Seminário III: A Gramática Cinematográfica no Telejornal



Universidade Federal Fluminense
Cinema e Audiovisual
Tv e Vídeo
Professor: Felipe Muanis
Grupo: Adil Lepri, Bruna Rafaela, Marcella Coppo



A gramática cinematográfica no telejornal 


O jornalismo praticado na televisão, principalmente o telejornal, se utiliza fortemente da gramática do audiovisual acumulada pelo cinema, tanto ficcional quando documental, ao longo dos anos. Gramática essa que foi aperfeiçoada e conta com diversas diretrizes básicas que comprovadamente ajudam o narrador/autor, ou no caso jornalista/editor, a construir um discurso próprio eficaz a partir dos fatos.

Dessa gramática faz parte a decupagem clássica cinematográfica, da qual o telejornal se alimenta. As matérias apresentadas são decupadas a fim de construir um espaço e uma noção de realidade, muitas vezes utilizando não só imagens captadas pelos cinegrafistas da equipe do telejornal, mas também por amadores presentes no local dos acontecimentos. Se pensarmos por esse lado, da colcha de retalhos que é a montagem de uma matéria, com imagens diversas, fica claro como a decupagem e o espaço construído através dela são fabricados, da mesma forma que um filme de ficção, ou um documentário. Um exemplo do uso da decupagem clássica em matérias jornalísticas, inclusive com o uso quase que exclusivo de imagens que não foram captadas por equipes do telejornal, é o caso do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque. O Jornal Nacional utiliza imagens do choque da segunda aeronave com uma das torres gêmeas capturadas de vários ângulos, e mostra em sequência o mesmo acontecimento diversas vezes, apenas mudando o eixo da câmera. Assim como um filme de ação hollywoodiano faz quando procura dar todos os detalhes de uma determinada cena ao espectador, repetindo o mesmo acontecimento diversas vezes. No caso do jornal a emoção que o editor deseja trazer é a de espanto no telespectador, inclusive mostrando após os planos do choque do avião pessoas que dão entrevistas, muito rápidas e com pouca informação, muito assustadas e impressionadas com os acontecimentos. Tudo isso aliado à introdução que o âncora faz pouco antes da matéria ter início, com o fundo de chroma key mostrando um grafismo que mescla fogo e um mapa dos EUA, e o fundo normalmente azul do JN tomado por vermelho.

Outro elemento da gramática cinematográfica utilizado no telejornalismo é a música, não só a música de abertura do Jornal Nacional, que é de um tom absolutamente exagerado e de certa forma espetacularizante, dando uma noção ao telespectador de que o jornalismo apresentado ali é importante e excitante, quase ‘sagrado’. Também a música que é utilizada durante a exibição das matérias é um elemento dessa gramática, como no recente caso da tragédia em Santa Maria, onde centenas de jovens morreram durante um incêndio em uma boate no sul do Brasil. Numa matéria exibida no JN no dia seguinte a tragédia há um momento onde são mostrados enterros dos jovens falecidos, e logo no primeiro já vemos um rapaz que toca no acordeon uma música típica gaúcha, bem triste, e essa música continua cobrindo boa parte das imagens deste mesmo enterro, imagens de parentes chorando, close-ups de pessoas com semblantes tristes, planos gerais dos presentes ao enterro e etc, todo esse espaço é construído, ou seja, a música não estava tocando durante todas as imagens que são mostradas, e a montagem está claramente a serviço da construção de um certo discurso, de tristeza, de desperdício da vida de jovens.

Outro exemplo é uma matéria apresentada no JN na ultima semana de julgamento do caso do suposto ‘mensalão’, onde os âncoras anunciam um resumo de tudo que aconteceu nos 3 meses anteriores. A matéria começa com uma música de suspense tocando e uma imagem que mescla uma bandeira do Brasil com a estátua da justiça presente na frente do STF em Brasília, após a introdução a música continua, fica com o ritmo mais rápido e vemos uma montagem de planos rápidos mostrando os ministros do Supremo, o Procurador Geral da República e advogados de alguns réus, todos planos com vários efeitos, tanto de fotografia, quanto de câmera rápida e lenta. Todos esses elementos se juntam para construir um discurso também, de que o julgamento é excitante, que é importante, que é o principal acontecimento da política no país, sendo a semana da exibição dessa matéria a última semana do segundo turno das eleições municipais, com disputas acirradas em diversas capitais brasileiras.

Outro importante exemplo é o uso de grafismos e cartelas, como no caso da matéria exibida no Bom Dia Brasil sobre o massacre em Pinheirinho, em São José dos Campos. A matéria abre com uma cartela animada onde uma tela preta se funde com uma imagem de fogo que abre e se revela uma mãe com uma criança no colo correndo do fogo e se funde com outras imagens, como um policial disparando uma arma de bola de borracha, entre outros, até que no fim numa tela preta aparecem as palavras “Horror em Pinheirinho” em letras brancas garrafais, acompanhadas de fumaça computadorizada, isso tudo acompanhado de música de suspense. Somente na abertura da matéria já fica claro o discurso que o telejornal deseja construir, de violência, desordem e tentativa de manutenção da ordem da parte da Polícia Militar.

O eco do discurso midiático na sociedade

O discurso construído pelos telejornais, usando a gramática cinematográfica, é extremamente eficaz, como é possível perceber pela repercussão das notícias nas redes sociais por exemplo, onde encontramos muitas pessoas que reproduzem na totalidade o discurso construído pela Rede Globo através do Jornal Nacional e seus outros telejornais. Não faltam polêmicas, como no caso da ocupação da reitoria da USP em São Paulo, quando um grupo de estudantes da universidade ocupam o prédio da reitoria com diversas demandas, sendo a principal a retirada da Polícia Militar de dentro dos campi. O principal aspecto do acontecimento noticiado pela mídia no entanto é a de um grupo de estudantes que foi preso em posse de drogas, fato que é amplamente reproduzido nas redes sociais, de forma preconceituosa assim como a notícia. 

A ocupação da reitoria da USP então passa a ser entendida por uma grande parte da população como uma mobilização a fim de expulsar a PM dos campi da universidade para que os alunos possam se drogar em paz. Nesse caso a mídia faz um recorte nos fatos a fim de construir um discurso hegemônico, que vai de encontro as reais motivações e demandas do movimento estudantil da USP. Na época foi amplamente divulgado, também nas redes sociais por grupos ligados ao movimento estudantil nacional, um vídeo de uma matéria trazia várias entrevistas com os manifestantes na USP, durante as entrevistas são explicadas claramente as demandas e motivações da mobilização, porém a parte que foi ao ar no telejornal era apenas a de uma parte de apenas uma entrevista, distorcendo o que seria de fato o discurso dos manifestantes. 

A gramática cinematográfica utilizada pelos telejornais ajuda a construir um discurso que interessa para a linha editorial desses veículos de comunicação, e não é o uso dessa gramática apenas que deve ser criticado, afinal são diretrizes e técnicas aperfeiçoadas durante anos que contribuem para o melhor entendimento de uma mensagem que é transmitida. O que deve ser questionado é o limite do uso dessa gramática, não deveria ser possível que apenas poucas vozes tenham eco na comunicação do país, e quando apenas poucos falam e não temos limites claros de manipulação e recorte dos acontecimentos se cria uma hegemonia no discurso midiático que serve a um setor da sociedade, e não a todos.

A função investigativa do jornalismo

A função investigativa do telejornalismo, quando se excede pode ter consequências graves. O que acontece hoje com o telejornalismo é bastante parecido com o que aconteceu com os jornais que deram origem aos tablóides no final do século XIX e início do século XX. O apelo ao que é torpe e ao que é violento é algo que dá audiência e que é usado amplamente pela mídia neste sentido. Mas até onde o telejornalismo pode interferir nos acontecimentos da “vida real”?

A exemplo do que ficou conhecido como “Caso Eloá Pimentel”, que se tratou de um sequestro que durou mais de 100h e que foi televisionado do começo ao fim, é que tomamos como ponto de partida essa discussão. O que foi feito neste exemplo não é nenhum ineditismo, em outros casos, como o conhecido “Assalto ao ônibus 174”, a mídia televisiva não perdeu tempo em fazer de todo aquele ocorrido um grande “Show de Truman”. No primeiro caso, a mídia foi colocada no banco dos réus. Ora, em um evento em que apresentadores de televisão chegaram a falar por telefone com o sequestrador, não é algo de se espantar.

Em um exercício de análise das reportagens que foram ao ar, pode-se notar a gramática audiovisual de horror e suspense bastante emblemática. Tudo é realmente feito de forma a chocar e impressionar o espectador, lhe dando em troca apenas pouca ou nenhuma informação. O telejornalismo que vemos hoje é algo muito mais lúdico e de entretenimento do que parece ser e, apesar de que isto nos acontece com muita naturalidade hoje, não é nada natural que telejornais invadam os espaços das nossas vidas reais e as distorçam ao que bem entendem.

Bibliografia

SINGER, Ben Modernidade, Hiperestímulo e o Início do sensacionalismo popular. In CHARNEY, Leo e SCHWARTZ Vanessa R O cinema e a invenção da vida moderna, São Paulo: Cosac e Naify, 2001 p 123

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. São Paulo. Contraponto: 1992

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