Organizações sindicais querem patrulhar as novelas. Faz sentido?



Publicado originalmente no site: http://kogut.oglobo.globo.com/noticias-da-tv

Terça-feira, 18 de junho de 2013, 09h03

Patrícia Kogut


Eleita com justiça a série mais bem escrita de todos os tempos pelo Writers Guild of America (WGA), “Família Soprano” era estrelada por um gângster. O sensacional James Gandolfini vivia Tony Soprano, líder de uma organização criminosa barra-pesada. Dono de um temperamento mercurial, sofria com ataques de pânico que o levaram a recorrer a uma psiquiatra e psicanalista, a Dra. Melfi (Lorraine Bracco), e a tomar Prozac. Isso, para Tony, era uma grande prova de fraqueza, algo que equivaleria, para um comunista, a um desvio pequeno burguês grave. Meio clandestinamente portanto, enfrentou o divã. Seguiu direitinho a cartilha do tratamento, inclusive primeiro resistindo e, depois, se apaixonando pela terapeuta. Uma das grandes sacadas dos criadores do programa foi justamente essa humanização dos maus feito pica-paus.

Na televisão brasileira, estamos acompanhando as vicissitudes do dia a dia dos que trabalham no hospital de “Amor à vida”. Há mocinhos, claro. Mas, paralelamente ao salvamento de vidas que eles promovem, a ação no hospital se divide entre personagens sem caráter que desviam dinheiro e dão rasteiras, e outros, que usam as dependências para seduzir. Entre as tramas, há uma, central, em torno de uma enfermeira e uma médica que colaboraram para que uma criança achada numa caçamba de lixo fosse adotada irregularmente por um rapaz que perdeu a mulher e o filho no parto.

Por essas e outras, o presidente do Conselho de Enfermagem carioca, Pedro de Jesus, disse à repórter da coluna Clara Passi que quer encontrar com Walcyr Carrasco. É que a categoria está irritada com “erros técnicos da personagem Ordália (Eliane Giardini)”. “O diálogo é salutar para estreitar os laços entre ficção e realidade. A enfermagem (...) é exercida em situações limite de vida e morte, por isso, propicia a criação de dramas e dilemas humanos, que merecem ser retratados de forma correta”, afirmou ele. Assim como o Conselho de Enfermagem, ex-chacretes se queixaram de Márcia, personagem de Elizabeth Savala. E corretores de imóveis não gostaram do romance entabulado por Bruno (Malvino Salvador) e Paloma (Paolla Oliveira) quando ele mostrou a ela um apartamento. Ao UOL, Walcyr Carrasco disse que o papel de uma novela “não é exaltar categorias profissionais, mas contar histórias”.

Da mesma forma que Walcyr, outros autores se queixam dessa patrulha e de seus efeitos deletérios para a liberdade de criação. Com razão. Novela é novela. Nem Ordália nem as outras enfermeiras da história estão ali como exemplos dos que exercem um ofício. Nos centros cirúrgicos da ficção, aliás, podem ocorrer derrapadas técnicas — gestos errados que na vida real seriam inadmissíveis e culminariam em infecções terríveis — desde que a credibilidade da história fique preservada para o público em geral.

Voltando aos Sopranos, as “fraquezas” de Tony podem até não ter agradado a telespectadores reais do mesmo ramo de atividade. Mesmo assim não se tem notícia de qualquer queixa à série feita por criminosos como ele.

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