O fim das lojas de rua




A Blockbuster foi a última a sobreviver ao mercado virtual de filmes

Publicado originalmente no site: http://oglobo.globo.com/cultura

Terça-feira, 29 de janeiro de 2013, 10h10

Ana Paula Sousa


Este mês, dois acontecimentos interferiram na paisagem londrina. O primeiro deles foi a neve. O segundo, o fechamento de três lojas de rua que, há décadas, faziam parte do cenário local. Em uma mesma semana, a cidade foi surpreendida pelo fim da Blockbuster, da HMV, loja de música e filmes fundada em 1921, e da Jessops, que, desde 1935, era referência em câmeras de foto e vídeo. Passada a euforia das compras de Natal, os ingleses se deram conta de que o mercado de vídeo e música on demand tinha, de uma vez por todas, mudado não apenas o seu hábito de consumo, mas também a paisagem urbana.

A Blockbuster — que, no Brasil, fora vendida para as Americanas em 2007 — inaugurou a primeira loja londrina em 1989, na Walworth Road, na região leste, e, hoje, tem 528 pontos na cidade; a HMV, 240; e a Jessops, 200. As duas primeiras redes ainda estão abertas, com enormes cartazes anunciando descontos de até 60%, mas a Jessops cerrou as portas. Estima-se que mais de mil empregados sejam demitidos.

Como até os flocos de neve sabem, o desaparecimento das lojas de rua do setor de entretenimento está diretamente ligado à explosão de lojas e serviços on-line como Amazon, Netflix, BlinkBox e Lovefilm. A Blockbuster foi, inclusive, a última sobrevivente entre as grandes redes de vídeo de Londres. Mas, claro, não resistiu ao avanço da Lovefilm, detentora de mais de 40% do mercado, e da Netflix, que tem mais de um milhão de clientes no Reino Unido.

Segundo o Observatório Europeu do Audiovisual, o mercado de vídeo on demand do Reino Unido é o maior da Europa. Em um estudo divulgado há dois anos, o Observatório registrou 696 serviços do tipo no continente, oferecidos por mais de 300 empresas. Desse total, 145 estavam localizados na Inglaterra. É também aqui que se concentra a maior proporção de salas digitais da Europa. No fim de 2011, o Reino Unido tinha digitalizado 72% dos cinemas. No Brasil, para se ter uma ideia, 467 das 2.352 salas estavam digitalizadas no fim de 2011, ou seja, cerca de 20%.

Ao mesmo tempo em que está pondo fim às lojas de rua, a aliança entre tecnologia e mercado de cinema tem levado à construção de uma nova paisagem audiovisual, na qual filmes, salas e empresas de tecnologia e telecomunicações parecem depender uns dos outros. Os resultados, por aqui, são os mais diversos e surpreendentes.

No último sábado, depois de ter passado pela HMV do Soho, onde DVD’s e Blu-rays eram despachados por 5 libras (R$ 17,50), fui ao cinema Curzon Soho. Lá, paguei 15 libras (R$ 52) para ver “Django livre”, numa sessão lotada. Para minha surpresa, após a exibição dos trailers fui convidada, por um comercial, para experimentar o serviço on demand do próprio cinema. Após ter firmado uma parceria com a Samsung, em 2012, a rede incentiva os frequentadores a assistir a filmes também em casa e em tablets. Alguns títulos são disponibilizados três ou quatro meses depois da estreia nas salas, outros são lançados apenas on-line e, por fim, há aqueles, como “O porto”, de Aki Kaurismaki, que têm lançamento simultâneo. Uma sessão on demand sai por 4 libras (R$ 14).

Na mão oposta, a rede Odeon — principal concorrente do Curzon — exibe breves comerciais que defendem o cinema como uma experiência coletiva que só pode ser plenamente desfrutada na sala escura. A rede até tem uma parceria com a O2, empresa de telefonia e internet — clientes da O2 recebem 50% de desconto —, mas as referências ao serviço de vídeo on demand da empresa ficam do lado de fora do cinema.

Já a Orange, outro grupo de telecomunicações, incentiva os clientes a desgrudar os olhos de celulares e tablets e ir ao cinema. Às quartas-feiras, a Orange oferece aos clientes dois ingressos pelo preço de um para uma série de filmes. “Acreditamos que filmes são como pipoca: é bom dividi-los com alguém”, diz o slogan.

Enquanto isso, o British Film Institute (BFI), instituição pública dedicada à preservação e difusão de filmes, liberou parte do acervo no YouTube, e o plano é que, até 2017, haja dez mil títulos digitalizados. “Se não fizermos isso, parte da nossa herança cultural vai se perder, uma vez que o cinema já está se tornando digital, e esses filmes vão, simplesmente, se tornar inacessíveis”, defendeu o presidente do BFI durante a apresentação do plano.

Como se vê, não há consenso nem fórmula mágica, e cada um vai testando as alternativas que lhe parecem mais adequadas. Mas uma coisa ficou clara depois deste janeiro de falências: a era das lojas de rua acabou para o setor de entretenimento. Londres comprovou que tentar resistir ao on demand é, usando a velha e boa expressão, dar murro em ponta de faca.

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