Novas séries estreiam na internet, não na TV



Publicado originalmente no site: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada

Terça-feira, 12 de março de 2013, 12h30

Brian Stelter

No episódio piloto para a TV que Cheyenne Jackson filmou recentemente, ele fez o papel de um jovem e agressivo âncora de jornal na TV cuja ascensão ameaça um colega mais velho. Foi uma metáfora apropriada para todo o setor, porque Jackson já atuou em pilotos para as redes de televisão ABC, NBC e USA, mas esta foi a primeira vez em que o fez para uma nova concorrente dessas emissoras: a Amazon.com.

Quando a Amazon olha para o mercado televisivo, enxerga oportunidades. A televisão recebida pela internet, que até recentemente não estava preparada para o horário nobre, hoje é o novo front na guerra pela atenção do público americano.

Depois do drama de US$100 milhões "House of Cards", a Netflix prepara quatro outros seriados para este ano. A Microsoft está produzindo programação para o console de videogames Xbox, com a ajuda de um ex-presidente da rede CBS. É provável que seu exemplo seja seguido por outras empresas, desde AOL até Sony e Twitter.

Na prática, as empresas estão criando novas redes para a televisão, através de canais de banda larga, e estão dando lugar a novas rivalidades: entre elas (como, por exemplo, entre a Amazon e a Netflix), mas também com as grandes porém vulneráveis redes de televisão aberta.

"Estes são os primeiros testes em laboratório de um experimento de enormes dimensões", comentou Jeff Berman, presidente da empresa de mídia BermanBraun, que cria programação para a NBC, HGTV, AOL e YouTube, entre outras. Como ele deu a entender, a competição está apenas começando.

A Amazon está criando episódios pilotos de pelo menos seis comédias e cinco seriados infantis, com outros mais a serem anunciados em breve. Em algum momento deste ano ela vai disponibilizar os episódios em seu serviço Amazon Prime Instant Video e perguntar a seus clientes de quais eles gostam, para então encomendar temporadas inteiras de alguns deles.

A Netflix vem encomendando temporadas inteiras de seus seriados, sem mesmo assistir aos pilotos primeiro. Reed Hastings, seu executivo-chefe, disse na semana passada que "House of Cards", o thriller político com Kevin Spacey e Robin Wright, tem sido um sucesso grande para a empresa. Seu próximo programa, um seriado de horror intitulado "Hemlock Grove", do diretor de cinema Eli Roth, vai estrear em abril.

A Microsoft até agora revelou comparativamente pouco sobre seus planos. Mas as três empresas estão encomendando programas de TV porque têm milhões de assinantes com assinaturas mensais ou anuais. Mesmo que os seriados lhes façam perder dinheiro, executivos dizem que o fato de as empresas terem conteúdos exclusivos --que não podem ser vistos em nenhum outro lugar-- aumenta a probabilidade de conseguirem novos assinantes e conservarem os assinantes atuais.

A proliferação de programas é visto, de modo geral, como positiva para os espectadores, que passam a ter mais opções, e para os produtores e atores, que têm mais lugares para serem vistos e ouvidos. Mas a tendência pode aguçar as preocupações das empresas de cabo com a possibilidade de desistência de assinantes que podem decidir que já têm suficiente para ver online.

Ao mesmo tempo, a ascensão de seriados exclusivos da internet pode deixar os espectadores mais dependentes da banda larga. Em muitos casos, porém, a TV a cabo e a banda larga são fornecidas pela mesma companhia.

Diferentemente dos primeiros programas de TV pela internet, estes seriados têm toda a aparência de televisão tradicional. Isso acontece em parte porque mais espectadores andam assistindo a conteúdos da internet em televisores de tela grande, mas é principalmente porque as companhias envolvidas estão gastando muito: cada um dos pilotos de comédia da Amazon teria custado mais de US$1 milhão --menos que os US$2 milhões envolvidos num piloto de comédia na TV aberta, mas mais do que é investido comumente em pilotos da TV a cabo.

Não apenas os orçamentos são comparáveis, mas também os confortos oferecidos aos atores e criadores, como trailers e carros para levar e buscá-los do trabalho. Os roteiristas são filiados ao seu sindicato. De acordo com pessoas envolvidas, os atores têm contratos do tipo padrão para a televisão, com opções para continuar por várias temporadas se os seriados fizerem sucesso.

"Não há diferença alguma" entre a TV e essas novas produções, disse Jeffrey Tambor, que atuou em "The Larry Sanders Show", da HBO, e depois em "Arrested Development", da Fox. Hoje, aos 68 anos, Tambor é um pioneiro do online; no início deste ano ele retomou seu personagem na nova temporada de "Arrested" para a Netflix, que vai estrear em maio. Enquanto filmava o seriado ele leu o roteiro de um piloto da Amazon, "The Onion Presents: The News". Assinou contrato com o seriado e representou o papel do rival mais velho de Cheyenne Jackson.

Em meados de fevereiro os produtores de "Onion" tomaram conta de metade da redação do NY1, um canal de notícias de Nova York, e o recriaram como a sede de uma emissora inescrupulosa (no episódio piloto, um repórter sequestra uma criança para aumentar a audiência do jornal).

O NYI já tinha alugado seu espaço aos produtores de "Gossip Girl", "Damages" e "The Good Wife", mas nunca a um seriado que está sendo produzido para a Web. Para a maioria dos atores ali, como Cheyenne Jackson (ator da Broadway cujos créditos de TV incluem "30 Rock" e "Glee"), a filmagem foi seu único piloto da temporada --logo, representou uma aposta deles na Amazon, em detrimento das
redes de TV.

Jackson recordou que sua empresária estava apreensiva quando telefonou para lhe falar de "The Onion". "É online", ela falou. "Vamos ter que discutir isto." Mas, quando leu o roteiro, ele sentiu confiança. O tom lhe lembrou de "30 Rock". "Estamos todos encarando um risco juntos", ele disse entre uma gravação e outra.

Analistas prevêem mais investimentos de TV a vir, também por parte de empresas que não têm assinantes mensais a quem agradar. O YouTube, por exemplo, o maior site de vídeos na Web, ganha seu dinheiro com anúncios, não assinaturas. Mas vem pagando a dezenas de produtoras terceiras para abrirem canais, para que o YouTube possa ter conteúdo original, profissional. E a Google, sua proprietária, tem condições de pagar por muito mais.

Uma lógica semelhante leva os canais a cabo, cada um dos quais recebe uma parcela pequena das mensalidades pagas pelos assinantes de televisão a cabo, a produzirem mais dramas e sitcoms que possam dizer que são seus. É claro que isso gera uma dificuldade para o espectador: um excesso de programas interessantes para ver e uma falta de tempo para ver tudo.

"Os espectadores estão achando um pouco estressante organizar e administrar todas suas opções de TV", explicou Christy Tanner, executiva-chefe da TVGuide.com, que promoveu uma pesquisa em que entrevistados disseram que "parece trabalho" e "tenho medo de estar perdendo alguma coisa".

Mesmo assim, o número de empresas que estão tentando encontrar um lugar no espaço da TV só está aumentando, comprovando o valor do ditado segundo o qual "o conteúdo é tudo". É o caso da DirecTV, a maior distribuidora de TV via satélite nos EUA, que planeja lançar no próximo mês seu primeiro seriado próprio, um thriller intitulado "Rogue".

Christoper Long, diretor de programação original da DirecTV, disse que quer comprar vários outros seriados. "Nossa opinião é que, se oferecermos conteúdo de TV suficientemente bom, haverá procura."

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