efetiva entrada em vigor da lei já tiveram impacto significativo no mercado de TV por assinatura:

— Houve uma intensa movimentação, com parcerias e aumento do investimento. Isso mostra que as empresas se conscientizaram dos benefícios da lei. É o início da consolidação de uma cultura regulatória do setor, benéfica para o desenvolvimento do mercado e para o assinante, que tem acesso a uma programação mais diversificada.

No entanto, as mudanças no mercado ainda não são evidentes, as produtoras dizem quase em coro.

— Só começou a existir uma procura de projetos específicos para o cumprimento de cota mais para o fim deste ano. Antes, todo mundo estava meio que esperando para ver o que ia acontecer — diz Luiz Noronha, diretor executivo da Conspiração Filmes.

O período ainda é de adaptação e entendimento, opina Herbert Gauss, sócio da Pródigo, que está pré-produzindo as séries “Amor mata” e “Copa hotel” para o GNT.
— Existe um tempo natural de maturação. Por isso, tudo foi um pouco mais moroso do que deve ser de 2013 em diante — aposta Gauss.

O caminho é este, corrobora Mauro Garcia, diretor executivo da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV (ABPITV). Segundo ele, o resultado das rodadas de negociação entre produtoras e canais é promissor. A lei, ele acredita, já pegou:

— Salvo os canais Disney, todos os outros querem participar. Já entenderam que é interessante ter produções locais, porque ajuda a fidelizar o público. Mas o telespectador só vai sentir as mudanças, de fato, em 2013.

Os canais rebatem e garantem que já existe novidade no ar. O Canal Brasil, por exemplo, passou a figurar nas grades dos pacotes básicos das operadoras, que agora precisam oferecer um mínimo de um terço de canais brasileiros de conteúdo qualificado. O primeiro impacto foi forte: um aumento de 87% na audiência no primeiro mês. A tendência deve continuar em 2013.

— Esse apoio do Fundo Setorial nos possibilita trabalhar com séries de ficção, que normalmente não tínhamos. Já temos uma aprovada, “Vambora”, uma comédia de situação passada dentro de uma van — adianta o diretor-geral do Canal Brasil, Paulo Mendonça.

Mas há arestas a serem aparadas em relação à nova lei. O excesso de burocracia é uma delas, defende Anthony Doyle, vice-presidente regional da Turner, empresa que reúne canais como Cartoon, Warner, TBS e TNT.

— A Ancine elevou o grau de exigências ao limite. A intenção é nobre, aumentar a indústria audiovisual brasileira, mas a forma de implementação precisa melhorar. Por exemplo, para entrar na cota, o programa precisa de um certificado da Ancine. Mas esse documento demora meses para sair.

É ruim para todo mundo — reclama Doyle, ressaltando que, ainda assim, novidades podem ser esperadas pelo público em 2013. — Todos os canais terão, no mínimo, uma e até quatro atrações novas.

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