Tela Viva: A sequência das telas


Tradicional mercado de televisão, a Natpe rende-se às discussões sobre o digital. Palestrantes questionam quem é a primeira e a segunda tela e apostam que o próximo grande hit de ficção virá das novas plataformas.


Publicado originalmente na Revista Tela Viva

Edição de jan/fev de 2013


Por Ana Carolina Barbosa


Rod Perth, presidente e CEO da Natpe, mercado de televisão cuja 50º edição aconteceu em Miami de 28 a 30 de janeiro deste ano, participou de um almoço com a imprensa no último dia do evento. Perth estava impressionado com a internacionalização da Natpe, que em 2013 recebeu mais de mil compradores de diferentes países. O executivo, no entanto, chamava a atenção para o fato de 41% dos palestrantes do evento serem representantes de empresas digitais. “Isso mostra o quanto o mercado está mudando”, destacou ele.

Os palestrantes fizeram questão de reforçar a tese de mudanças em suas apresentações. Howard Stein, head de estratégia de entretenimento do Facebook, participou de um painel sobre social Tv e lançou uma provocação para a plateia, composta majoritariamente por criativos e executivos de televisão: “E se a televisão virasse a segunda tela das redes sociais?”, questionou. O executivo lembrou que o grupo etário de maior engajamento é o de 18 a 44 anos e que boa parte das pessoas tem acesso a quatro telas. Dessa forma, é essencial que os produtores pensem no aspecto de mobilidade e planejem a criação dos conteúdos para as redes sociais já na concepção das atrações de televisão.

Ele destacou o case da série “Dallas”, que começou o trabalho nas redes sociais cinco meses antes da estreia nos Estados Unidos e conseguiu bons resultados de engajamento. “Os canais de televisão conseguem níveis de engajamento maiores do que as marcas porque são os maiores produtores de conteúdo do mundo”, destacou Stein.

Os executivos da televisão parecem não ter dúvidas de que investir em redes sociais e desdobramentos digitais de seus conteúdos é inevitável. No entanto, o caminho ainda não está tão claro, como observa Hardie Tankersley, vice-presidente de plataformas digitais da Fox. Segundo o executivo, a Fox tem nos Estados Unidos aplicativos de segunda tela para cinco de suas atrações e, embora a audiência e o dinheiro ainda não sejam satisfatórios, ele credita que eles estão por vir. O executivo baseou-se em dados com a pesquisa do Google e do Ipsos que indica que 77% das vezes que o consumidor assiste televisão é com outro device nas mãos, sendo 49% com smartphones e 34% com PCs ou laptops.

“Precisamos criar branded experience. Estamos tentando criar plataformas que sejam um pacote de interatividade, com formatos de anúncios e merchandising”, explica o executivo, lembrando que o conteúdo precisa ser atraente para o espectador e também para o anunciante.

Para Tankersley esse é o momento de experimentar e coletar o máximo de informações possível. Ele observa que para formatos não-roteirizados e com o pressuposto de interatividade, como “Ídolos”, a criação de conteúdo de segunda tela é mais fácil. Já as atrações roteirizadas são mais difíceis.

Investimento desproporcional

O momento é de experimentação e amadurecimento também para o mercado anunciante. Executivos que debateram a transição dos conteúdos para as plataformas não-lineares concordaram que a publicidade ainda não responde satisfatoriamente ao ritmo do digital. “O grande desafio é a monetização. Ainda tem muito para acontecer”, destacou Victor Kong, chief digital officer do grupo venezuelano Cisneros. Ele conta que o grupo Cisneros tem seus conteúdos em canais no Youtube e que, na web, os maiores acessos vêm do México e dos Estados Unidos. “O modelo de negócio do linear não funciona no não-linear. Precisamos complementar com estratégias específicas. A publicidade digital é pequena na América Latina, mas vai começar a deslanchar, observa o executivo.

Enrique Martinez, presidente e gerente geral da Discovery Networks América Latina, acredita que a chave do sucesso é a integração. “É preciso fazer algo que tenha valor tanto para os nossos espectadores quantos para os nossos clientes, afirma o executivo, ressaltando que também é preciso fazer um bom trabalho em mídias sociais para promover este conteúdo.” Antonio Barreto, CEO da DLA, observa que a transição leva algum tempo para acontecer. Para ele, os grupos tradicionais de mídia devem abrir caminhos. “Quando você produz muito, isso abre as portas para produzir mais”, explica.

Enquanto o cabo ensaia suas aproximações com o mundo digital, o digital já está bem parecido com o cabo. É o que pensam os executivos das empresas que nasceram neste ambiente. Larry Tanz, CEO do Vuguru, estúdio voltado para o desenvolvimento e produção de conteúdo para as plataformas digitais, fez uma apresentação na qual dividiu a história da televisão em três grandes momentos: o primeiro com os broadcasters, o segundo com o cabo e o terceiro com o digital. “O digital está se desenvolvendo pelo mesmo caminho que o cabo, porém mais rápido”, observou o executivo. Ele apresentou dados de uma pesquisa recente do Ipsos que mostrava a força da internet entre os americanos. Quando questionados sobre do que poderiam abrir mão em suas vidas, 49% responderam que poderiam desistir da Tv por assinatura, 37% do celular, 8% de comida e apenas 6% poderiam viver sem internet.

Tanz destaca que os canais do Youtube estão majoritariamente focados em conteúdos não-roteirizados, enquanto plataformas como Hulu, Netflix, Amazon e Yahoo! Devem dominar o campo dos formatos roteirizados. “O digital começa a assumir riscos criativos e buscar suporte dos anunciantes assim como a Tv”, observa o executivo. Na apresentação, ele mostrou trechos do drama “The Boot at The End”, lançado pelo Hulu, e da comédia “Little Woman Big Cars”, para o portal AOL. “Acho que o próximo grande hit de ficção pode vir do digital”, apostou.


Efeito “cabolização”

Produtores e distribuidores que passaram pela Natpe destacaram que, ao ganhar escala, segmentar seus canais e oferecer conteúdo, o Youtube éa plataforma que mais se assemelha à Tv por assinatura. “Esse processo do Youtube é o início da ‘cabolização’ da internet, destaca Rob Barnett, fundador e CEO do My Damm Channel, canal online voltado para comédia. O diretor de estratégia de conteúdo do Youtube, Jamie Byrne, conta que a plataforma passou por mudanças nos últimos dois anos, quando passou a usar a concepção de canais e apostar no conteúdo profissional. “Estamos investindo em aproximadamente cem canais nos Estados Unidos e outros 60 pelo mundo. Eles fazem mais de um milhão de views por semana. Alguns têm 50 mil assinantes. Estamos bem com esse direcionamento”, diz o executivo. Ele explica que como a equipe do Youtube não sabia o que funcionaria há dois anos, decidiram investir em vários perfis e perceberam que as pessoas não só têm acessado estes canais como têm voltado para eles.

Segundo Byrne, o próximo passo é aprimorar ferramentas para o acesso via mobile, o que já corresponde a 25% do total. “Éramos um site que podia ser acessado via mobile, agora estamos começando a pensar em uma experiência cross plataforma”, observa o executivo. Para Barnett, pensar no consumo mobile é muito importante. Seu canal tem 33% dos acessos vindos dos devices móveis. Para Chris Williams, chefe de desenvolvimento da produtora Maker Studios, o mobile pode ser interessante do ponto de vista da monetização. “Pode ser mais atrativo para o anunciante”, destaca.

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