Como a oferta de séries na web muda a forma de ver e fazer TV



Ninguém precisa mais esperar uma semana para assistir episódios de seu programa favorito



Publicado originalmente no site:  http://revistaepoca.globo.com/cultura

Sexta-feira, 17 de maio de 201, 10h27

Rafael De Pino


A série Arrested development foi considerada um fracasso de audiência na TV americana. Ela conta a rotina da família Bluth, formada por um pai correto e seus parentes mesquinhos, materialistas e manipuladores. Estreou no canal Fox em 2003 e foi bem recebida pela crítica – ganhou seis prêmios Emmy e um Globo de Ouro –, mas não fisgou o público. A terceira e última temporada foi ao ar em 2006 e alcançou pouco mais de 3 milhões de espectadores, metade do que tinha quando estreou sob elogios de jornais e revistas. Como diversas outras séries já encerradas, suas três temporadas passaram a ser exibidas pelo canal de vídeos digitais Netflix. Por acaso, encontrou ali o veículo ideal. As piadas densas e autorreferentes de Arrested development mostraram-se perfeitas para um tipo novo de espectador, ávido por assistir a episódios seguidos de suas séries favoritas, na hora em que quiser. A subtrama que levaria três episódios para se desenrolar – três semanas, em ritmo de capítulo semanal – fica muito mais interessante quando é apreciada alguns minutos ou horas depois. O sucesso de Arrested development no mundo do vídeo à la carte foi tamanho que o Netflix pagou US$ 42 milhões para trazer produção e elenco de volta, para uma temporada de 15 episódios. A estreia mundial será em 26 de maio, e o fã ávido poderá assistir a todos os episódios de uma vez. “Em sua forma mais pura, um novo meio requer um novo formato”, afirmou Mitch Hurwitz, criador da série.

A reencarnação de Arrested development é a primeira consequência de uma mudança importante na forma de fazer e consumir televisão. O comportamento compulsivo do público de serviços de streaming como o Netflix já ganhou um apelido nos Estados Unidos: binge-watching (algo como “compulsão por assistir”), adaptação de um termo médico usado para quem bebe ou come sem controle. De forma simples, o fenômeno consiste em se refestelar no sofá e passar um fim de semana inteiro na frente da TV. No passado, isso era considerado programa para quem não tinha programa. Coisa de gente triste e solitária. Agora, se tornou socialmente aceitável. O hábito teve início, historicamente, quando as séries começaram a ser vendidas em caixas de DVD – e também baixadas de forma ilegal pela internet – no começo dos anos 2000. A revolução do Netflix (que serviu de modelo para serviços semelhantes como HBO Go, Muu e Crackle) é colocar um catálogo enorme de séries à disposição do cliente.

A empresa de pesquisas em marketing NPD Group fez um levantamento sobre o assunto com dados de 2012. Dividiu os “compulsivos por séries” em duas categorias: maratonistas, que assistem a séries inteiras que já saíram do ar, e os atrasados, que ficam empolgados com uma nova temporada e correm atrás das anteriores para não ficar por fora. Entre as séries preferidas pelos compulsivos americanos no ano passado, estão o drama policial Prison break, concluído em 2009, e a comédia "How I met your mother", prestes a exibir sua nona e última temporada.

                                                           
                                                         


A figurinista carioca Julia Lobato, de 30 anos, se encaixa perfeitamente nas duas categorias de “compulsivos”. Fã da série médica Grey’s Anatomy, ela acabou perdendo muitos episódios da última temporada. Apelou ao Netflix para se atualizar. “Meu marido odeia a série. Aproveitei que ele passaria o fim de semana fora e só parei de ver os episódios para comer e dormir”, diz Julia. Maratonas semelhantes ocorreram com séries já concluídas a que ela nunca assistira, como a policial Dexter. “Gosto da possibilidade de assistir ao que eu quiser, por quanto tempo quiser, na hora em que eu quiser”, afirma.

Arrested development é a terceira produção própria do Netflix, que antes só comprava o catálogo de grandes estúdios de cinema e TV. A primeira foi Lillyhammer, em 2012, mas não teve grande aceitação do público. Seu primeiro sucesso foi House of cards, lançado de uma só vez em fevereiro passado.

O comportamento compulsivo dos fãs de série não define o espectador do futuro, mas tampouco é um simples modismo. “Há programas nesses serviços de streaming que são muito melhores que o que passa na TV”, disse a ÉPOCA o analista de mídia Richard Greenfield, da empresa de negócios BTIG, um dos mais respeitados do mercado americano. “A nova tecnologia permite que o consumidor mergulhe nesse conteúdo de forma rápida e fácil. O binge-watching veio para ficar.”

Comentários

  1. É uma baita jogada, essa de ter um conteúdo próprio, instiga os espectadores e faz adquirir o serviço para ter exclusividade.
    A facilidade em fazer maratonas é maior, e talvez mais baratas que comprar DVDs. Ler alguma coisa que faço/fazia várias vezes ao mês. Mas ainda sim, eu ainda acho que é devagar para quem acompanha as séries assiduamente.

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