Seminário V: Breve histórico do reality show e o advento do modelo de competição



Universidade Federal Fluminense
Cinema e Audiovisual
Tv e Vídeo
Professor: Felipe Muanis
Grupo: Daniel Abib, Mariana Madeira e Pedro Drumond


Breve histórico do reality show e o advento do modelo de competição



A origem de uma televisão debruçada sobre a realidade pode ser apontada em antigas adaptações de programas de rádio para o veículo televisivo, como o This is your life. Muito antes do estabelecimento de um segmento de Reality-tv já havia uma televisão com ares de documentário, interessadas em histórias não roteirizadas de pessoas comum. Apesar desta origem antiga, os exemplos são normalmente pontuais. Ao longo das décadas surgiram também produções como ''The Dating Game'', ''An American Family'' e ''The Real World'', que anteciparam muitas das características que seriam trabalhadas posteriormente na reality-tv.

É curioso pensar que e o próprio modelo competitivo já é identificável em pioneiros como o ''Queen for a day'', uma adaptação televisiva do homônimo programa de rádio onde donas de casa competiam por eletrodomésticos, contando suas histórias de vida. Com este exemplo observa-se a principal diferença entre um reality show e shows televisivos convencionais: a ênfase na história íntima do indivíduo e a relação inter-pessoal entre os participantes. Assim separam-se programas de calouros de reality shows musicais e game shows de quiz de reality shows intelectuais.

Sendo a Reality-tv uma espécie de segmento televisivo assume-se como formato o conjunto de características, regras e planejamento de um produto televisivo único. Ou seja, considera-se reality show e reality show de competição como gênero e sub-gênero, respectivamente, e o programa em si como um formato. Esta é a definição atualmente mais usada dentro de um contexto de produção para televisão.

Modelos competitivos de reality show foram consagrados juntamente com a explosão da reality-tv na virada do milênio. Essa aparente sincronia dos anos 2000 com a mudança no entretenimento televisivo se deve a múltiplos fatores, uma grande e inesperada aceitação da audiência europeia para este tipo de conteúdo, a necessidade de produções mais baratas para compensar um gasto crescente em ficção seriada além da constante ameaça e concretização da greve dos roteiristas. O reality show competitivo é muito associável ao contexto de uma neo-televisão, uma tevê que deixa de ser veículo de um conteúdo para ser auto-referencial, auto-suficiente e produtora do seu conteúdo dentro de uma realidade fabricada. Ilustrando este pensamento basta pensar que os participantes desses jogos temáticos não são investigados pela televisão a partir de um movimento de dentro-para-fora, que busque realidade, mas sim eles são trazidos para dentro de um formato controlado e pré-estabelecido, em um mundo apenas televisivo que teste as suas habilidades.

A união de um novo hábito de consumo televisivo e a sua sedutora facilidade de produção provocou uma enxurrada de novos formatos, baseados nas mais diversas estruturas e temáticas, preenchendo assim a grade de canais de todo o tipo. O reality show competitivo tornou-se o sub-gênero mais lucrativo da reality-tv e emplacou franquias que já comemoram mais de uma década de existência sem exibir sinais de esgotamento.

Uma teoria possível sobre a relação dos anos 90 e a virada do milênio com a consagração do Reality Show.

Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman uma das principais marcas da contemporaneidade é a inversão do papel público da Ágora – o espaço de discussão comunitária na antiga Grécia; onde debatia-se questões políticas, fazia-se tribunais populares etc. – a um espaço de discussões privadas. Hoje, segundo ele, o que mais se aproxima da Ágora grega são os talk shows televisivos; é onde a massa participa, questiona, manda mensagens etc. Nestes, entretanto, o que está em pauta não são ações políticas ou debates que envolvem a esfera pública, a matéria prima destes programas televisivos são questões privadas e particulares; a Ágora se torna um local de confidências.1 De uma forma muito rápida, o protagonista desse tipo de entretenimento (onde se incluiria não só os talk shows, mas também os de reality TV e os reality shows) deixa de ser a grande estrela e a pessoa comum, ordinária, assume o seu papel. Uma “Cultura do Real” (que valoriza o cotidiano, o “espontâneo” e o “Real” – entre mil aspas) se faz notar e avança sobre a TV, o cinema, a literatura, a música, a internet.

Uma das possíveis explicações para o repentino sucesso dos realities é colocada, de forma não extenuante, por alguns autores como Eugênio Bucci, Maria Rita Khel e Silvia Viana. Esse gênero (principalmente o reality show de competição), estaria intimamente ligado ao processo de isolamento (seja ele mais restrito, como no BBB, ou menos, isolando apenas uma parte da vida do objeto) e ao de exclusão. Esses dois fatores intrínsecos formariam uma espécie de espelho da situação da sociedade capitalista neoliberal: onde a desvalorização do trabalho (pela transformação da massa de trabalhadores reserva em simples massa ociosa e descartável) aumenta, cada vez mais, a concorrência e a individualidade e colocam os sujeitos em uma constante competição pela sobrevivência no mercado de trabalho; se é descartado, eliminado, pelo mínimo erro a qualquer momento e facilmente substituído. Uma espécie de compaixão, identificação e expurgo das frustrações, se abatem no espectador. 2 Nesta nova, e muito lucrativa, cultura do privado, o reality show de competição é um dos gêneros mais prolíferos da televisão. O baixo custo, o seu fácil reaproveitamento, e um apelo consistente de público, formulam um pacote que se insere facilmente em uma programação cada vez mais fragmentada e especializada.


Observações sobre o modelo de produção do Reality Show:

O gênero do Reality Show se consagra enquanto um modelo altamente lucrativo e seguro ao se sustentar em algumas características essenciais:

Baixo custo de produção

Facilidade de estabelecimento de franquias

Grande abertura para merchandising



O baixo custo de produção do Reality Show é reconhecido em efeito comparativo ao entretenimento de ficção. A grande vantagem do Reality é estar livre de um star-system e de uma manutenção de uma qualidade em dramaturgia através dos roteiristas. Normalmente a capacidade de funcionamento e sucesso de um formato de Reality Show já está definido no projeto. Além disso, a própria linguagem do Reality Show possibilita orçamentos mais acessíveis, inclusive normalmente lidando com uma locação ou cenário único.

Como o Reality show não utiliza uma dramaturgia convencional, sua sobrevida é bastante longa e depende apenas da boa recepção do público ao formato e de algumas renovações a cada edição para re-fidelizar a audiência e atrair novos espectadores. Além das inúmeras edições de um formato ao longo do tempo existe também a possibilidade de spin-offs, versões com temáticas ligeiramente alteradas, baseadas em locais diferentes ou modelos de seleção de participantes alternativos.

Reality Shows de competição lidam tanto com focos temáticos quanto no aspecto de convivência de participantes. Por isso, a possibilidade de merchandising e product placement é extremamente favorável e diversificada. Produtos podem patrocinar quadros ou atividades específicas, podem ser inseridos no contexto de convívio como parte integrante do dia a dia dos participantes ou mesmo tomar um reality show para si como branded content. O Reality Show tem sido um dos modelos de programa que mais conseguem investimento, perdendo apenas para os tradicionais programas de auditório.


A estrutura do Reality show de competição

Apesar de cada formato ser caracterizado justamente por sua estrutura particular, conjunto de regras, desafios, progressão dos participantes, existem elementos em comum ao gênero de competição que são abordados de forma variável dependendo do formato:


Seleção de participantes

Provas/Desafios periódicos

Eliminação de participantes

Prêmio/Recompensa



Um modelo de programa que se baseia em conteúdo humano, história pessoal e relação inter-pessoal tem como grande responsabilidade a escolha de perfis e personagens que serão trabalhadas ao longo da atração. A seleção de participantes é comum à maioria dos formatos no gênero de reality show competitivo e a escolha é rigorosa. Embora seja focado em uma abordagem não-ficcional, as regras de empatia, motivação e fascínio que personagens da dramaturgia precisam estabelecer com o interlocutor também são essenciais em reality shows. Sendo o convívio um aspecto importante para o desenvolvimento de conflitos , é a partir da união de diferentes personalidades e sua relação com as atividades e aos grupos em que pertencem que o drama irá surgir.

Reality shows de competição se baseiam em testar as habilidades de seus participantes à exaustão, em diferentes tipos de desafios. Normalmente há um grande desafio por episódio, no caso de uma atração semanal. Em formatos basedos em confinamento e convívio é comum a repetição de provas que garantem vantagens no jogo ainda que os desafios que constituem essas provas possam variar. Além de ser o grande ponto de entretenimento do programa, as provas funcionam também como um arco dramático, simulando uma curva de aprendizado e dificuldade dos participantes e também como forma de peneira para eliminar ou indiciar possíveis candidatos à eliminação do programa.

A eliminação dos participantes é a forma comum do programa de selecionar seus candidatos ao prêmio final, além de constituir pontos emocionalmente dramáticos na trajetória da atração e, quando aberta ao julgamento do público, permitir a construção de uma interatividade e espécie de 'controle de qualidade' do que acontece no programa. Se o público majoritário tem poder de determinar a permanência dos participantes que o motivam mais a continuar a ver o programa, o próprio espectador faz a manutenção do interesse, auxiliando muito o papel da produção a tomar decisões corretas que estimulem a audiência a acompanhar a atração até o final.

A maioria dos Reality Shows de competição motivam seus participantes com um grande prêmio final o Este prêmio pode ser em dinheiro, em oportunidades de emprego, em visibilidade ou recompensas alternativas como um encontro amoroso ou uma viagem. O prêmio tem o papel de estimular os competidores a alcançar o resultado final e também em entreter a audiência com o sucesso do vencedor que, como um herói, se provará merecedor.


Modelos recorrentes no Reality Show de Competição:


Confinamento:

Neste modelo participantes são confinados e colocados à prova no convívio social. Em geral o modelo busca estimular situações de conflito, colocando-os sob estresse físico e emocional além de estados alterados de euforia em festas. Provas existem para garantir vantagens aos vencedores e existem eliminados periódicos até restar o vencedor. Exemplos: Big Brother, Casa dos Artistas, A Fazenda, Solitary.

Sobrevivência:

O modelo de sobrevivência busca colocar participantes em convívio e em situações extremas. Normalmente são usados lugares inóspitos e são usadas provas de grande desgaste físico. Aqui assuntos de saúde física e mental são sempre colocados em questão, buscando retratar como indivíduos se comportam quando submetidos à um modelo mais primitivo de comportamento. Exemplos: Survivor, The Hunt.

Desafios musicais:

Um modelo muito bem sucedido e de grande variedade de formatos faz uma competição de artistas musicais (normalmente cantores) que disputam entre si e através de apresentações semanais o melhor desempenho. Normalmente os programas possuem uma banca de jurados que fazem uma pré-seleção de candidatos para a eliminação e o público é responsável por manter no jogo os seus participantes preferidos. Exemplos: American Idol, Fama, X-Factor, The Voice.

Busca de emprego:

Participantes são testados por empregadores e competem por vagas de emprego. Este modelo em geral investiga os limites do trabalho em equipe e individualismo, além de super-expor a falha e o sucesso dos candidatos, em geral julgados por um empregador muito severo. Uma variante tem ênfase em diferentes empregadores ou investidores que disputam entre si por candidatos que apresentam seus produtos. Exemplos: The apprentice, Shark Tank, Top Recruiter.

Habilidades específicas ou esportes:

Neste modelo mais amplo existem vários formatos muito específicos, que lidam com habilidades como tiro prático, mergulho, cozinha, artes marciais e esportes em geral. Aqui existe o design de desafios relacionados à temática do formato, evidenciando as diferentes aplicações das habilidades e buscando encontrar o 'praticante' supremo. Exemplos: Top Shot, Ultimate Diver Challenge, The Ultimate Fighter.

Encontro amoroso:

No modelo de encontro amoroso há um solteiro(a) que busca uma parceira e as competidoras são testadas em diferentes critérios e provarem como a melhor candidata para assumir o posto de objeto amoroso do solteiro. Uma variação busca a formação de múltiplos casais a partir do convívio dos participantes. Exemplos: The Bachelor, Joe Millionaire, Temptaton Island.


Bibliografia:

 Bucci, Eugênio e Kehl, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televisão – São Paulo: Boitempo, 2004 e Viana, Silvia. Rituais de sofrimento – São Paulo: Boitempo, 2012.

Zygmunt Bauman em entrevista para o programa Fronteiras do Pensamento, disponível em: < http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=POZcBNo-D4A#!>, acessado em 06/02/2013.

Comentários